A geração mais
qualificada:
nem tudo o que luz é ouro
Vitorino
Seixas
“O ministro da Economia disse que o "esforço
agora" é o de conseguir que "a geração mais qualificada de
sempre" possa ter oportunidades em Portugal”¹. Na mesma linha, o
secretário de Estado da Educação disse que “hoje muitos dizem que olham para os
jovens como a geração mais qualificada de sempre”².
Estas duas frases, proferidas por políticos com grandes responsabilidades
governativas na economia e na educação, transmitem a ideia de que os jovens são a geração mais bem
preparada para o mercado de trabalho.
Contudo, basta ler o estudo “Education to Employment:
Getting Europe’s Youth into Work”³,
publicado pela Mckinsey & Company, para descobrirmos que a ideia que nos
transmitem não corresponde à realidade do mercado de trabalho em Portugal.
Senão vejamos. Apesar do elevado crescimento da
população jovem com nível de qualificação 6 e 7 (licenciatura e mestrado) do
Quadro Nacional de Qualificações, “33% dos empregadores afirmam que a falta de
competências é o principal motivo para não preencherem as suas vagas ao nível
de entrada”³, ou seja, mais de 3 em cada 10 vagas
não são ocupadas porque não há suficientes candidatos com as competências
adequadas para as preencher. Além deste grave problema, que afeta especialmente
as pequenas empresas, há mais dois problemas: “apenas 35% dos empregadores
afirmam que os alunos/recém-contratados estavam adequadamente preparados”³ e “apenas
46% acreditam que haja graduados suficientes nos programas de educação/formação
pertinentes”³. Em síntese, os
jovens estão a adquirir competências que as empresas não precisam e os
programas de educação/formação pertinentes são insuficientes para responder às
necessidades das empresas. Como tal, não surpreende que “a insatisfação dos
empregadores com o nível de experiência prática dos jovens portugueses seja a
segunda mais elevada, depois da Itália”³.
Curiosamente, a insatisfação dos empregadores é compartilhada
pelos alunos, pois apenas “47% concorda que está devidamente preparado para as
vagas ao nível de entrada”³. Mais, somente
“47% dos jovens acredita que a sua educação pós-secundária aumentou as
oportunidades de conseguir um emprego”³, o que contraria a verdade universal “investir na educação compensa”.
Mas, a insatisfação também é compartilhada pelos jovens que conseguiram
emprego, pois “40 por cento dos jovens que estão trabalhando, estão num emprego
temporário que vêm como um intervalo de paragem até encontrar um emprego mais
adequado”³. Outro fator de grande
insatisfação dos jovens é o problema
da hiperqualificação: 42% dos jovens
que frequentaram um curso superior de 4 anos estão em trabalhos que não exigem
essa qualificação.
No entanto, paradoxalmente, “74% das instituições
de ensino acredita que está a preparar adequadamente os seus alunos para as
ofertas ao nível de entrada”³,
o que contrasta fortemente com a insatisfação de empregadores e alunos. Por
outro lado, o estudo evidencia uma ensurdecedora falta de diálogo e cooperação
entre as instituições de ensino, os empregadores e os jovens, classificando a
situação como “mundos paralelos” que não comunicam entre si. Esta falta de
comunicação é evidente quando sabemos que “poucos empregadores portugueses
comunicam várias vezes ao ano com as entidades de educação (33%), muito menos
do que os países líderes do estudo, o Reino Unido (78%) e a Alemanha (74 %)”³.
No caso dos jovens a falta
de comunicação também é evidente,
pois “apenas 24% dos jovens entrevistados relatam ter recebido informações
sobre perspetivas e salários pós-secundários”³, o pior resultado entre os países do estudo. Por
fim, qual cereja em cima do bolo: “mais de 50% dos jovens disseram que
escolheriam uma instituição de ensino diferente, uma especialidade ou ambos”³.
Neste contexto disfuncional, enquanto as instituições
de ensino, os empregadores e os jovens e suas famílias não trabalharem em
conjunto para encontrar soluções que proporcionem melhores oportunidades aos
jovens, provavelmente, a maioria das instituições de ensino vai continuar a
acreditar que está a preparar adequadamente os seus alunos, mas os empregadores
vão continuar a expressar a sua insatisfação com a preparação dos alunos que se
candidatam às vagas de trabalho. Do mesmo modo, os alunos vão continuar a
expressar a sua insatisfação com a preparação recebida e as famílias vão
continuar a suportar os elevados custos de um sistema autista.
E, iludidos com a ideia de que temos a geração mais
qualificada de sempre, continuaremos com a taxa de desemprego jovem entre as
mais altas da União
Europeia (28% em Portugal em 2016 e 37,4% na Madeira).
PS: “Não contrate qualificação, contrate paixão. O que
faz a diferença é a paixão, não é a hiperqualificação”. Guy Kawasaki
¹ “Ministro da
Economia: Governo empenhado em reter talento no país”
² “Os jovens de
hoje são “a geração mais qualificada de sempre””
³ “Education to Employment: Getting Europe’s Youth
into Work”
2 comentários:
Vá lá que desta vez o Dr. Vitorino Seixas tirou o foco do Governo Regional e abordou com seriedade um problema de âmbito nacional. Mas ainda estou à espera da sua análise crítica à governação do actual presidente da CMF! Estou à espera.
Geração mais qualificada de sempre, mas exactamente em quê? Só mais habilitações académicas é ou pode ser pouco.O mundo mudou muito.Os desafios são outros.A complexidade é regra.Então o que continua a faltar?
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