QUANDO A DEMAGOGIA IMPERA,
O POVO
DESESPERA
João Cristiano Loja
Há mais de 20 anos, ano após
anos, as vozes avisadas de quem conhece, estuda e trabalha no setor
vitivinícola, vêm avisando que é necessário reduzir a área afeta à produção
da uva tinta negra mole e incrementar a reconversão para outras castas,
nomeadamente as brancas com procura garantida no mercado para a produção do
Vinho Madeira.
Ano após ano, a comercialização em
litros de Vinho Madeira, ainda que com acréscimos em quantidade e valor, ficou
aquém das quantidades produzidas. O resultado foi a acumulação de stocks até ao
nível da insustentabilidade. Durante alguns anos, a recomposição das empresas
no mercado e o investimento feito em novas adegas e estruturas de armazenamento
permitiu que houvesse espaço para a aquisição das novas produções de uvas, como
foi o caso da empresa “Justino & Henriques” e as suas novas instalações na
Cancela. Hoje, porém, essa situação excecional findou.
Nos débeis setores na nossa
fraquíssima produção agrícola, qualquer problema, por insignificante que seja,
toma logo foros de grande catástrofe. Sofremos de problemas de escala a somar a
problemas de comercialização dos produtos, sobretudo os de exportação. Uma
tonelada a mais é um problema, uma tonelada a menos outro problema é. A
capacidade de reconversão é diminuta, dado o conservadorismo dos produtores;
qualquer mudança que se queira implementar depara-se sempre com a
multiplicidade de ínfimas parcelas agrícolas e com a diminuta experiência em
sistemas de cooperativismo mesmo que não institucionalizado.
Nestas circunstâncias a demagogia
política acaba sempre por falar mais alto do que a racionalidade económica e as
apostas na estruturação consolidada dos setores agrícolas viáveis esbarram
sempre nos interesses imediatos da próxima disputa eleitoral. Os agricultores
ficam confortáveis, abandonados à sua inércia e o Governo vai garantindo,
melhor ou pior conforme as folgas financeiras, o escoamento das produções,
nomeadamente o das uvas não compradas pelas casas fabricantes do Vinho Madeira.
Depois da Vindima promove-se um jantar onde todos os heróis recebem palmadas
nas costas e o Futuro é sempre risonho…
Quem quis intervir, com senso e
conhecimento no setor vitícola, tentando impor alguma disciplina e reconduzindo-o
às intervenções que eram razoáveis, foi diabolizado ou, mesmo, sumariamente
afastado (Bem haja, Eng.ª Paulo Rodrigues). A política do faz de conta que está
tudo bem foi esticada até ao limite.
Em 2017 a bronca finalmente
rebento. Ainda a Vindima ia a meio e as casas já tinham atingido o limite,
quanto à tinta negra mole. Para azar, tivemos um Verão quente e as uvas
amadureceram cedo! O Governo, sem meios financeiros para mais, viu-se obrigado,
na linha demagógica de garantir, como tinha garantido antes de iniciar a
Vindima, a oferecer um valor irrisório por cada quilo de uvas deixadas no
terreno.
É evidente que as uvas compradas
pelo Governo a 50 cêntimos nunca poderão ir para as casas produtoras de Vinho
Madeira. Se o fossem, estaríamos perante um gravíssimo atentado às regras do
mercado e um indescritível descaminho de dinheiros públicos, tudo levando
inexoravelmente à imediata destituição dos eventuais responsáveis.
As uvas assim adquiridas terão
como destino a destruição ou a destilação, sempre com elevado saldo deficitário
para o erário público. Por muito que possa estar solidário com os viticultores
de São Vicente e de Câmara de Lobos, não posso deixar de questionar porque
cargas de água é que os contribuintes terão de pagar a sua inércia, após décadas
de avisos de que estavam a produzir algo cuja procura no mercado seria
substancialmente reduzida nos próximos anos. É quase como o produtor de
aparelhos de telefax que teima em produzi-los após o advento do e-mail.
O cenário já era desolador q.b.,
com os viticultores ameaçando retaliações eleitorais e os responsáveis
políticos, rabo entre as pernas, à procura de soluções e respostas. Eis senão
quando, o edil de Câmara de Lobos saca da cartola um apoio extraordinário de 13
cêntimos por quilo aos viticultores desesperados. Ao dinheiro público já garantido,
por via dos compromissos anteriores, junta-se mais dinheiro público provindo da
cagança eleitoral. É claro que o edil de São Vicente não fará por menos, porque
também tem de contentar os seus fregueses. Tudo antes do 1º de Outubro próximo,
não vá o Diabo tecê-las!
Para o ano que vem – assim
estejamos nós por cá, vivos e com saúde – está fixado o padrão. Não muda nada:
o que a terra der de uvas e as casas não comprarem, entre Governo e Câmaras
haverá quem pague! E viva a demagogia!
9 comentários:
Muito bem.
Finalmente alguém que expressa que esta situação não é normal.
Porque havemos nos de pagar com os nossos impostos a produção em excesso.
Se a Fábrica de Santo António fizer bolos de mel a mais e não vender, iremos nos compra -lo?
E a Penha d'águia com os croissants?
Isto é uma vergonha.
Falta dinheiro nos hospitais e o governo gasta em quem produz mal e não sabe planear e fazer desbaste de produção.
Uma vergonha
Além do que existe em stock para deitar na ribeira, " ", pois não foi vendido a quem queria comprar e agora vai fora...
Nem mais!
Desde quando teremos nós, contribuintes, de pagar a quem produz sabendo de antemão que não vai vender as uvas? Haja Tenência!
Muito bem Dr Cristiano Loja.
Finalmente alguém esclarecido a falar deste assunto. Infelizmente julgo que este estado de coisas se manterá por mais algum tempo. Não há mesmo vontade nem coragem política para mudanças
Não sei qual é o espanto se vivemos numa terra de broquilhas e matarruanos? Enquanto não elegermos pessoas que acabem com os vícios do passado, nada muda nesta terrinha africana! Tudo como dantes quartel em Abrantes!
A culpa é de todos. Enquanto este desgoverno consegue inventar dinheiros para alimentar meia dúzia de produtores viciados e seguros de que terão sempre alguma compensação o hospital padece de faltas inexplicáveis.
Mais uma vez Humberto Vasconcelos é desmascarado.
Afinal não há plano estratégico para o Vinho Madeira.
A verdade sobre o excesso de produção da uva tinta mole prova a incompetência do secretário regional da agricultura e a sua inutilidade política.
Enviar um comentário