Têm andado na berlinda notícias sobre algumas paróquias da diocese. Como habitualmente, as encrencas não encontram eco no establishment do paço episcopal. Mas no interior da Igreja há quem tenha opinião, frontal e crítica. O padre José Luís Rodrigues já se manifestou sobre estes assuntos. O padre José Martins Júnior também, no seu blogue Senso & Consenso. Um brilhante texto que, com a devida vénia , reproduzimos no Fénix.
COMÉDIA SÉRIA, ONDE ENTRAM POLÍCIAS, BISPOS, PADRES E PORTAS SEM MISERICÓRDIA
Não era este o tema que reservei para terça-feira de Páscoa. Creiam, mesmo, que as mãos me pesam mais que noutros dias sobre este teclado de notas alfabéticas. A qual músico e a qual ouvinte agrada tocar ao piano repetidas dissonâncias ou escutar cacofónicas percussões?
Por isso, quero ser breve. Desde logo, pela motivação circunstancial que amigos meus me trouxeram acerca de um incidente ocorrido numa das pacatas nortenhas paróquias da Madeira onde foi solicitada a PSP pelo respectivo jovem pároco. Perante a minha quase indiferença em relação à notícia (para mim, mais do mesmo) fiquei amarrado à “provocação” dos meus amigos interpelantes: “Então não reage? Vai fazer o mesmo que a diocese que se esconde sempre nos silêncios cúmplices?”
Aqui vai, pois, uma pequena amostra do que penso e sinto.
A Diocese, no feminino (em francês é masculino, le diocèse) é uma entidade abstracta, sobretudo entre nós, ilhéus. Não tem rosto, duvido que tenha alma, pelo menos, alma evangélica. Quando é chamada à colação, não reage. Usa uma arma secreta: o silêncio dos cemitérios. Entretanto, ela reconhece-se pelo corpo, nas suas estratégicas aparições, nas paradas espectaculares, nos jantares e inaugurações governamentais, nos arraialescos festejos de verão e nos partos litúrgicos pré-natais. De longe dá nas vistas pela anafada cinta vermelha e pelo régio brilho de uma cruz dourada, à imagem e semelhança dos brasonados oficiais do reino.
Falo do que se vê a olho nu. E de mais alguma coisa que vi, sobretudo, nos três últimos titulares madeirenses, de entre os sete que conheci como inquilinos do Paço. Confrange-me -.mas não afecta a minha fé no Cristo Nazareno, anti-sinagoga e anti-diocesano – sim, confrange-me olhar a paisagem. Numa ilha pequena, Madre das Cristandades de outrora, onde nos tempos mais recentes tem reinado a prepotência política, o favoritismo, a mediocridade e o nepotismo, esperava-se (e os madeirenses mereciam) um pastor verdadeiro, cuja mitra fosse cultura e talento e cujo báculo fosse “chicote no templo dos vendilhões” e, por outro lado, arrimo seguro para os mais débeis do seu rebanho, os proscritos dos poderes mundanos. Em vez disso, porém, coube-nos a sorte de uma diocese, corpo sem alma lá dentro. Diocese-Instituição. Há modestas autarquias rurais com melhor e mais responsável sentido de liderança, vigilante e humanista. Talvez até simples associações e colectividades de bairro, porque têm alma e dão o corpo às balas, em defesa da Verdade que professam.
Pelo que acabo de dizer, nada me espanta o “lavar-de-mãos na bacia de Pilatos” por parte da Mitra. Ê mais do mesmo. Um eclesiástico subalterno entende transgredir as mais elementares normas urbanísticas, outro espuma retaliação contra uma instituição centenária e exclui-a da igreja-mãe a que sempre deu colaboração; este chama a polícia, aquele abre-se aos apetites políticos de um governo que lhe faz obras faraónicas, inúteis – e onde está a Diocese? No retiro dos cenóbios ou na paz dos sepulcros. Um bispo toma conta de uma quinta, legado pio para abrigo dos sacerdotes na sua velhice – e que diz o hierarca diocesano? Zero!
Termino já, porque não me conforta nada pôr a secar na via pública o estendal de roupa esfarrapada que não aquece a nudez de ninguém.
Ficaria, porém, incompleta a mensagem aos meus amigos interpelantes deste dia 29, se não citasse a resposta da Diocese – a mesma entidade sem rosto, não se sabe quem responde, se o Chefe ou se o vice - que ofereceu como antídoto e consolo, no caso da paróquia nortenha, uma receita de “misericórdia” perante duas devotas que, a pedido do jovem pároco, a polícia devia expulsar da igreja.. Misericórdia! É o que está na moda neste ano de abrir de portas. Nem me apetece comentar. Seria uma boa deixa para Dante escrever uma outra versão da “divina comédia”, revista e actualizada.
Misericórdia! Não brinquem nem nos tomem por tolos. Terá sido por “misericórdia” que a Diocese deu aval ao Governo Regional para mandar 70 (setenta) polícias atacar e esvaziar a igreja da Ribeira Seca, em 1985?... Foi por “misericórdia” que cortou a essa igreja a venda das hóstias para a Eucaristia?... Foi também por Santa “misericórdia” que não deixou entrar nessa igreja, em 8 de Maio de 2010, a Imagem Peregrina?... E será por que carga “misericordiosa” os bispos da Madeira, há 42 anos, não têm força para administrar o sacramento do Crisma na igreja da Ribeira Seca?..
Misericórdia, Papa Francisco – dizemos nós. Quem tem ouvidos de ouvir, entenda. Quem tem olhos de ver, interprete os factos.
O que nos dá força é que há mais Vida além da Diocese. O que nos vale é que há mais Cristo além da Mitra.
29.Mar.16
Martins Júnior
1 comentário:
E nisto tudo, guerras em nome de uma entidade que nunca ninguém viu nem ouviu! Enfim, ao que o medo da morte nos leva...
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