CRÓNICA

Luís Calisto                                                                                           

DA MINHA PARTE, VOTO ANA

Ana Gomes visitou a Madeira durante dois dias e aproveito para elucidar o João, meu amigo pessoal com sede civil e profissional à Baixa do Funchal: é nesta candidata que votarei nas Presidenciais. 

Em todo o bendito acto eleitoral, Amigo João, assumido eleitor de Direita, costuma provocar-me com a proposta "vamos endireitar isto". O que ele quer dizer é "vamos enDireitar isto". Ou seja, entende que é votando na Direita que o País e a Madeira endireitam.

Eleitores de base que ambos somos, João tem grande vantagem curricular sobre mim. Basta dizer que em mais de 40 anos só votei vencedor em eleições nacionais, designadamente nas sucessivas Presidenciais. Nessas, só perdi nas vezes em que concorreram Eanes (1.ª vez), Cavaco e Marcelo. 

Ao nível regional, apanhei as tais 40 e muitas 'abadas', tantas quantas saiu vencedora a Direita, ou, vá lá, o Centro-direita. Vitórias de João, pois.

Há poucos dias, ao folhear uma colecção de cartoons com que o célebre António presenteou os leitores do Expresso em 1976, série de trabalhos com o título "Kafarnaum", reparei que o meu Amigo João, voluntária ou inocentemente, não está a ser original. Já naquele tempo, António meteu no seu semanário umas caricaturas de vedetas políticas coevas acompanhadas pela legenda "É preciso enDireitar isto".

Veja-se o boneco:

Kafarnaum, António, Expresso 1976. Em vésperas de Janeiro 2021, é tempo de pensar em corrigir o que alguns fizeram nalgum tempo.

Pois desta vez, antes que João volte à carga, pedindo-me ironicamente o voto para "enDireitar isto", antecipo-me sugerindo-lhe a ele que ajude a "esquerdar isto". Mais Direita, não!

Sei que é tempo perdido na Madeira. Ana Gomes vem cá e parece contar com alguns apoiantes. Mas de Esquerda? Ora, desde Paulo Martins que a Esquerda se extinguiu em definitivo cá na ilhota. 

Mesmo ao nível nacional, veja-se quem é que o PS apoia, se não o "direitinha" Marcelo! Soares, Zenha e tantos outros socialistas devem estar incomodados no Além, tanto como ainda hoje Manuel Alegre, Sampaio e outros que muito deram à Esquerda.

Sim, o voto em Ana Gomes pode não levar longe. A candidata enfrenta um adversário que conta quase 30 anos de campanha eleitoral demolidora - somando os tempos de antena do comentador TV em horário de domingo com este mandato em Belém, prenhe de sessões multi-diárias de beijos, abraços e selfies, agora com as máscaras do covid a disfarçar. 

Portanto, tarefa hercúlea espera a candidata. Derrotar o rival da sensaboria, sem piada nenhuma, que dá mais sono do que um valium 10, e mandar o avôzinho para o centro de dia e de noite, não é empreitada permitida pelos Portugueses, povo das meias tintas.

Ana Gomes e Ramos Horta fotografados por Rui Marote, em Macau (1999).

Conheci Ana Gomes pessoalmente em Março de 1999, quando de uma visita do então PR Jorge Sampaio a Macau. À época, Ana Gomes representava Portugal nas relações com a Indonésia de Suharto. Corria o intrincado processo da independência de Timor-Leste. No Hotel Mandarin, enquanto Rui Marote registava momentos de Ana Gomes com Sampaio e Ramos Horta (fazíamos reportagem para o DN), tentei obter declarações sobre o problema internacional que dessem boa manchete. Ana Gomes foi diplomata e, com a simpatia que utilizou com todos os jornalistas que a abordaram, fugiu a comentários que pudessem complicar mais a grave situação naquelas regiões do Globo. Disse que se encontrava em Macau e não em Jacarta, pelo que Timor não estava na agenda. E assim evitou responsavelmente quaisquer dissabores.

Eis que Ana Gomes se apresenta hoje como candidata a Belém. Podem dizer que esteve muitos anos no conforto de Bruxelas, confundindo-se com alguns oportunistas que por lá passaram. Por aqui, Madeira, trata-se de afastá-la da votação em Janeiro acusando-a sumariamente de inimiga do CINM. Acontece que Ana Gomes não tem perfil de oportunista. Se tivesse, procuraria nadar em águas que não o debate constante  e a aventura das Presidenciais. 

Se fosse calculista, jamais teria feito opções ligadas à candidatura muito pouco eleitoralistas - corajosas mas que podem ser fatais quando estamos a falar de votos.  

Quanto ao CINM, não se trata de assunto para tratar sumariamente. Faça-se o debate, com Ana presente.

Amigo João, o sentido do meu voto está encontrado. Provavelmente mais um voto para nada, mas é preciso sonhar. Tenho a certeza de que se o eleitorado acordasse a tempo de operar o milagre, permitiria à candidata arranjar solução para "endireitar isto". Não "enDireitar" para a Direita, mas "endireitar" finalmente "esquerdando" aquele Rectângulo e estes ilhéus azarados.

Uma nota final: esta indicação de sentido de voto é rigorosamente pessoal. Não compromete o Fénix, de modo nenhum, já que os nossos qualificados pensadores que aqui escrevem Opinião atravessam transversalmente o mapa político-partidário-ideológico da Região.