A
decisão
Estimado
leitor, tal como enunciei na anterior publicação, quando se tem um cargo de
topo, por vezes, existe a necessidade de decidir situações embora não se tenha
conhecimentos técnicos específicos da área. Embora a nossa educação tenha
tentado incutir a regra de só decidir pela certeza, hoje adultos sabemos que
temos de decidir sem ter todas as peças do puzzle e com base em conjeturas.
V.
19 – Cvey Mhentsi pensava três vezes antes de agir. Ouvindo falar disso, disse
o Mestre: Duas vezes já bastava”.
Confúcio, Analectos,
Analisar
demais leva à indecisão, pelo que é algo de evitar. Mas também não refletir:
“a
ignorância gera atrevimento, mas a reflexão torna-nos prudentes”
Tucídides, citado por
Luciano em Carta a Nigrino
Esta
publicação com base num caso prático enuncia as regras para a “decisão política”
"Não
sendo passíveis de racionalização nem sujeitas a cálculo científico, as
decisões significativas na vida prática consistem na escolha de um inimigo, num
projeto histórico-vital ou na aceitação de princípios.”
Habermas, Teoria Analítica da Ciência e Dialética
Toda
e qualquer decisão enquadra-se no condicionamento do futuro; na concretização
de um objetivo(s): “o homem deve agir em vista do fim, sendo ele racional e
tendo, portanto, domínio sobre os seus atos pela razão prática e pela vontade”.
Dizem
que o individuo (que não tem perfeito domínio da sua Vontade) para decidir
recebe do Ambiente (amigos, histórico, sociedade, etc…) uma série de
informações que transforma em desejos (coisas que deseja que aconteça) e medos
(coisas que deseja evitar). A decisão desse individuo é determinar uma ação ou
conjunto de ações que faça (ou façam) que todos os desejos ocorram e que os
medos sejam evitados. Em face do exposto:
· Os indivíduos não se decidem
por um só desejo;
· O conjunto de ações não é
linear pois existem muitas condições a satisfazer;
· As ações desses indivíduos são
pouco previsíveis pois os desejos e medos mudam consoante o estado anímico e a
informação recebida recentemente.
Uma
das regras essenciais da “decisão” é: “a melhor pessoa para decidir sobre um
dado assunto, regra geral, é quem tem a incumbência de tomar essa decisão”
(pois ele é que está em posição de conhecer as informações relevantes,
constrangimentos, valores pessoais, e aceitabilidade pessoal dos aspetos
positivos e negativos que da mesma resultem).
Tal
como Locke admito que é suficiente para “bem decidir” estar certo de não se
arrepender no futuro:
“É
suficiente que eles tenham tido uma vez com cuidado e justeza absorvido o fato
tanto quanto puderam, e que tenham buscado todos os particulares, que pudessem
imaginar que forneceriam alguma luz à questão; e, com sua mais avançada
habilidade, somaram as causas de toda a evidência, e deste modo, tendo urna vez
descoberto para que lado a probabilidade se manifestava, após investigação tão
complexa e exata como podem realizar, estabelecem a conclusão em suas memórias
como uma verdade que descobriram; e para o futuro permanecem satisfeitos com o
testemunho de suas memórias, que esta opinião que, pelas provas que uma vez
viram disto, merece um tal grau de seu assentimento, segundo o que podem
oferecer.”
Locke,
Ensaio sobre o entendimento humano
As
decisões devem ser “naturais”, isto é, devem fazer parte do conjunto de
decisões anteriores e posteriores (i.e., coerente) e ser compatíveis com a alma
do decisor (i.e., ser verdadeiras). Isto significa que a melhor decisão para
dois indivíduos com personalidades diferentes vivendo uma situação semelhante
muito provavelmente é diferente.
A
razão de aconselhar esta naturalidade é para que os outros indivíduos confiem
no decisor (poucos confiam em indivíduos imprevisíveis), e para que a decisão
não seja “minada” pelo próprio decisor nas decisões subsequentes[i].
Os
antigos diziam: “Havendo razões para aceitar, e razões para rejeitar, então
a proposta deverá ser rejeitada”.
Marco
Aurélio (in Meditações) defende:
“Deves
estar sempre pronto para estas duas decisões: primeira, praticar só e
precisamente aquilo que a razão do trono e da lei inspira para o bem da
Humanidade; segunda, mudar de orientação, se alguém houver que te corrija e
dissuada.”
Montaigne
defende a decisão baseada no dever:
“No
que faço, vejo apenas o que me cabe fazer, e não medito de antemão sobre as
consequências e resultados que me possam atingir. Meus atos visam a determinado
objetivo: acerte ou não terei feito o possível”.
Montaigne, Ensaios 3
Reitera
-se a necessidade de tempo para tomar uma boa decisão, e que este
tempo advém de uma boa escolha das tarefas/ações que deverão ser executadas
pelo Senciente e sua organização.
O caso prático
O
Secretário Regional da SRAPE tinha que decidir se leva a obra da Ribeira da
Madalena do Mar para aprovação do Conselho do Governo.
Tal
como dito anteriormente as decisões não são feitas no “ar”; têm por base um
conjunto de constrangimentos e oportunidades, i.e., o enquadramento. O enquadramento é:
· A imagem pública do secretário
regional da SRAPE anda pelas ruas da amargura. O seu peso político é pior que
nulo: é negativo!
· Existem acusações públicas que
este secretário anda a fazer obras que para nada servem;
· A utilidade da obra da Ribeira
da Madalena do Mar não está demonstrada nem a ele nem à população;
· A imagem pública do Presidente
do GR está altamente danificada;
· Existem eleições a curto-prazo
que podem acabar com a legitimidade política e com os últimos apoios do
Presidente do Governo Regional.
· Existem duas maneiras do
Presidente recuperar a imagem: as pessoas começarem a ganhar mais dinheiro, ou
demitindo alguns secretários regionais e culpá-los de tudo. A primeira é
praticamente impossível, mesmo que houvessem condições internacionais para isso.
· Não se conhece outra fonte de
rendimento da família nuclear do Presidente que não a política.
· A melhor maneira do Presidente
se resguardar de um eventual mau resultado nas eleições é fazendo uma
remodelação governamental poucos dias antes das eleições. Nesse caso, neste
momento interessa ao Presidente que o Secretário: tome decisões de dúbia
legalidade, que lhe cause má imagem, que persiga funcionários, e se possível,
traia apoiantes[ii].
· A taxa de desemprego é elevada,
e esta obra criará alguns empregos temporários.
Os
Oito passos da decisão segundo “Governance in the 21st Century”[iii]:
1. O decisor está disposto a ter responsabilidade pela decisão.
SM se
não quisesse ter essa responsabilidade, teria que enviar aos departamentos de
Hidráulica que tutela para decidirem por ele.
2. O decisor analisa o seu
conhecimento, compreensão e sensibilidade atual sobre as questões importantes
do assunto, de modo a alocar a
atenção sobre as questões prioritárias.
As
questões prioritárias são: 1) a obra é mesmo necessária? 2) o Presidente
tenciona demiti-lo e culpá-lo de tudo? 3) Existem investimentos alternativos?.
3. O decisor aprecia o assunto tanto sua evolução histórica
como a sua evolução futura. A apreciação também tem em conta os seus próprios interesses, carácter e compromissos e os dos outros. Com estes
últimos dados o decisor projeta os cenários futuros possíveis.
O que é
que acontecerá a SM se ele decidir num sentido? e se for noutro? Se o próximo
secretário regional decidir como ele decidiu (i.e., não inverter as politicas),
será que podem culpá-lo de algo? Se for assim, interessaria a SM não decidir.
Vide enquadramento.
4. O decisor seleciona contextualmente
os princípios, normas,
estratégias e estilos de argumentação para
o contexto social da decisão a tomar.
Se SM
mandar a obra a Conselho de Governo, o que é que vai dizer à população? O que é
que a população vai perceber de sua argumentação? E no caso contrário?
5. O decisor distancia-se dos seus interesses de curto prazo,
das pressões recebidas, e das emoções (suas e dos outros).
SM
imagina que é um observador que aprecia esta decisão daqui a anos. O que é que
esse observador imparcial irá pensar?
6. O decisor pesa os prós e contras de diferentes
riscos, normas, solidariedades, restrições e compromissos rivais. O momento em que
é apreciado cada um destes itens afeta o reconhecimento e sensibilidade do
valor de cada um.
O que é
que SM prometeu sobre as obras: à população, ao Presidente, aos empreiteiros?
7. O
decisor deve aceitar que o assunto em causa termine, chegando a uma conclusão e
ser firme sobre ela. Na minha opinião deve procrastinar[iv] (i.e., estudar e tomar a decisão no
último instante razoável, desde que esse instante esteja definido) ou criar a
urgência de uma decisão (para em seguida procrastinar).
“É coisa rara, com
efeito, ser capaz de prorrogar os juízos.”
Espinoza, Tratado
Político, VII
8. O decisor volta a analisar se
está disposto a ter
responsabilidade pela
decisão: aceitando as consequências da sua decisão, incluindo os prós e
contras, os custos da oportunidade, e aceitar as consequências negativas
previsíveis como o preço a pagar pelos valores e/ou oportunidades a que o
decisor adere.
O que é
o leitor aconselharia a SM?
SM
levou a Conselho de Governo, e o investimento foi aprovado.
Eu, O Santo
[i] O chefe tolerante impõe a
política tolerância zero… e depois finge que não vê as prevaricações de seus
subordinados. Pior, toda a punição será vista e sentida como injusta pelos
subordinados; uma perseguição sem causas.
[ii] A outra Secretária a substituir
é S. Prada, se possível nas mesmas condições. Assim, por estar conotado com a
referida senhora, e não criticar publicamente os seus erros, a eventualidade do
dr. José Prada chegar a um cargo superior do que tem passa a ser nula. (em
politica pura e dura, não interessa para nada se a ligação entre eles é
simplesmente uma eventual mera afinidade familiar)
O
passo seguinte da estratégia é enxovalhar os demitidos de modo a provocar
eleições antecipadas. No final, conota-se os enxovalhados com a Oposição
despreparada para eleições.
E
o resto é o normal: põe-se o Armas durante 6 meses antes das eleições,
arranja-se um avião cargueiro durante uns meses, os apoios das viagens passam a
ser dados diretamente à transportadora, vende-se umas laranjas a Israel,
exporta-se aguardente para Cuba, convida-se políticos estrangeiros, incluindo
da Coreia do Norte para dizerem qu a
Madeira é um paraíso, gasta-se mais uns milhares em indivíduos que façam filmes
e publiquem comentários a alegar que a Madeira é melhor que o paraíso, dá-se
prémios e condecorações a torto e a direito, cria-se uns perfis falsos que
digam que os políticos são todos iguais, etc…
[iii] Adaptado de: “Governing by
Technique: Judgement and the Prospects for Governance of and with Technology”,
“Governance in the 21st Century” OCDE - 2001
7 comentários:
É assim Santo. Você é chato como a potassa, disso não há dúvidas.
No entanto, você é inteligente, argumenta bem, e, verbaliza de forma eloquente.
Mas, só se interessa com as suas pequenas questões, com as coisinhas que lhe dizem respeito.
No dia que tiver uma visão global, até se torna interessante.
Até lá, você é mesmo chato.
Santo,
Só pela chatice, eu decidia logo contra si.
(Outra vez)
está encontrada a razão para existirem chatos , não é por serem mais ou menos inteligentes , é porque pura e simplesmente são CHATOS
Santo,
Não é o Sergio Marques quem precisa de aconselhamento. É você. E quanto mais rápido, melhor para si.
O ''Tó Pó'' está em estado de desespero e imagina-se porquê. Não são apenas os insucessos profissionais que abalam a cabeça do arruaceiro.
Com uma vida feita de enganos em todas as frentes, tem sido um instrumento ao serviço da vingança e do ressabiamento dos que mandam na folha onde continua a ''chafurdar''.
Será dali que ainda vem algum para alimentar o seus vícios.
O ''criatura'' foi em tempos submetida aos bafos de aguardente e vinho seco subsidiados pelo governo para evitar que certos negócios não dessem para o torto, e então é aquilo que hoje se vê.
Eu falo daquilo que conheço.
Não sou adepto de grandes questões. Penso que as decisões são de pessoas para beneficiar ou prejudicar pessoas.
Em linguagem filosófica é: o homem age-com-respeito-a-fins, sendo que a esmagadora maioria decide com vista a objetivos palpáveis, especialmente dinheiro, domínio e sexo.
Acredito tal como o que percebi de Habermas que já não há ideologia.
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