O comandante Rui São Marcos, então imediato do cargueiro ‘Arraiolos’,
zarpou da Doca do Espanhol, no Tejo, às 6 da manhã de 25 de Abril de 1974. Sem
saber das movimentações militares ali perto, no Terreiro do Paço, fez um
disparo na sua máquina fotográfica e seguiu viagem, com uma estranha carga a
bordo.
ÚLTIMA FOTO DA 'PONTE SALAZAR'
E PRIMEIRA DA 'PONTE 25 DE ABRIL'
Em 24 de Abril de 1974, finalmente se conseguia carregar o cacilheiro a
bordo do ‘Arraiolos’, com destino a Bissau. Um cacilheiro com o nome curioso de
‘O Amanhã’.
Difícil azáfama no N/M ‘Arraiolos’, na Doca do Espanhol, em pleno Tejo, com
a peação daquela estranha carga. Trabalho moroso, já que eram largas toneladas
que tinham de navegar em segurança e acomodadas de maneira invulgar: ‘O
Amanhã’, içado para bordo, tinha de viajar atravessado no convés do ‘Arraiolos’,
com a proa suspensa de um lado e a popa no outro.
Tomada que foi a decisão da saída para as 6 horas da madrugada de 25 de
Abril, quem estava de serviço ficou pelo navio e o resto da tripulação foi a
terra jantar com a família.
Por volta da meia-noite, a tripulação começou a regressar a bordo. Conforme
previsto, o navio largou às 6 horas da Doca do Espanhol, com destino a Cabo
Verde e Guiné-Bissau, para uma viagem calculada em cerca de 3 semanas, ida e
volta.
A navegar, já com o Sol a levantar-se pela popa do navio, olhei para a
‘Ponte Salazar’ e achei curiosa a imagem que tinha pela frente. Fui ao camarote
buscar a retratadeira e disparei. Mal sabia que nesses momentos estavam a ser
dados passos que levariam à mudança de nome da ponte.
Depois da noite inteira acordado, a trabalhar, e porque só entrava de
serviço às 4 da tarde, avisei um marinheiro para me acordar a essa hora. Eu não
precisava de muito tempo de preparação para entrar de quarto.
Cerca das 3 horas, fui acordado com a novidade: tinha rebentado uma
revolução em Lisboa.
Incrédulo, respondi, grunhindo: “Pois, deve ser mesmo isso!!!”
Mas, quando cheguei à ponte do navio, lá estavam o comandante, o radiotelegrafista
e o marinheiro de serviço a ouvir as marchas militares que passavam na Emissora
Nacional. Afinal, algo de novo acontecia em Portugal.
Os dias foram correndo com a normalidade da vida a bordo. Cabo Verde.
Guiné. A descarga de ‘O Amanhã’, para navegar nos rios da então província
portuguesa. O recolhimento a bordo dos elementos mais ‘urgentes’ de uma nova
classe de portugueses que nascia, a dos ‘retornados’. Uma saltada inopinada
mais a sul, Angola, para embarcar carga de outros dos primeiros ‘retornados’.
Passadas não as 3 semanas previstas para a duração da viagem, mas sim 3
meses, lá estávamos de novo a passar no ‘Arraiolos’ por baixo de uma ponte que entretanto
mudara de nome: Ponte 25 de Abril.
‘O Amanhã’ velho ficara em África. ‘O Amanhã’ novo nascia em Portugal.
Rui São Marcos
Doca do Espanhol e a Ponte (Foto CARLOS PIRES, 'Olhares') |
Nota – Às 6 da manhã de 25 de Abril de 1974, momento em que foi obtida aquela que provavelmente é a última
fotografia da ‘Ponte Salazar’ e a primeira da mesma Ponte já com a democracia em marcha, tropas da Escola
Prática de Cavalaria de Santarém, comandadas por Salgueiro Maia, ocupavam o
Terreiro do Paço, ali tão perto.
Em 1974, o velho cargueiro da história pertencia à Companhia Nacional de Navegação (Luís Miguel Correia). |
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