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terça-feira, 1 de dezembro de 2020


OPINIÃO


EMANUEL BENTO                                                                                  

   

       'LA PESTE', DE CAMUS,

NESTES LONGOS E DIFÍCEIS 

DIAS DE COVID

 



Mesmo já tendo passado há muito a fase existencialista, tão típica da juventude, em que, particularmente, prezava Camus, não tanto pelo L’Étranger, mas, sobretudo, pelo Le Mythe de Sisyphe, ainda para mais, a isso ajudava ser um mito tão citado e estudado em Cultura Clássica, Latim e Grego, estes tempos  de covid, tão estranhos e, simultaneamente, ansiosos e assustadores, em que vivemos, fazem-me voltar a este autor pela La Peste, romance que, confesso, muito então me custou a ler, tal e qual “A metamorfose, de Kafka”.

A história é aparentemente simples. Tanta é a sua simplicidade, que, de certa forma, se repete, 80 anos depois.

 

Uma cidade na Argélia, assolada por uma pandemia, sujeita a quarentena, com o sofrimento e a loucura da população, mas também a prova da abnegação, resistência, compaixão, desmesuradas, de que a humanidade é tão pródiga, pelo menos os que não abdicam da cooperação entre a espécie, já que foi, especialmente, isso, essa capacidade de resiliência, de entreajuda, de cuidar e proteger, de acreditar que os obstáculos podem ser vencidos, que nos fez evoluir e chegar aonde hoje estamos, em relação ao resto das espécies, ainda que não sejamos “Doutor Fausto”, mestres do mundo, com a Natureza, em submissão, como tanto gostamos de pensar. Disto mesmo, tivemos, neste ano, a prova, a medida da vida, a força do destino não é apenas a nossa. Antes de nós, já cá andavam os vírus, na Terra. Aliás, estes “bichos” têm desempenhado um papel fundamental na nossa evolução.

Na verdade, somos também muito vírus, dado haver estudos que defendem que 75% do nosso genoma são milhões de sequências de DNA de vírus antigos, muito mais antigos do que a vida complexa. 

Mas, tal como na obra de Camus, em que há quem queira fugir da cidade, no egoísmo do salve-se quem puder, quero lá saber dos outros, que se lixe o próximo, também hodiernamente, isto se repete. É, sem dúvida, algo similar o comportamento dos que andam, estupidamente, mergulhados em teorias da negação e conspiração sobre a pandemia, alimentando e amplificando as mais absurdas e idiotas ideias e inverosímeis factos, sobretudo nas redes, em que não se separa o trigo do joio; como igual e irresponsável são todos aqueles que não tomam as devidas precauções e juntam-se e dançam, em matilha, como se não houvesse amanhã enquanto os mais velhos, os mais frágeis e aqueles a quem o destino foi menos favorável, são infectados e vão morrendo, num exemplo claro que a nossa própria humanidade, o que sempre fez a diferença perante tudo o resto, tem-se esfumado bastante nestes dias pandémicos.

A estes todos também podemos juntar os que duvidam permanentemente da informação oficial e das autoridades de saúde e que sabem tudo sobre tudo, nomeadamente, que o apocalipse está perto, tais são os cenários negros de suspeição e de desgraça que traçam, que nem nas séries da Neflix, como tanto temos visto.

Isto para não falar dos que olham de soslaio e estigmatizam os profissionais de saúde, como se leprosos fossem, eles que diariamente correm riscos por todos nós.

Se é verdade, e é, que  La Peste, é, antes de mais, uma metáfora para que o espírito humano, para que a sociedade, resista às opressões, políticas (a luta contra o nazismo é ideia basilar no livro), mas também às pandemias, às desgraças colectivas que, de tempos a tempos, ressurgem para nos ensinar o que realmente conta, o que é deveras importante, então não o esqueçamos, tendo a certeza de que só o conseguimos conjuntamente; este não é um tempo de heróis individuais mas sim colectivos e todos o podemos ser, se não esquecermos quem somos, homens e mulheres que sabem cooperar para que o melhor de todos nós seja também o melhor do mundo em que vivemos.

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