Mais uma aberração ambiental

Gil Canha

O meu ex-colega do famoso “Colégio do Caroço” e ilustre amigo Miguel Teixeira escreveu no passado Domingo uma excelente carta do leitor sobre a intenção vandálica do Governo Regional de asfaltar a Estrada das Ginjas, em São Vicente. (Digo ilustre porque, além de descender do 1.º Capitão donatário de Machico, Tristão Vaz Teixeira, o seu pai, o Sr. Rufino Teixeira, como especialista em heráldica, foi o criador da bandeira da RAM, que depois Jardim mais o Bispo, num dia de inspiração apalhaçada, meteram a cruz vermelha da Ordem de Cristo ao centro, e o senhor Rufino, com muito humor, dizia: “transformaram a minha bandeira numa bandeira menstruada!”)

Lembro-me em rapaz de ver a figura esguia e ágil do Miguel Teixeira a andar com turistas pela serra fora, na altura considerada uma excentricidade, já que estava convencionado que os turistas vinham à Madeira somente para gozar o clima e o mar e não para andarem na serra, no meio das ovelhas e da feiteira. Aliás, além do Miguel, lembro-me também de ver o Vasco Loja nesses passeios meio excêntricos com turistas, embora fosse Miguel Teixeira o primeiro a criar na Madeira uma empresa exclusivamente dedicada a estas caminhadas na serra.

Deste modo, enquanto os atuais vândalos do betão/alcatrão ainda andavam na fase larval, metidos em calções de serventes de pedreiro ou engendrando as suas futuras milionárias carreiras políticas, o Miguel Teixeira já andava na serra, todo pimpão, a mostrar as nossas belezas naturais aos turistas.  Por isso, existem poucos como ele, com autoridade e conhecimento para falar da matéria.

Ora, em miúdo, quando acompanhava o meu pai na caça, lembro-me perfeitamente de percorrer o belíssimo caminho calcetado das Ginjas, e que depois, um espírito bárbaro, com um cérebro de tamanho dum grão-de-bico e com um caráter ao nível duma latrina, resolveu arrancar e destruir essa magnífica obra pétrea, e que vim agora a saber por Miguel Teixeira que era parte do famoso Caminho Real 28, que atravessava a ilha de sul a norte.

E quando temos uma ilha carregada de betão e infestada de construções de mau-gosto, e onde é cada vez mais raro percorrermos um caminho, sem levarmos com uma baforada de escape ou ouvirmos um ruído de motor (isto até é um paradoxo da minha parte, que adoro carros velhos) torna-se vital protegermos os poucos caminhos florestais que ainda nos restam e que nos convidam a fruir a natureza em silêncio e na contemplação das belas paisagens da nossa ilha, infelizmente governada por uma simpática tribo de selvagens apinocados de fato e gravata.

Quando em finais do ano passado fui a S. Vicente participar numa manifestação contra o asfaltamento da estrada das Ginjas, encontrei o dr. Mário Pereira, com um carro de campanha do CDS/Madeira, prestando apoio e solidariedade aos jovens ambientalistas contra aquela barbárie congeminada pelos matarruanos do costume. (Agora que o CDS também é governo, penso que vai lutar contra o asfaltamento deste caminho, como também irá mover esforços para criar na região a denominada RESERVA AGRÍCOLA, que tanto defenderam no Parlamento, já que a Madeira é a única região no país que não a tem. Se não o fizerem, vou chamar o CDS/Madeira, nos meus futuros artigos, de CDS - Partido da Elegante Canalhice).

Para terminar, relembro que o asfaltamento da Estrada do Fanal foi, como já previa, um dos maiores atentados ambientais da Madeira. Primeiro, porque a população da Ribeira da Janela perdeu uma importante fonte de rendimento, pois os turistas que descem a estrada já não param nos cafés/pastelarias da freguesia, como anteriormente, quando aguardavam nesses estabelecimentos pelos autocarros que os vinham buscar. Segundo, com a abertura da estrada, derrubaram-se tis centenários que cobriam em arco, com as suas verdejantes ramagens, o antigo caminho de terra batida. Terceiro, o núcleo de tis do Chão do Fanal, que resistiram aos fogos e à cruel serra durante séculos, estão a ser gentilmente devorados pelas vacas, apesar duns pequenos “bikinis” de arame que os serviços florestais meteram à volta deles (no passado, as vacas desciam aos palheiros no inverno, agora, com a boa acessibilidade, os donos deixam-nas lá permanentemente).  Quarta, o silêncio de ouro que havia desapareceu, o bulício provocado pelos carros e por grupos de domingueiros é uma constante e, quando se atrevem a dar uma pequena volta pelos relvados, ficam normalmente com o calçado conspurcado de bosta, são atormentados por enxames de moscas e ainda arriscam a levar para casa os parasitas que infestam a vacaria.