E SAI MAIS UM PROCESSO KAFKIANO
EMANUEL BENTO
Há muitos anos, mesmo muitos, ainda tinha eu cabelo, um homem do teatro madeirense contou-me, numa mesa do Café Concerto (no Jardim Municipal) que era preciso desdramatizar Kafka, explicando as razões por que deveríamos rir sempre que o lêssemos. Na altura olhei-o com alguma estupefacção porque sempre me custara ler e digerir a obra do atormentado judeu, por a achar demasiado sofrida e angustiante, mesmo assustadora de tanto expor o absurdo da existência e da pequenez humana perante a irracionalidade da sociedade, que começa exactamente na família. Ainda adolescente havia, algumas vezes, iniciado a leitura da Metamorfose mas sempre sem conseguir acabá-la, o que só fiz uns anos mais tarde, e sem conseguir rir.
Dos vários livros que dele li, obviamente que “Der Prozess” ocupa lugar de destaque. A ideia de sermos acusados e julgados sem sabermos qual a causa do nosso suposto crime não é de todo impossível, pelo menos fora do espectro judicial, já que, no nosso dia-a-dia, creio bem que muitas vezes muitos de nós já fomos, por familiares, amigos, colegas de profissão, desconhecidos, acusados e julgados em sabermos bem as razões destes processos. Basicamente o mecanismo é este: insinua-se, acusa-se e julga-se. Bastam, pois, três etapas para que a suspeição sem razão passe a verdade de facto, pelo menos para alguns.
Tudo isto até agora escrevi, para dizer que continuo sem conseguir rir do absurdo que é Alberto João Jardim ameaçar com mais um kafkiano processo o Diário de Notícias, na senda de ameaças a tudo e a todos que dele discordem ou, simplesmente, não sigam obedientes no carreiro. O que na verdade sinto é pena por ser conterrâneo de um povo que se deixou manipular durante trinta e tal anos por este tipo de ameaças e parvoíces, ainda que até perceba as razões e limitações estruturais subjacentes a esta sujeição. Mas das elites da treta que foram cúmplices pena já não tenho, sinto apenas um orgulhoso desprezo…

ResponderEliminarO pasquim mais uma vez publicou um texto sem assinatura do Mercenário...e não há provas que "a manipulação" seja da sua autoria...O Diário foi ingénuo. Não dêem trunfos...