REVOLUÇÃO DO TEMPO
Faz hoje 40 anos, ignorei as ordens para entrar de prevenção no CISMI, Tavira. Calculei que a notícia do golpe de estado com que me acordaram de madrugada fosse igual à do fracassado 16 de Março anterior. Em Março, todos pularam do colchão eufóricos. Por pouco tempo.
Em 25 de Abril, acabei por comparecer na parada, mas depois de mais umas voltas na cama, arriscando mais um escabeche trovejado pelo prepotente do major Pires.
Atrasado e molengão, percorri as ruelas desde a messe de oficiais até ao quartel a pensar em nada. Os furriéis que tomassem conta do pelotão, eu não tinha pressa para onde ia. Mas desta vez parecia mais a sério. Marchas marciais no rádio do barbeiro e um comunicado a falar com voz grave em nome de um Movimento das Forças Armadas. É que, para justificar aquela hora de 'desenfianço', ocorrera-me cortar o cabelo.
Dia longo, esse 25 de Abril de 1974. A unidade sem aderir às movimentações revolucionárias em todo o país, um comandante em silêncio, bravos instruendos a falhar o levantamento de rancho por uma 'unha negra', aspirantes e alferes milicianos, como eu, incapazes de extremar posições, e o grito de liberdade só pela meia-noite, na sala de oficiais, depois de Spínola, no centro da Junta de Salvação Nacional, falar ao país pela televisão e o comandante do Centro de Instrução de Tavira, muito seguro de si, a iludir: "Como se sabe, a nossa unidade aderiu ao movimento das Forças Armadas logo à primeira hora..."
Em breve, encavalitados nas janelas do CISMI, recebíamos o aplauso do povo apinhado na rua, "o povo está com o MFA".
Depois das carnificinas na faculdade, sob os cassetetes dos esbirros fascistas, depois das histórias de perseguições, prisões, tortura e censura, num país de bonifrates invertebrados, eis que uma revolução chegava num cravo enfiado no tapa-chamas da G-3.
Festejámos e festejámos. A liberdade tinha chegado a Portugal.
Mal podia adivinhar que me estava reservado passar os 40 anos seguintes à espera que aquela Revolução que vivi no sul do país arribasse à minha ilha. Nada. Nada. Na Madeira, tal aventura de Abril não tem conseguido mais do que humilhantes enxovalhos por alturas do aniversário. Precisamente com os beneficiários de Abril no papel de algozes.
Há uns cravos para chegar, não tarda nada. Pouco mais de meia dúzia de meses e estarão aí. Mas não vêm nas asas de uma vitória libertadora. Vêm porque sim. A verdade nua e crua é que, dentro de meio ano e pouco, não haverá por que comemorar a libertação.
Se quiserem chamar revolução a essa aurora que terá de vir, chamem-lhe revolução do tempo. Aqui, se há um vencedor, é o tempo.
4 comentários:
?????
Calisto não diz nada sobre a gestão danosa da Camara de Albuquerque? Tempo de antena ao Cafofo também é preciso?
Parede que vem aí mau tempo. Ponham as barbas de molho. Primeiro a Câmara, depois as sociedades de "desenvolvimento". O meio chefe está longe de estar liquidado.
Ordenados superiores a Secretário regional é uma vergonha. Esses gestores dependem de um Secretário Regional, logo não devem ter vencimentos superiores. Por outro lado , no atual momento de crise e numa Sociedade deficitária, essas remunerações são um escândalo. Quem as aprovou devia ser demitido por mau gestor de governo. Nenhuma administração privada faria isso.
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