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domingo, 29 de abril de 2012

Estilhaços de Madeira

Carta aberta ao Bastonário Marinho Pinto

A JUSTIÇA-ESPECTÁCULO DENUNCIADA NUM ESPECTÁCULO DA JUSTIÇA





Escrevo-lhe estas linhas, Sr. Bastonário da Ordem do Advogados, abusando da confiança que fez o favor de me conceder nos finais da louca década madeirense de setentas. Muitos acontecimentos nesta Região cobrimos lado a lado, a ouvir discursos, de bloco e esferográfica nas mãos: o então jornalista Marinho Pinto pela ANOP e este seu admirador pelo DN e RDP. Muitos anos depois, reencontrámo-nos na redacção do DN-Madeira, quando veio ao Funchal em campanha pela sua candidatura à Ordem de que hoje é digno Bastonário.

A razão desta minha diligência nasceu do programa que vi sábado à noite na SIC denominado "Conversas Improváveis". Se o teor das afirmações produzidas pelo chefe da Madeira, na entretida cavaqueira a quatro, me soaram a 'prováveis', as do Dr. Marinho Pinto eram-me absolutamente 'improváveis'.

Na circunstância, o Sr. Bastonário insurgiu-se contra o cenário montado para as investigações que o DCIAP veio fazer à Madeira na semana finda. Tratou mesmo essa diligência do MP como "Justiça-espectáculo", causando natural júbilo no seu parceiro convidado, sua excelência o Dr. Jardim. Começara mesmo o Dr. Marinho por ironizar: "Então, os GNR's eram madeirenses ou eram de cá?"
Se me pedissem para prever o que seria dito nesse programa televisivo, eu pronunciar-me-ia pela 'improbabilidade' de o ver, Doutor Marinho, enveredar por esse posicionamento contrário à descoberta de supostas ilicitudes na governação insular, que está acusada de dívida oculta. Isso porque evidentemente sabe das ânsias na população ilhoa por acções da Justiça que ponham cobro ao clima de suspeição, compadrio e corrupção que se respira de há décadas para cá.



Ora aí está, não se deve dar "espectáculo" à conta de suspeições, diz o Sr. Bastonário Marinho Pinto, esquecendo aquilo que o jornalista Marinho Pinto percebeu quando, nos anos de 1979-80, assistia profissionalmente ao lançamento dos primeiros pilares de um sistema político-partidário-económico que ainda hoje mantém a Região Autónoma sob sequestro.
Julguei 'improvável', se não mesmo impossível, que o Dr. Marinho Pinto usasse os argumentos cansados, recorrentes, que os tubarões da Madeira Nova costumam aplicar quando confrontados com a instantaneidade inconcebível e assombrosa de muitas riquezas que emergiram nos círculos que rodeiam o Dr. Jardim. Fê-lo, evidentemente, de forma involuntária, ao declarar: fala-se da Madeira, mas no Continente faz-se a mesma coisa. "Aqui (Continente) houve gente a fazer fortunas, no desempenho de cargos políticos", sublinhou.
E pronto. Se na Madeira alguém matar dez, diz-se que no Continente mataram vinte, e portanto torna-se proibido voltar a falar da Madeira. Tudo absolvido sem maçadas. Como na anedota: "O quê, mulher? Azougaram quinze ovelhas ao vizinho? Então para que me arrelio com as minhas quatro que me azougaram a mim?"

Tem todo o direito o Dr. Marinho Pinto de presumir honestidade nos políticos que entender, como fez relativamente ao Dr. Jardim, nas "Conversas Improváveis". Piropos como outros. Interessou também ouvir a sua opinião sobre a sucessão na Madeira, por acaso favorável ao "excelente, inteligente, culto e moderno político" que vê no Dr. Miguel Albuquerque. Divertiu-nos ouvi-lo trocar ideias com o chefe da Madeira sobre a questão do transporte de eleitores em dias de ir às urnas. A 'conversa provável' do Dr. Jardim a explicar que as carrinhas do governo (e das câmaras e da Casa da Luz, salvo erro) vão buscar gente a casa para ir votar... como tentativa de combater a abstenção, em defesa do regime democrático. O programa teve momentos destes, de gozo e gargalhada. Se, dentro do próprio partido, aquele senhor aldraba datas de congressos e já prepara táctica para ganhar as próximas eleições internas, com o já noticiado controlo de entrada de militantes, quanto mais em eleições de âmbito geral!
Mas, pronto, era um "espectáculo" para dispor bem o público presente e depois os telespectadores.

Teve graça também, Dr. Marinho, o jeito de no programa se abordar a questão das reformas. O Dr. Jardim, corado quando falaram do tema, conseguiu porém desviá-lo para as costas do Estado, Estado que não tem o direito - disse ele - de cortar reformas a quem descontou a vida inteira. "Isso é inconstitucional, o Estado é o patrão que abusa de todos nós." Mas, bom discípulo do pacifista Gandhi que é, o também keynesiano chefe da Madeira não desenterra o machado de guerra nisso das reformas - até porque acumula vencimento com reforma. E assim se escamoteou aquele fundo da questão que era o de se saber isso mesmo: por que cargas de água o chefe das Angústias é excepção no País, recebendo esses dois balúrdios (mas, da nossa parte, que lhe façam bom proveito).

Já quando se falou de liberdade de imprensa na Madeira, fugiu-nos um pouco o sorriso dos lábios, Sr. Bastonário. Não pode ser o antigo jornalista competente com quem convivemos desconhecer o que se passa hoje na Madeira. Já chegam Cavaco Silva, Jaime Gama e tantos outros dignitários lusos a gabar a 'superior democracia' à moda de Jardim. Julgo ter sido no seu tempo de ANOP que o rei das Angústias decretou a proibição de incluir comunistas nos conselhos directivos das escolas da Madeira. Mais a propósito, o Doutor sabe muito bem como foram corridos da Madeira outros delegados da sua antiga agência de notícias, colegas seus. Claro que se lembra do Adalberto Rosa e do Hélder Guerra, que não atinaram com as ordens para despachar as notícias para Lisboa segundo o gosto do então emergente ditador da Madeira. E, faço-lhe justiça com todo o prazer, o jornalista Marinho Pinto, nos seus tempos de Madeira, também não foi nada dócil com o dito chefe da tribo.
Afirmou neste programa, inclusive, que as dificuldades dos jornalistas continuam na Madeira, por ter ouvido "queixas" da parte do jornalista Tolentino de Nóbrega, correspondente do 'Público'. De facto, as dificuldades são maiores do que se possa descrever. Mas, no caso, trabalhamos perto e convivemos em amizade há que décadas com Tolentino, e jamais lhe ouvimos uma queixa que fosse. Nem alguma vez ele puxa conversa para os dois carros que a Flama lhe destruiu para tentar inibi-lo
do jornalismo de excelência que desde os primórdios oferece aos leitores. Fica esta nota.
A propósito da informação na Madeira, disse ainda o Doutor no improvável programa que "só cede a pressões quem é pressionável". Eu acrescento: "...E só não cede a pressões quem tem hipótese de se transferir para Lisboa, com emprego e subsistência garantidos, e disposto a deixar a sua terra e a família."
Houve dias assim.

Voltando à Justiça-espectáculo, desconheço de que outra maneira poderiam decorrer as buscas e as inquirições no Funchal, para que houvesse discrição - aliás como o presidente regional queria. No Continente, processos como Casa Pia, Freeport, Apito Dourado e tantos outros não correram trâmites a coberto das câmaras. Os jornalistas tentam cumprir o dever de informar em todo o lado. E aqui podemos dizer que 'já chegámos à Madeira'.
Mas se a operação 'Cuba Livre' pode ser considerada um caso de "Justiça-espectáculo", então que dizer do espectáculo no Casino da Figueira, onde, perdoe-me a franqueza, o Bastonário da Ordem dos Advogados chama "barata tonta" a uma ministra da Justiça, arrancando aplausos delirantes à plateia? Não se trata de um simples espectáculo de TV, trata-se do Bastonário dos Advogados a falar de assuntos sérios em público, a dizer de uma ministra, sem direito a contraditório, que ela "não sabe o que faz". Que "dava para chefiar polícias". Isso além de lhe condenar o que considera como "acção nefasta na Justiça portuguesa", apoiada em certos gurus.
É também um certo "espectáculo da Justiça" o Bastonário evidenciar a sua estranheza pelo facto de a ministra tencionar "criminalizar a mentira" quando faz parte de um "governo de mentirosos". Arranca muitos aplausos.

A terminar, Sr. Bastonário, confesso as saudades das conversas que tivemos - e com as quais muito aprendi nos 'verdes anos' da minha carreira - à margem daquelas doidas e rurais inaugurações do Jardim, com espetada, vinho, bolo do caco, banda de música e foguetes. Mas hoje, raciocinando com realismo, folgo com a sua partida desta terra logo nessa altura. Se passasse a vida nesta terra, ser-lhe-ia muito mais inconveniente impor a frontalidade que o caracteriza hoje na sua intervenção profissional e social.
Até sempre

Luís Calisto






4 comentários:

Isabel Pitta disse...

Não podia estar mais de acordo com a análise deste suposto debate!!
Fiquei extramente desiludida com a postura do Dr.Marinho Pinto,pessoa que me habituei a respeitar pela sua frontalidade,e que nesta conversa,que mais parecia um encontro saudosista de velhos amigos,adoptou!
O tom ligeiro,superficial,o não querer entrar em confronto,foi francamente mau!!

Luís Calisto disse...

Depois dos elogios de Jaime Gama ao seu antigo inimigo Bokassa, nada me surpreende neste país.

Anónimo disse...

Esta carta aberta devia ser enviada ao bastonário pois foi realmente uma conversa improvável!

amsf

Fernando Vouga disse...

Caro Luís Calisto

Totalmente de acordo. Finalmente deu para perceber que Marinho Pinto já se chegou à gamela do poder. Venha ele donde vier.