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segunda-feira, 20 de março de 2017

Reflexão



A geração mais qualificada: 
nem tudo o que luz é ouro


Vitorino Seixas


“O ministro da Economia disse que o "esforço agora" é o de conseguir que "a geração mais qualificada de sempre" possa ter oportunidades em Portugal”¹. Na mesma linha, o secretário de Estado da Educação disse que “hoje muitos dizem que olham para os jovens como a geração mais qualificada de sempre”². Estas duas frases, proferidas por políticos com grandes responsabilidades governativas na economia e na educação, transmitem a ideia de que os jovens são a geração mais bem preparada para o mercado de trabalho.

Contudo, basta ler o estudo “Education to Employment: Getting Europe’s Youth into Work”³, publicado pela Mckinsey & Company, para descobrirmos que a ideia que nos transmitem não corresponde à realidade do mercado de trabalho em Portugal.

Senão vejamos. Apesar do elevado crescimento da população jovem com nível de qualificação 6 e 7 (licenciatura e mestrado) do Quadro Nacional de Qualificações, “33% dos empregadores afirmam que a falta de competências é o principal motivo para não preencherem as suas vagas ao nível de entrada”³, ou seja, mais de 3 em cada 10 vagas não são ocupadas porque não há suficientes candidatos com as competências adequadas para as preencher. Além deste grave problema, que afeta especialmente as pequenas empresas, há mais dois problemas: “apenas 35% dos empregadores afirmam que os alunos/recém-contratados estavam adequadamente preparados”³ e “apenas 46% acreditam que haja graduados suficientes nos programas de educação/formação pertinentes”³. Em síntese, os jovens estão a adquirir competências que as empresas não precisam e os programas de educação/formação pertinentes são insuficientes para responder às necessidades das empresas. Como tal, não surpreende que “a insatisfação dos empregadores com o nível de experiência prática dos jovens portugueses seja a segunda mais elevada, depois da Itália”³.

Curiosamente, a insatisfação dos empregadores é compartilhada pelos alunos, pois apenas “47% concorda que está devidamente preparado para as vagas ao nível de entrada”³. Mais, somente “47% dos jovens acredita que a sua educação pós-secundária aumentou as oportunidades de conseguir um emprego”³, o que contraria a verdade universal “investir na educação compensa”. Mas, a insatisfação também é compartilhada pelos jovens que conseguiram emprego, pois “40 por cento dos jovens que estão trabalhando, estão num emprego temporário que vêm como um intervalo de paragem até encontrar um emprego mais adequado”³. Outro fator de grande insatisfação dos jovens é o problema da hiperqualificação: 42% dos jovens que frequentaram um curso superior de 4 anos estão em trabalhos que não exigem essa qualificação.

No entanto, paradoxalmente, “74% das instituições de ensino acredita que está a preparar adequadamente os seus alunos para as ofertas ao nível de entrada³, o que contrasta fortemente com a insatisfação de empregadores e alunos. Por outro lado, o estudo evidencia uma ensurdecedora falta de diálogo e cooperação entre as instituições de ensino, os empregadores e os jovens, classificando a situação como “mundos paralelos” que não comunicam entre si. Esta falta de comunicação é evidente quando sabemos que “poucos empregadores portugueses comunicam várias vezes ao ano com as entidades de educação (33%), muito menos do que os países líderes do estudo, o Reino Unido (78%) e a Alemanha (74 %)”³.

No caso dos jovens a falta de comunicação também é evidente, pois “apenas 24% dos jovens entrevistados relatam ter recebido informações sobre perspetivas e salários pós-secundários”³, o pior resultado entre os países do estudo. Por fim, qual cereja em cima do bolo: “mais de 50% dos jovens disseram que escolheriam uma instituição de ensino diferente, uma especialidade ou ambos”³.

Neste contexto disfuncional, enquanto as instituições de ensino, os empregadores e os jovens e suas famílias não trabalharem em conjunto para encontrar soluções que proporcionem melhores oportunidades aos jovens, provavelmente, a maioria das instituições de ensino vai continuar a acreditar que está a preparar adequadamente os seus alunos, mas os empregadores vão continuar a expressar a sua insatisfação com a preparação dos alunos que se candidatam às vagas de trabalho. Do mesmo modo, os alunos vão continuar a expressar a sua insatisfação com a preparação recebida e as famílias vão continuar a suportar os elevados custos de um sistema autista.

E, iludidos com a ideia de que temos a geração mais qualificada de sempre, continuaremos com a taxa de desemprego jovem entre as mais altas da União Europeia (28% em Portugal em 2016 e 37,4% na Madeira).

PS: “Não contrate qualificação, contrate paixão. O que faz a diferença é a paixão, não é a hiperqualificação”. Guy Kawasaki

¹ “Ministro da Economia: Governo empenhado em reter talento no país”
² “Os jovens de hoje são “a geração mais qualificada de sempre””
³ “Education to Employment: Getting Europe’s Youth into Work”

2 comentários:

Anónimo disse...

Vá lá que desta vez o Dr. Vitorino Seixas tirou o foco do Governo Regional e abordou com seriedade um problema de âmbito nacional. Mas ainda estou à espera da sua análise crítica à governação do actual presidente da CMF! Estou à espera.

Anónimo disse...

Geração mais qualificada de sempre, mas exactamente em quê? Só mais habilitações académicas é ou pode ser pouco.O mundo mudou muito.Os desafios são outros.A complexidade é regra.Então o que continua a faltar?