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domingo, 8 de abril de 2012

Política das Angústias













MAIS UMA PÁSCOA PERDIDA



A mensagem do bispo devia ser dirigida aos que exploram e não aos explorados




Quantos dias de reuniões, conversas animadas e reflexões, hesitações, angústias e canseiras naqueles jardins das Quatro Fontes, não terão custado as mensagens que o bispo do Funchal apresentou nas sucessivas homilias constantes do programa religioso referente à quadra pascal!
Todas elas apontando o microfone da Sé aos pobres, aos desamparados, aos mais vulneráveis à crise criada pelos financeiros e pelos políticos desse mundo, mas, no que diz respeito à situação asfixiante nestas ilhas, uma época miserável resultante dos expedientes ambiciosos e sôfregos dos conhecidos 'mamadeiros' da Madeira Nova.
O bispo saiu das Quatro Fontes para, desde o altar da Sé, naquela metafísica paramentação que transporta os espíritos para longe da realidade, convidar os fiéis a seguirem o exemplo de Jesus Cristo, que "foi fiel até ao fim e aceitou com plena liberdade e lucidez a morte na cruz".
Os cristãos das classes baixas disseram 'amen'. É seu papel trabalhar e morrer na cruz para glória dos ricos corruptos. E D. António revela ter conhecimento da existência de "sofrimento entre os mais fracos, vidas sem sentido, famílias sem amor ou problemas graves, problemas de saúde, dificuldades económicas, desempregados, marginalizados, excluídos da sociedade, idosos abandonados". Mas persiste a dúvida: o bispo parece desconhecer onde é que tudo isso se passa. Deve ser por todo esse mundo além. Na Madeira não, já que não se ouve uma palavra episcopal objectiva que o denuncie.
Perante a "presente conjuntura económica e social" que diz agravar-se, "ferindo o coração de muitos e apontando para a necessidade de novos valores", o prelado desta diocese medieval exorta os fiéis, não a interrogarem os responsáveis pela exploração e exigirem a sua condenação, mas a "dirigirem o olhar para o Senhor da Vida e Salvador da Humanidade."
Perante a vida difícil da maioria e praticamente impossível dos mais desfavorecidos, sua ex.ª reverendíssima proclama na cara de milhares de madeirenses desesperados, mas anestesiados por defeitos congénitos, "a alegria da fé, a coragem da nossa esperança e a força do amor-caridade", arrematando: "O Senhor ressuscitou verdadeiramente. Aleluia!"

...E os pobres que vão à sopa do Cardoso

O Bispo, nesta mensagem medieval, insiste em cobrir com a imagem de Cristo maltratado as patifarias dos grandes senhores da terra com ele conluiados, para que o povo não tenha qualquer acesso à verdade da sua exploração. Por isso, ouvimos aquele sujeito bradar, na esplanada perto da Sé onde o bispo tecia tais considerações letais para um povo que devia acordar e manifestar as suas inquietações: "O deus que aquele está acolá dentro a invocar não é o verdadeiro Deus, aquele deus de que ele fala não é amigo dos pobres, aquele só tem ajudado a enriquecer os tubarões desta terra... e os pobres que vão à sopa do Cardoso!"
O sujeito foi apelidado de comunista por um chefe de casal postado à porta do café, que pelos vistos devia estar dentro da igreja, mas ainda prolongou o discurso com mais umas flechas certeiras.

Perante as gritantes desigualdades e assimetrias sociais vigentes há décadas e décadas nesta terra, o bispo deveria dirigir-se, não aos desgraçados, porque esses já sabem que não podem fazer mais do que "olhar o Senhor da vida e Salvador da Humanidade", mas aos 'mamadeiros' da Madeira Nova, exigindo-lhes decência na forma como gerem a vida política e económica desta desafortunada Região. O Bispo tem o dever de chamar as atenções para o poder autoritário, arrogante, malcriado, tirano e avassalador que matou as esperanças de uma população inteira, depois dos indícios de Abril. O bispo deve condenar as riquezas inexplicáveis que hoje são marca da Madeira Nova, as quais explicam, isso sim, os baixos e miseráveis níveis de vida de 90% dos madeirenses. O bispo deve responsabilizar o 'rei das Angústias' pelo estado humilhante em que vive mergulhado todo um povo que já foi digno e forte.

O bispo ao espelho

Mas o bispo tem dificuldade em fazê-lo. Porque, algum dia pela manhã, certamente vê ao espelho um dos sustentáculos do regime que explora os pobres enquanto lhes ordena que contemplem o "Senhor da vida". Vê ao espelho o barão da igreja que foi às inaugurações seculares legitimar o desenvolvimento feroz da Madeira Nova, prenhe de monstros de cimento e projectos delirantes sem fundações nenhumas. Diante do espelho, vê o verdadeiro culpado do descalabro provocado na outrora digna comunicação social da Madeira, pecando o bispo diariamente ao mentir no preço de capa de um jornal, o diocesano, que é distribuído gratuitamente. E peca ao permitir uma concorrência desleal que já mandou para o desemprego profissionais do jornalismo, com famílias sob sua responsabilidade - enquanto coloca em risco a existência de um jornal ilhéu que tanto fez pela terra onde circula há 136 anos. Como é que, de manhã, o bispo veria ao espelho aquele que recebe dinheiro para templos e gastos correntes, da parte de um governo fascista e totalitário, e depois à tarde exigiria justiça e ética de vida a quem lhe alimenta secularmente as ambições do espírito?

Bispo Romero e as voltas do estômago

Quando nos lembramos da luta do bispo Óscar Romero ao lado dos pobres de El Salvador, sem receio de enfrentar com a sua demolidora mensagem igualitária os poderosos de um regime armado até aos dentes, e quando olhamos para dignitários de instinto burguês que, entre nós, numa vida confortável, pregam hipocritamente franciscanismo nas horas públicas, mais voltas nos dá o massacrado estômago, coitado. Romero foi assassinado a tiro dentro do templo onde, em lugar de mandar os cristãos rezar e dormir para esquecer a fome, denunciava os crápulas de um regime de ricos e acomodados. Morreu. Porém continua dentro dos corações com um mínimo de dignidade.

Hoje é Dia de Páscoa. Que Jesus ressuscite com esperança. Que não lhe doam as mãos se um dia vier com disposição para varrer definitivamente, com aparato e rudeza, os vendilhões que lhe assaltaram e ocuparam o templo.
Só aí o povo poderá cantar a plenos pulmões: "O Senhor ressuscitou verdadeiramente! Aleluia!"


4 comentários:

Fernando Vouga disse...

Caro senhor Luís Calisto

Mas é para isso mesmo que existem as religiões que, como muitas ou quase todas as instituições, não passam de engrenagens das máquinas do poder.
Eu sei que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Porém, com uns dinheirinhos por fora, as coisas resolvem-se com toda a facilidade.
E os pobres que se lixem e fiquem quietinhos, que é para não levantarem ondas. E é aqui, muito resumidamente, que reside o verdadeiro o papel social das igrejas.

Luís Calisto disse...

Pois se até há igrejas declaradamente malfeitoras, que vivem de extorquir os dízimos de velhos e doentes, e ninguém as aborrece, por falta de moral para criticar! O retrato que traça, caro Sr. Fernando Vouga, ê eloquente e devia fazer corar de pudor os oportunistas que por aí pululam descaradamente.

jorge figueira disse...

Não precisa ir ao estrangeiro. Tem na pessoa do Bispo da Beira, D. Sebastião Soares Resende, alcunhado como bispo da Beira... do abismo pela pide que capaz de separar "O Reino que não é deste Mundo" do outro que vive assente em receitas financeiras. Isto é: Licio Gelli, Roberto Calvi, Michelle Sindona, Marcinkus, Villot, etc que tanto mal fizeram em Roma não entravam nas suas contas

Luís Calisto disse...

Senhores: acabo de telever, de raspão, a entrevista que D. António foi dar à Atlântida, na RTP-M. Os emigrantes devem ter ficado perplexos: a Madeira é só passeios paroquais, vistas panorâmicas a partir da Igreja do Colégio, paz e amor. E diziam que andava por aí uma troika qualquer!