Apresentamos com os cumprimentos da ordem um artigo de Tolentino de Nóbrega no Público de hoje sobre a curiosa saga 'O Deve e o Haver', recurso inventado por chefe Jardim para justificar com números do passado as finanças esburacadas que ele mesmo cavou nestes 40 anos. A esse artigo segue-se o editorial daquele jornal, também de hoje.
Madeira gasta mais de meio milhão
em ajuste de contas com o Estado
O governo da Madeira vai gastar mais de 550 mil euros com um estudo, encomendado por Alberto João Jardim em 2002 e que é apresentado esta sexta-feira em Lisboa, com o objectivo de contrariar “a ideia de despesismo que se associa a esta Região Autónoma”.
O projecto de investigação de investigação sobre o “Deve e Haver das Finanças da Madeira (séculos XV a XXI)” foi encomendado por Jardim, primeiro em 2002 e depois por despacho de 26 de Maio de 2010. O historiador Alberto Vieira foi nomeado responsável pela coordenação do projecto de investigação a desenvolver pelo Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA), instituto de que era director e entretanto extinto no âmbito dos cortes de “gorduras” na administração regional, determinados pelo Programa de Ajustamento Económico e Financeiro madeirense.
No entanto, as linhas gerais e conclusões do estudo – que será apresentado por Jardim na “Representação Permanente da Madeira em Lisboa/Casa da Madeira”, nas proximidades de representações diplomáticas localizadas no Restelo – foram antecipadas por Alberto Vieira no congresso do PSD-Madeira, a 24 de Março de 2000, em que interveio como orador convidado. O historiador já então concluía que a Madeira pode ser "auto-suficiente em relação o Estado português".
A resolução de 2010 que confirma Vieira como coordenador da investigação aponta para encargos totais estimados em 552 mil euros. Mas prevê também o destacamento dos professores e autorização dos estágios profissionais dos licenciados considerados necessários à concretização deste projecto, sem que estejam contabilizados os custos relativos ao destacamento, nem dos recursos humanos e técnicos disponibilizados por outros organismos, como o Arquivo Regional da Madeira, que compilou e digitalizou grande parte da documentação que compõem as 13 mil páginas dos 10 volumes do estudo.
O Plano e Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da Madeira (PIDDAR) dá conta que a execução financeira relativa à rubrica “Deve e Haver”, inscrita na Secretaria Regional da Cultura, atingiu os 284 mil euros até 2013. Nesse mesmo ano o governo inscreveu um total de 117 mil euros na mesma rubrica, incluindo 99,8 mil euros de financiamento comunitário, através do programa Intervir+, e 17,6 mil do orçamento regional.
Na programação do investimento para 2014, o PIDDAR atribui os mesmos valores a este projecto, para o qual Jardim tinha inicialmente nomeado, pelo despacho de 2002, uma comissão que integrava, para além de Alberto Vieira, os deputados do PSD Sílvio Santos e Jaime Filipe Ramos, bem como os directores regionais do Orçamento e das Finanças, João Machado e Rui Gonçalves. Tinham também por objectivo investigar “O Deve e o Haver - As Finanças Públicas e Privadas na História da Madeira”.
Segundo o historiador Alberto Vieira, autor da “História da Madeira” que lhe foi igualmente encomendada pelo governo regional, "somos nós que recorremos ao Velho Continente a reivindicar a cobrança dos 'empréstimos', mas no passado a coroa recorria às receitas madeirenses para colmatar o incessante défice das finanças públicas".
Na estimativa do historiador, nos "500 anos de domínio continental e de controlo absoluto das receitas fiscais produzidas na região", o Estado investiu na ilha "apenas um quarto da receita arrecadada na Madeira". E, apresentando um saldo favorável à Madeira de “10,5 de biliões de contos, entre 1450 e 1974”, conclui que “o Estado sugador da riqueza da ilha nunca foi uma ilusão”.
A apresentação do estudo em Lisboa, coincidente com a negociação de um empréstimo de 950 milhões de euros para fazer face a prementes necessidades de tesouraria, faz parte de uma nova “ofensiva” da Madeira, em que se inclui a entrega pelos deputados madeirenses do PSD do projecto de revisão constitucional, aprovado pela Assembleia da Madeira há um ano, no plenário de 23 de Maio de 2013, com os votos a favor do PSD e a abstenção do CDS/PP e PS.
O estudo “Deve e Haver” tem servido para Jardim, em momentos de maiores dificuldades financeiras, argumentar que a dívida regional deve ser vista numa perspectiva histórica e que o Continente só está a pagar agora o que muito recebeu. Num discurso proferido a 21 de Agosto de 2008, o governante insurgiu-se contra os "500 anos de extorsão e roubo" por parte de Lisboa, proclamando que, “se o povo madeirense um dia quiser a independência, o meu lugar é ao lado do povo".
Editorial do Público
Gastar meio milhão para fazer statement
Alberto João Jardim fez uma grande despesa para dizer que não é despesista.
O caso é no mínimo caricato. Não é de hoje que presidente do Governo Regional da Madeira acusa os governantes do continente de colocarem um garrote nas contas públicas da ilha, recusando ainda todas as acusações daqueles que dizem que a sua governação tem sido despesista. E qual é a melhor maneira de Jardim responder a essas acusações? Nada mais, nada menos do que gastar meio milhão de euros para patrocinar um estudo para mostrar que a Madeira “não é despesista”. É preciso notar que aos 552 mil euros que custou o estudo acresce ainda custos relativos ao destacamento de docentes e ainda recursos humanos e técnicos disponibilizados por outros organismos, nomeadamente o Arquivo Regional, que compilou e digitalizou grande parte da documentação que compõem as 13 mil páginas dos dez volumes do estudo.
O estudo é ainda mais caricato porque analisa o “deve e o haver” entre o que a Madeira dá e recebe do continente desde 1450 para concluir que o Estado investiu na ilha “apenas um quarto da receita arrecadada na Madeira". Quem está a ser alvo de um programa de resgate e quem terá omitido dívida para não ser penalizado no “deve e haver” de transferências com o continente deveria talvez centrar o estudo nos anos de governação mais recentes e não ter de recuar ao século XV para provar um statement.
Este estudo é sinal de um presidente que está a perder popularidade e que radicaliza o discurso para não perder apoio doméstico. E é um sintoma de que Jardim continua de candeias às avessas com o Governo. Aliás, a apresentação de propostas para alterar a Constituição por parte de deputados sociais-democratas da Madeira, que foram prontamente rejeitadas pela direcção do PSD nacional, é mais um sinal de isolamento.
8 comentários:
REVISIONISMO HISTÓRICO É CRIME!
HISTORIADORES REVISIONISTAS SÃO CRIMINOSOS!
A HISTÓRIA NÃO SE REESCREVE POR ENCOMENDA DE POLÍTICOS CRIMINOSOS!
A HISTÓRIA NÃO OS ABSOLVERÁ!
JAMAIS!
...SE ISTO NÃO É GOZAR COM O POVO, SERÁ O QUÊ?
Luís Oliveira
Luís Oliveira o estudo é de uma vasta equipa de investigadores sérios reconhecidos internacionalmente. Lembro ao senhor Luís que não se exalte. Com coisas tontas, como as que escreve.
Você é aquilo a que se chama de GTTM.
São 550 mil Euros bem gastos, para uma Obra científica que acompanhará a História da Madeira.
Comparado com os milhões gastos na Metrópole em projectos - o TGV chega como exemplo - para mandar para o lixo, é muito bem empregue.
"550 mil Euros bem gastos" ?
A sério ? Não vê outras despesas mais prementes ?
Acabei de ouvir a entrevista ao estoriador mor do regime e apetece-me perguntar se não haverá uma alma caridosa que lhe encomende um estudo sobre as relações económicas das várias regiões portugueses com o Estado (Monarquia, Monarquia Constitucional, República, Estado Novo, etc) para que ele perceba que é assim também com as outras regiões! Se ele estender esse estudo as outros países vai constatar o mesmo.
amsf
Segundo as explicações (ingénuas?!) do nossos estoriador o período de maior espoliação terá sido feito quando a Madeira era propriedade do Infante D. Henrique (faleceu em 1460).
Quem fica mal neste estudo é o Miguel Albuquerque que por ser monárquico é cúmplice desta exploração!
Entretanto temos que apear a estátua do Infante D. Henrique que fica na rotunda do Infante e naturalmente rebatizar essa via. Sugiro o nome de Alberto Vieira...
amsf
Caro amsf
Subscrevo na íntegra.
Só acho que será punição excessiva retirar o Infante da sua posição preferida: de costas para o exótico Parque de Santa Catarina.
Uma nota breve de alguém que contactou de perto com algumas pessoas envolvidas no estudo...
Em primeiro lugar, ao contrário do sugerido num post, a equipa que trabalhou neste projecto não é constituída por investigadores reconhecidos internacionalmente. O Alberto Vieira é um historiador sem créditos a nível nacional quanto mais internacionais. Quantos artigos científicos peer-review é que publicou ou quantas citações possui em artigos científicos? Usem o Google Scholar Citations e a conclusão é óbvia.
Quanto aos investigadores que passaram pelo projecto, tratam-se de pessoas muito competentes e esforçadas.
Porém, do que vale o esforço e dedicação de uma equipa de investigadores quando as conclusões do estudo já estariam escritas ainda antes do início do mesmo? Ao que parece, algumas das conclusões reais do estudo foram apagadas ou alteradas pelo coordenador do mesmo, de modo a dar lugar às conclusões que interessam ao regime...
Este estudo é tudo menos ciência...
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