O Serviço Regional de
Saúde
está enfermo
mas teve alta certificada
Vitorino Seixas
Nos últimos
anos têm sido publicadas notícias, com uma frequência inusitada, que em nada
abonam a favor da qualidade do Serviço Regional de Saúde (SRS). Para termos uma
ideia, eis algumas das primeiras páginas publicadas pelo Diário de Notícias da
Madeira nos últimos meses: “Doentes retirados das listas de espera”, “Avarias
nas ressonâncias perturbam serviços”, “Salas de cirurgia em que chove e “obras
aloucadas” na Saúde”, “Degradação dos Marmeleiros compromete qualidade”, “Nova
convulsão na Saúde”, “Parecer arrasador” e “Fraude ensombra Saúde”.
Neste contexto
desolador, foi com incredulidade que li a notícia da Acreditação de Nível Bom
de 10 unidades do SESARAM (4 Centros de Saúde e 6 Serviços do Hospital
Central), onde se afirmava que era “a prova cabal de que os nossos serviços de
saúde são de qualidade e de confiança” ¹.
Mas, “nem
tudo o que luz é ouro”. Senão vejamos. Basta uma leitura rápida do “Manual de
Acreditação de Unidades de Saúde” ², para constatarmos que a Acreditação de
Nível Bom corresponde aos padrões de referência do Grupo I, ou seja, ao
primeiro nível de certificação, pois o manual define mais 2 níveis de
certificação: Acreditação de Nível Ótimo e Acreditação de Nível Excelente. Mas,
o mais estranho, é que nenhum
dos 69 padrões de referência do primeiro nível de certificação permite resolver
os problemas mais prementes da saúde regional: listas de
espera, recuperação de cirurgias, cirurgia de ambulatório, consultas nos
centros de saúde, contratação de médicos, serviços sem idoneidade formativa
para formar médicos internos, medicina nuclear e urgência de saúde mental.
Do mesmo modo,
também não há qualquer padrão de referência relativo à garantia da qualidade
dos cuidados de saúde prestados. Assim, atribuir a “Acreditação de Nível Bom”,
por exemplo a um Centro de Saúde, é o mesmo que atribuir uma estrela Michelin a
um restaurante mediante a verificação de padrões de referência relativos ao
atendimento ao cliente, à organização do restaurante, aos processos, à formação
dos profissionais do restaurante e aos resultados, sem ter em consideração
quaisquer padrões de referência para aferir a qualidade do que é a essência do
serviço de restauração: a confeção dos pratos servidos aos clientes.
Em síntese, o modelo de certificação de
qualidade “fast-food” da Agencia de Calidad Sanitaria de
Andalucía (ACSA) ³ é uma fraude intelectual que visa a
MacDonaldização da saúde regional. É uma fraude
intelectual porque os modelos de qualidade são “mapas intelectuais da
realidade” que geram grandes proveitos para quem cria os modelos, neste
caso a ACSA, mas que geram poucos ou nenhuns benefícios para quem compra e
implementa os modelos de qualidade. Por exemplo, o
SESARAM teve serviços e centros de saúde certificados, em 2011, pelo modelo de
qualidade da Casper Healthcare Knowledge Systems (CHKS), o que não
impediu que, nessa altura, tivesse sido objeto de fortes críticas à qualidade
dos seus serviços. Eis uma prova cabal de que os benefícios da certificação
foram, na prática, quase nulos, servindo apenas para fazer propaganda política
com o objetivo de calar os críticos.
No entanto,
outra coisa não seria de esperar. Na saúde, o modelo é vendido como a solução
para garantir a qualidade de serviços altamente especializados, em que cada
doente é uma “realidade única”. Mas, se os serviços são “únicos”, ou seja, à
medida de cada doente, como é possível acreditar que o manual de acreditação de
qualidade contemple tal diversidade? Mas, o mais grave, é que os criadores dos
modelos de qualidade “fast-food” se esquecem que “os modelos são como os
medicamentos potencialmente úteis, mas com efeitos secundários aleatórios de
extrema gravidade” ⁴. No entanto, o modelo de qualidade da ACSA não refere
nenhumas contraindicações nem efeitos secundários, um dos quais é “matar o
pensamento e a crítica”, pois o que é premiado é seguir o manual de qualidade.
Mais, aqueles que querem inovar são fortemente desencorajados pelos próprios
pares e pelos superiores hierárquicos.
Não deixa de
ser curioso que, na sua tomada de posse, o novo presidente do Conselho
Distrital da Ordem dos Médicos não se tenha coibido de alertar que “apesar dos
“tão falados certificados de qualidade” o sistema está “enfermo e incapaz de
atender às solicitações” ⁵.
Este alerta
fez-me lembrar do caso das pessoas saudáveis que estão dispostas a pagar o que
for preciso para terem um atestado médico que as declare doentes. Ao
contrário, o SRS está enfermo, mas a ACSA emitiu um certificado
atestando que a sua saúde é de “Nível BOM”.
PS:
“Iniciamos, com sucesso, a certificação das nossas unidades e serviços de
saúde” ¹. Em abono da verdade, segundo o SESARAM ⁶, a certificação ACSA teve
início em junho de 2013 com a promessa de que, dentro de um ano, as unidades e
centros de saúde estariam acreditados.
¹ “Continuamos a cumprir”
https://www.dgs.pt/departamento-da-qualidade-na-saude/documentos/manual-de-acreditacao-pdf-pdf2.aspx
³ “Agencia de
Calidad Sanitaria de Andalucía (ACSA)”
⁴ Nassim Nicholas
Taleb
⁵ “Ordem pede
incentivos para atrair médicos”
⁶ “SESARAM volta a apostar na
acreditação”
7 comentários:
Andamos a ser governados para a fotografia e não é só na área da saúde. Só embarca na cantiga quem não conhece como eram atribuídos determinados prémios de gestão a certos grupos, hoje falidos e comprovadamente geridos danosamente, alguns deixando pesada herança ao "contribuinte"...
Mas é melhor ir batendo em Trump, ao menos desviamos a atenção...
Ahahahahah finalmente um que percebeu a marosca lolll e não sabe da missa a metade e esqueceram de dizer que são 50 e tal serviços isto na saúde só não está melhor porque não há mais jornais para subornar loll aliás ha dias o sr presidente fazia crer que tinha feito a obra da cirurgia de ambulatório é enganar o pagode a descarada aliás se não fossem os restos que jardinismo deixou p se estes se pavonearem e queria ver o que tinham para mostrar ZERO e ainda aqui vamos coitado do Ramos metido c esta gente mas acho que já entrou no esquema da propaganda dizem que faz umas festas lá por baixo e melhor não adoecer
Pedro Ramos vendeu-se e devia era ter vergonha de ter alinhado nesta palhaçada toda mas o homem é vaidoso lá isso é, por isso tá como quer.
A ameaça no congresso aos blogues e aos comentários aos blogues está a fazer efeito tanto silêncio...
E esses 10 serviços só foram certificados com "evidências" feitas em cima do joelho... senão, nem esses eram certificados!
Mais uma vez estes tipos sem vergonha esquecem que foi um processo iniciado no tempo do MF na era renovadinha da saúde e um zero vezes zero para amostra tem o cartão do doente raro e o livro do elogio e um fenómeno na gestão da saúde nunca visto ah povo enganado
Nenhum regime nesta ilha mete medo, nem congressos, nem a linguagem agressiva!! O carnaval terminou e tudo voltara a ser como era anteriormente. Medo destes politicos que valem zero e nada fazem, nunca.
Enviar um comentário