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sexta-feira, 25 de junho de 2021

 

 ESTÓRIAS 


JUVENAL XAVIER                                                                                  





ABRIR AS PALAVRAS  



Ler é abrir as palavras à espera de uma surpresa. Deve haver tantas palavras que nunca vi nem ouvi. E nem conto com as que não entendemos, e passamos por cima delas, quando pegamos num livro.  

Mia Couto ensina que a palavra "ler" vem do latim "legere" e queria dizer "escolher". Era isso que faziam os antigos romanos, quando, por exemplo, selecionavam entre os grãos de cereais. A raiz etimológica está bem patente no nosso termo “eleger”. Ora (e continua o escritor e biólogo moçambicano), o drama é que, hoje, estamos deixando de escolher. Estamos deixando de ler – no sentido da raiz da palavra. Para o galardoado com o Prémio Literário Internacional Neustadt (Nobel Americano), cada vez mais, somos escolhidos. Cada vez mais, somos objecto de apelos que nos convertem em números, em estatísticas de mercado. 

Chamou-me a atenção, não há muito, há um ano, talvez, o livro “Assim nasceu uma língua”, de Fernando Venâncio. “Um livro sobre palavras” que não segue a grafia do “famigerado” Acordo Ortográfico de 1990, “produto deficiente, visando o que sempre seria impossível alcançar: uma unificação ortográfica.” (Famigerado é um adjetivo com duas faces como o deus romano Jano: uma, tem fama; outra, tem má fama). Confesso que minissaia era mais sexy com hífen… 

Centra-se no português europeu esta investigação de um especialista em Linguística Geral, formado em Amesterdão, que pergunta: “As palavras existem?” Existem, sim, mas é com uma existência precária, artificial, baseada num exercício de abstração.” Florbela Espanca disse que elas “são como as cantigas: leva-as o vento.” E, outrossim, podem ser “os suspiros da alma”, segundo o filósofo e matemático grego Pitágoras que viveu 500 anos antes de Cristo. Quem não se recorda do seu Teorema? 

Curiosamente, tinha entre mãos “O Crime Do Padre Amaro” e, numa passagem, Eça de Queirós observa que “As palavras de Agostinho eram agora muito secas.” Secas no sentido de importunação ou de pessoa maçadora? Ou frias, insensíveis? 

Sim, às vezes, utilizamos mal as palavras. E magoamos. Há umas com alma; outras sem coração. Ainda, as que quebraram grades e, hoje, vivem em liberdade. Em Cálice (cale-se), de Chico Buarque, ouve-se “essa palavra presa na garganta.” 

Enfim, abre-se a palavra e ela, depressa, desabrocha como as flores da primavera: crisântemos, gerbérias, girassóis, jasmins, lírios, tulipas, violetas. 

2 comentários:

Unknown disse...

"Ler é abrir as palavras à espera de uma surpresa". Talvez advenha daí o seu poder, dessa sedução pelo inesperado que faz parte da natureza humana. Um texto que nos prende pela riqueza do discurso e das referências feitas.

Manuela_a_Lusa disse...

Dizia Mário Quintana que analfabeto é aquele que sabe ler e não lê.Hoje percebe-se que os jovens preferem a literatura inútil. O que é leitura inútil?