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quinta-feira, 10 de junho de 2021


CRÓNICA


JUVENAL XAVIER                                                                                  





AVENTURA NUMA FOLHA DE PAPEL 





Num primeiro gesto, escondo-as, secretamente, só para mim. Quando nos saem as primeiras palavras, em passos tímidos, com vergonha de se mostrar e se escondendo de quem veja, estamos muito longe de saber até onde elas nos possam levar. Espera-nos, com certeza, um caminho desconhecido ou sem norte que nos desperta, sofregamente, para uma aventura numa folha de papel. Já não encontraremos os moinhos de vento que D. Quixote, Cavaleiro da Triste Figura, julgava serem gigantes sem dar ouvidos a Sancho Pança, nem descanso ao cavalo Rocinante. 

Escreveu Eugénio de Andrade (1923-2005) que “com palavras se ama, com palavras se odeia.” O poeta (Prémio Camões, em 2001), que viveu muito para o seu mundo, deixando o outro lá fora, via nas palavras “a nossa condenação.” (Umas vezes, um cristal, um punhal, um incêndio. E outras, orvalho apenas). 

Não irei sozinho nesta aventura. Trago Os 100 autores mais criativos da história da literatura que Harold Bloom reuniu no seu livro Génio (2014) – “um mosaico de génios da língua, apesar de Sócrates se encontrar na tradição oral e o islamismo afirmar que Alá ditou o Alcorão a Maomé.” Uma obra com dois paradigmas: a Cabala e o gnosticismo. Este Professor de Humanidades da Universidade de Yale, nos Estados Unidos (faleceu a 14 de outubro de 2019), evitou “falar de génios vivos, em parte para escapar às distrações da mera provocação.” 

A descoberta percorre, atentamente, as palavras de Um gigante entre os críticos, segundo o The New York Times Magazine: “Shakespeare, o génio supremo, é de uma espécie diferente da dos seus contemporâneos, até mesmo de Christopher Marlowe e Ben Johnson. Cervantes destaca-se de Lope de Vega e de Calderón. Há algo em Shakespeare e Cervantes, como em Dante, Montaigne, Milton e Proust (para dar apenas uns quantos exemplos), que claramente pertence à sua época ao mesmo tempo que a ultrapassa.” 

Em vez dos moinhos de vento, do El ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha, um livro de 902 páginas que Harold Bloom escreveu aos 71 anos, onde deixa bem claro que “O tempo que nos destrói, reduz a lixo tudo o que não é genial”. Será, então, por isso que Eugénio de Andrade (pseudónimo de José Fontinhas) diz que “é urgente destruir certas palavras”? 

Não! Não quero que as palavras passem por mim como quem passa por ninguém. Sejam grandes, sejam pequenas, impiedosas ou maliciosas, quero que me fixem nos olhos e me seduzam com as que escrevem aventuras encantadoras de sonhos imperfeitos. 

1 comentário:

Unknown disse...

Um texto delicioso, em que as palavras são tratadas com todo o carinho e respeito, ao mesmo tempo que alguns dos geniais mestres são homenageados.
Parabéns.