Autárquicas na TV

Sobre o debate de ontem à noite: 

bis para todos, menos para Cafôfo

Como vimos a prestação dos candidatos,
um a um

O público pede um 'encore' quando gostou da actuação e quer mais. Ou então, como na piada: 'Bis-bis, vais cantar até aprenderes.'

No caso do programa de ontem na RTP-M sobre as eleições de 1 de Outubro no Funchal, o 'encore' quer dizer que o debate foi inconclusivo e muito pouco produtivo. O bis é uma necessidade de perceber alguma coisa das candidaturas. Perguntas estereotipadas, sem um avanço além do trivial que puxasse pelos candidatos e lhes descobrisse o que é que têm para além das receitas e despesas, do canil que vão mandar fazer, as suas ideias corriqueiras sobre a mobilidade, a reabilitação, o IMI, a derrama. A conversa de ontem foi uma aula maçadora sobre a 'revisão da matéria dada'. Nem sequer se falou na política de alianças pós-eleitorais, que serão fundamentais para o Funchal numa situação de não-maioria absoluta, bem possível. Se falaram, não apanhei.

Por isso, ouçam o nosso 'bis' e apresentem mais um número 'revisto e melhorado' para a gente perceber o que é que cada candidato tem lá dentro além das banalidades que disseram e que qualquer político de café conhece de cor e salteado. Gil Rosa tentou de vez em quando fugir ao implacável alinhamento, provocando quem estava a falar com uma pergunta 'diferente', mas sol de pouca dura. A ideia nova que pudesse estar a emergir esvaía-se nos cansados 'estamos a afastar-nos do tema' e 'o tempo é escasso'.

Um debate a seis pode tornar-se monótono ou então incontrolável, mas isso se não for preparado com argúcia político/jornalística a montante, na preparação do programa. Todos têm de responder aos mesmos assuntos, claro, mas nem todas as candidaturas se propõem atingir objectivos pelos mesmíssimos caminhos, porque se assim é, então a política transformou-se doentia e definitivamente no autocarro de que Eça falava. 

Da minha parte, vi os candidatos de ontem com os óculos seguintes:

Roberto Vieira

Não fugiu ao registo habitual. Falastrão, vozeirão, pouco profundo mas com uma virtude que nem todos possuem: fala no concreto para os outros perceberem. É prático. Ontem fez-se ouvir, dentro do habitual.

Raquel Coelho 

De desafio para desafio adita maturidade ao entusiasmo que, quando descontrolado, lhe provoca auto-atropelos. Os seus objectivos políticos obviamente não apontam para umas eleições autárquicas. No caso, o que vier é lucro no campo da valorização pessoal. A progressão de Raquel vai acelerada, consistente, a cores para contrastar com o cinzentismo habitual do que temos, e a médio prazo a política regional contará com o fenómeno já nas linhas da frente. Merece bis, para mais um pequeno passo adiante. 

Rui Barreto

Desprendeu-se um pouco da postura chata e aborrecida das direitas. Melhor do que os sermões nas acções políticas populares sem povo, na pré-campanha. Como se sabe, a sua carreira política, que prometia bastante, sofreu um acidente de percurso que o fez atrasar na carreira de político. O re-arranque continua doloroso. Mas ontem qualquer coisa brilhou, embora timidamente, no firmamento dos populares madeirenses. Pelo seguro, é melhor um bis, esclarecedor.

Gil Canha

Naturalmente, uma postura diferente: mais estadista do que a de há quatro anos, aquela que capitalizou o descontentamento geral em relação ao jardinismo então vigente. Nas autárquicas de 2013, os eleitores votaram na coligação 'Mudança' para contestar o establishment laranja e, já agora, para premiar quem representava um projecto de protesto que vingava havia um par de anos. Não há dúvidas sobre o que vou dizer, mas convém reforçar porque entretanto há quem tente virar o bico à História: os descontentes do Funchal, que eram a maioria, como se viu, votaram numa coligação porque lá estavam os operacionais do PND, que interpretavam o anti-jardinismo como num alegre espectáculo político, a que não faltava a popular figura do 'vilão esperto', o famoso 'Bexiga'. A votação não se destinou a Paulo Cafôfo, que ninguém conhecia de lado nenhum, a não ser Victor Freitas.

Ontem, Gil Canha, que entretanto divergiu da 'Mudança' adulterada por Cafôfo assim que tomou posse - ontem Gil Canha apresentou-se como candidato num patamar seguinte. Já não é candidato do protesto, mas de projecto. 

Não havendo dúvidas de que o antigo dirigente do PND é um defensor intransigente da genuinidade funchalense, pretende-se ver que ideias tem para salvar a capital da construção e de outros abusos desenfreados sem lhe tolher o progresso.

Gil Canha, à frente de uma equipa formada à base daquela que venceu as eleições em 2013, dinamiza uma linha política que, salvo melhor opinião, o Funchal não pode dispensar depois do 1.º de Outubro. Mas há um ponto fulcral que ontem pareceu alheio ao candidato: se a classe politizada funchalense de qualquer cor é capaz de lhe dar o voto, ele também precisa de levar a mensagem ao grosso do eleitorado. Também aqui há necessidade de um 'bis', para se perceber sobretudo este aspecto - decisivo.  

Rubina Leal

Sem dúvida que é a candidata melhor preparada, por força da experiência de dois mandatos com pelouro executivo bem movimentado na autarquia funchalense e no exercício de funções em instituições de contacto popular. Mas não parece. Ou melhor, o seu discurso não lembra isso às pessoas. As circunstâncias que rodearam a escolha de Rubina, o impasse, a tibieza de uma Direcção partidária ausente - esses factores como que ataram a candidata ao ponto de partida por um elástico que não a deixa avançar para uma embalagem de vitória. Para os social-democratas sinceros - cada vez menos - é como a noite de pesadelo de querer correr e não conseguir. Padece do mesmo mal de Rui Barreto: explosão fraca, sem impacto. 

Rubina Leal demorou a mostrar-se. E quando se mostrou não aconteceu nada. Foi mais uma candidatura, não a candidatura claramente capaz de reconquistar a câmara. Nem sequer por sua culpa. É o marasmo em que o PSD caiu, como se verá com mais nitidez quando estivermos mais próximos de 2019. Depois, a propaganda visual é o desastre que ninguém nega.

O debate de ontem. Rubina esteve ao seu nível pessoal: experiente, comunicadora, competente, humanamente hesitante em temas que um presidente de câmara geralmente descentraliza, humilde, simpática. Para ganhar uma guerra política é preciso mais, muito mais do que isso. Um 'encore' mais do que justificado.

Paulo Cafôfo

Desde que se meteu na cabeça que foi ele o vencedor em 2013, perdeu-se. Arrogante, narcisista a roçar o patológico, pantomineiro perigoso, aéreo, retórico forçado, de repente julgou-se com o mundo na mão. Tudo por causa de uma câmara provinciana, com cento e tal mil pessoas! Um presidente-recandidato que fala a cidadãos adultos e enrascados da vida como se estivesse a contar a Batalha do Salado a miúdos de 10 anos. Que, depois da leitura de algum livro sobre a arte de argumentar, aposta no argumento 'comparação', aliando a sua estapafúrdia polícia municipal à jurisprudência de haver 38 concelhos em Portugal que a têm, como se a gente não soubesse haver 270 concelhos que não têm a famigerada polícia municipal. Um aprendiz de político que se encara a si próprio como vedeta de uma casa de modas dirigida por uma agência de publicidade, gastando balúrdios do povo em LPM's e jornais. Que escorraçou aqueles a quem deveu a sua eleição. Que despreza os partidos que o apoiam, atingindo o ponto crítico relativamente à Direcção do PS-M, que não deixa aproximar num raio de 10 km. Que pratica uma desgovernação de plástico, desenhada por agências e comandada de Lisboa para cá. Uma lista de borradas que não cabem no Fénix. 

Desde que dispensou vereadores com o argumento de que eram contestados por grandes empresários, em vez de se solidarizar com eles, vereadores, ficou com o retrato tirado. 

Tudo seria diferente se Cafôfo percebesse que a política leva o seu tempo, que o caminho do político é longo. Não é para quem julga que aprende tudo na primeira hora. Tudo seria diferente, porque o Mayor não é nenhum incapaz. Tem até algumas características que ajudam muito na vida pública, uma das quais a facilidade de comunicação. Que ele tanto tem maltratado. Porque as agências o obrigam a mentir. E a rir a despropósito. 

Como deve estudar a arte de comunicar, Cafôfo sabe muito bem que se não estiver convencido do que está a dizer, não consegue convencer o auditório. Ou, na melhor das hipóteses, convence até ao momento em que será fatalmente apanhado.

Paulo Cafôfo vai perder as eleições? Ora, estive a falar chinês até aqui? Não sabem do que é que este interesseiro povo gosta? Não viram como foi durante 40 anos mais quatro?

E então? Bis para Cafôfo? Nem por isso. Está dispensado com distinção. Já vimos aquele filme que entrou em cartaz a meados de 2014 e estamos perfeitamente conversados. Mesmo assim... Será que o povo terá mais um lampejo, como em 2013?