Chamamos a atenção para o importantíssimo e esclarecedor artigo do Eng.º Danilo de Matos sobre o intrigante processo da Marina do Lugar de Baixo, ou, como diz o autor, esse "monumento à estupidez". É tempo de apurar responsabilidades daqueles que transformaram uma potencial "praia para o surf" numa "montanha de betão e destroços".
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MARINA DO LUGAR DE BAIXO
- ERROS E ASNEIRAS À VISTA
Trago aqui algumas reflexões e conclusões, em resultado de uma visita recente a este monumento à estupidez. Peço alguma paciência ao leitor, mas não é possível desmontar os erros que as fotografias escolhidas evidenciam sem recorrer, por vezes, a alguma linguagem técnica, embora simplificada. Devo, em primeiro lugar, confessar que sou engenheiro civil, mas não sou especialista em obras na orla costeira; contudo fiscalizei algumas.
Gostaria de chamar a atenção para os pontos abaixo:
1. Não se percebe a insistência, eu diria imposição, na escolha daquele local, perante os alertas e chamadas de atenção dos populares para as surpresas e tipo de ondas – “ondas de fundo”, extremamente violentas. Algumas pessoas chegaram a sugerir, segundo apurei, a deslocação do arranque do molhe mais para leste, cerca de 500m. Estes locais têm sempre uma história que se conta através da transmissão oral dos mais antigos e sobretudo dos pescadores. É preciso saber ouvir essas informações que são indispensáveis para conhecer a realidade em que trabalhamos e que devem ser tidas em conta pelos técnicos. Aprende-se isso na escola na disciplina de obras marítimas; onde isso não foi respeitado deu asneira e há, infelizmente, vários exemplos.
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2. Do ponto anterior decorre que o levantamento topográfico das batimétricas, isto é, dos fundos do mar, a fim de traçar o seu perfil, foi apenas executado, segundo apurei, até a cota -200 (200 metros de profundidade). Era manifestamente insuficiente para tirar conclusões sobre as questões levantadas e que já eram do domínio público – implantação da marina e amplitude, formação e períodos das ondas. Esta questão parece que foi subestimada, mas era fundamental para conhecer as características e os relevos dos fundos. Naquela situação, mandava a prudência um levantamento das batimétricas bastante mais extenso, nunca inferior aos 2000 m de profundidade, sobretudo na direcção da formação das tais ondas de fundo que “metiam medo”. Na última visita que fiz, o mar estava muito calmo, mas, de vez em quando, lá vinham 3 a 4 ondas seguidas (ver fotografia nº 11) com uma amplitude muito diferente; disseram-me que é quase sempre assim. Talvez esteja aqui um dos erros mais flagrantes, porque a altura das ondas, a formação, o avanço e a maneira como quebram e rebentam, indiciam, salvo melhor opinião, fenómenos para os quais tem de haver uma explicação científica. Por exemplo, o tão falado “canhão da Nazaré” só foi compreendido com o estudo das correntes e das batimétricas até os 5000 m. Aliás, por aquilo que as pessoas contam e se visiona nos vídeos disponíveis, é muito provável que o Lugar de Baixo tenha também o seu “canhão”, porque as grandes ondas concentram-se precisamente no sítio onde a marina foi construída. Era preciso, na ausência de informação técnica suficiente, parar para pensar. Sim, mas, e depois as eleições? – “sem inaugurações não se ganham eleições”, diz o chefe…O local foi mesmo imposto pelo GR.
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3. A outra questão prévia à elaboração do projecto e que condiciona o seu avanço, está em saber as características da chamada “ onda de projecto”, o modelo de cálculo vai depender dessa informação; tudo vai depender da altura das ondas e da energia que elas exercem sobre os obstáculos que se interpõem no seu caminho, no caso, o molhe e a muralha de proteção (as marinas, para serem certificadas, não podem ter uma ondulação no interior superior a 30 cm). O que eu sei é que, nos mares do Lugar de Baixo, não existia nenhum ondógrafo. A “onda de projecto” ou foi estimada ou foi transposta dos registos do ondógrafo da Baía do Funchal, que era o único nessa época, embora hoje já existam no Caniçal, Porto Moniz e Porto Santo, mas já devia ter sido colocado um no Lugar de Baixo, que ajudaria a perceber melhor estes fenómenos. Os registos estatísticos no Funchal apontam para uma onda de projecto de 9,0 metros. Para além disso, não chega dizer que as vagas são de oeste ou sudoeste, é preciso saber com algum rigor a direcção exacta mais solicitada em termos estruturais, até para traçado e orientação do molhe. Ora o local onde foi implantada a marina é muito singular, nele focalizam-se as grandes ondas, se nos deslocarmos 1000metros para oeste ou para leste, a situação já é diferente, principalmente porque os fundos também são.
Sou levado a concluir que o projecto avançou sem os estudos prévios que se imponham. Nem o estudo de impacte ambiental foi feito como manda a Lei.
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4. Por isso, o modelo de cálculo reflete, a meu ver, este cenário. Não se percebe, por exemplo, porque se dispensou a aplicação de um prisma de tetrápodes ou antifers no exterior do molhe para dissipação da energia das ondas incidentes, como é normal, para minimizar as solicitações a que a estrutura vai ser submetida, tanto nos caixões como na muralha de pretecção. De resto, foi isso que recomendou a empresa holandesa, a Deltares, em parecer pedido pela Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste em 2005, isto é, um ano a seguir à inauguração e após do primeiro temporal que provocou vários rombos na muralha de protecção. Acrescente-se que esse Parecer nunca foi tornado público; também, diga-se de passagem, já veio tarde e não iria resolver um problema sem solução. Recorda-se que, nessa altura, apareceram várias críticas a alertar, novamente, para os erros que o temporal pôs à vista de todos. A resposta surgiu pela boca de Jardim que ameaçou “investigar o cumprimento fiscal dos críticos para verificar a legitimidade destes em criticar”…
Os projectistas escolheram um modelo de cálculo que incorpora os elementos para dissipação da energia na própria estrutura de protecção, como se pode ver nas fotos nº 8 e 9. É um elemento em betão armado, encastrado numa laje sobre a camada de selagem dos caixões, de secção trapezoidal, com 1,50 m de altura, 1,10 m de base maior e 0,70 m base menor, afastado da muralha de protecção, que está também encastrada na mesma laje, por uma espécie de vala, com 4,0m de largura. Ora, parece-me que este modelo, em vez de dissipar a energia minimizando as solicitações sobre a estrutura, que é o que se pretende, vai é majorá-las, pela turbulência, impacto e reflexo que exerce. Para perceber melhor, recomendo o visionamento dos vídeos que estão na internet sobre os temporais de 2005, 2006, 2009, 2010 e 2013. Neste modelo, a muralha de protecção tem também uma secção trapezoidal, com 4,0 m de altura e 1,10 x 0,70 m nas bases, é em betão armado, está encastrada na laje pelo que funciona à flexão. Devo dizer que é a muralha mais esbelta que vi até hoje, o leitor pode comparar com a do nosso porto (Pontinha, no Funchal), que é um bom exemplo e tem uma cortina de dissipação bem construída.
Acontece que o famigerado elemento de dissipação tinha de partir, e partiu-se ao longo dos últimos 340 m de molhe e, como era de esperar, a muralha de protecção tem vindo a acompanhá-lo; já vai em 130 m, o resto é uma questão de tempo. Os caixões também dão sinais de assentamentos e deslocações, e as subpressões exercidas pela água manifestam-se, ver fotos nº 14 e 15. Este modelo de cálculo foi um falhanço completo, mas a verdade é que, mesmo com outro cientificamente mais elaborado, os custos seriam maiores e as vagas galgariam sempre as protecções e tornariam a marina inoperacional. O problema básico está no local imposto. Não se pode brincar com o mar.
5. Há ainda uma questão que tem de ser colocada - uma entidade pública não pode aprovar e colocar a concurso um projecto desta envergadura e dificuldade técnica sem estar segura, através de pareceres científicos, que o pode fazer. O próprio aeroporto da Madeira, com um projecto do Mestre, Prof. Edgar Cardoso, foi submetido, previamente, a parecer do Conselho Superior de Obras Públicas.
O que é ainda mais lamentável é que o GR ignora tudo isto, não quer apurar responsabilidade e insiste na salvação de um cadáver. Logo a seguir ao temporal marítimo de Fevereiro de 2010, desencadeia uma operação gigantesca, que foi inscrita na Lei de Meios, Lei criada para apoio aos prejuízos materiais e humanos do tragédia do dia 20, mas que foi usada para a colocação do enrocamento e cortina de antifers, com cerca de 45 toneladas cada, num total de mais de 700 unidades em várias fiadas, como documentam as fotografias. Os custos ascenderam a muitos milhões de euros. Uma solução “à bruta” sem qualquer fundamento técnico, que abrange a zona do terrapleno e os primeiros 200 m de molhe. O temporal de Março de 2013 provou a sua ineficácia e o desperdício do dinheiro abusivamente utilizado.
Finalmente o GR, no passado 24 de Junho, decidiu transformar “o espaço denominado de “marina do Lugar de Baixo” num centro de recreio para a população…”. Repare-se na subtileza: um espaço denominado marina… já não assume aquilo que sempre lhe chamou. Mas vai continuar a enterrar mais alguns milhões de euros.
Agora que os erros e as asneiras estão à vista de todos, é altura para uma comissão tecnicamente independente “entrar em campo” para podermos exigir as responsabilidades que o povo reclama.
Aquilo que podia ser uma excelente praia para o surf, vai ser transformada numa montanha de betão e destroços!
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5 comentários:
E a procissão ainda vai no adro. Hoje, as tais "vagas de fundo" estavam a fazer-se sentir com particular violência nesta obra, para gáudio de alguns curiosos e verdadeira tristeza e revolta para todos os ilhéus pagadores de impostos que financiaram este aborto arquitectónico.
daqui a uns tempos isso serve para contar aos nossos netos,.........era uma vez uma marina localizada no Lugar de Baixo - Ponta do sol que custou mais de 100 milhões de euros a Região.....
Obra do PPD, o PPD obrou.
não foi do ppd...foi de 1 cabeça pensadora...1 só....
O eixo compreendido entre o Lugar de Baixo e a baia da Ponta do Sol é de substrato rochoso nas batimetrias de -20 a -500 aprox.. Esta é uma situação única no litoral da ilha da Madeira, constituido essencialmente por areias. Ora, do ponto de vista físico a energia de uma corrente marítima em vez de se dissipar pelo fundo marinho ganha mais energia e 'corre' em direção da orla. Aqui está o grande erro do estudo técnico.
Especialista
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