Os perseguidores de cenouras
Vitorino Seixas
A propósito da suspensão da avaliação de
desempenho dos dirigentes intermédios num organismo regional comecei a refletir
sobre a aplicação do SIADAP-RAM ¹,
o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração
regional autónoma da Madeira, tendo em consideração dois dos seus elementos
chave.
O primeiro elemento tem a ver com o respeito dos
princípios a que se subordina o SIADAP-RAM. Tendo em consideração que o sistema
de avaliação de desempenho é constituído por três subsistemas, os quais funcionam de modo integrado, a
suspensão do subsistema de
avaliação de desempenho dos dirigentes intermédios viola os princípios de
coerência e integração, os quais visam assegurar o alinhamento da “ação dos
serviços, dirigentes e trabalhadores na prossecução dos objetivos e na execução
das políticas públicas” ¹. Do
mesmo modo, viola os princípios de transparência
e imparcialidade, pois não assegura a utilização de critérios objetivos e
públicos na gestão do desempenho dos serviços, dirigentes e trabalhadores.
Amputar um sistema integrado de um dos seus
componentes, a avaliação de dirigentes intermédios, é como amputar o corpo
humano de um dos seus sistemas como, por exemplo, o sistema nervoso que realiza
funções vitais do organismo. No caso do SIADAP-RAM também a avaliação de
dirigentes intermédios realiza funções essenciais do sistema de avaliação de
desempenho, pelo que não se deve suspender o funcionamento de um dos seus
subsistemas.
Acresce que, uma pesquisa na página eletrónica do
governo regional (www.madeira.gov.pt/),
a qual integra as páginas eletrónicas das secretarias regionais e serviços
tutelados, permitiu constatar que a quase totalidade dos serviços viola o
princípio da publicidade dos “resultados da avaliação dos serviços” e da
publicidade da “avaliação dos dirigentes e dos trabalhadores”, pois não
procedem à divulgação nas suas páginas eletrónicas.
Assim, se a
violação dos princípios do SIADAP-RAM é a regra e o cumprimento é a exceção,
será que “o processo de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da
Administração Pública – (…) - é, sobretudo, um instrumento de apoio na promoção
de uma cultura de excelência e uma resposta à expetativa dos trabalhadores” ²?
O segundo elemento diz respeito ao objetivo de
“promover a motivação (…) dos dirigentes e trabalhadores”. Esta questão é
fundamental, pois ao contrário do que pretende o legislador, o impacto da
avaliação poderá ser o oposto, ou seja, a desmotivação dos trabalhadores.
Vejamos, por exemplo, o que se passa com a avaliação de desempenho dos
trabalhadores. De um modo muito sintético, no início de cada período de
avaliação são contratualizados os objetivos a atingir por cada trabalhador e,
no final do período, a avaliação incide em dois parâmetros: resultados e
competências. Os resultados decorrem da verificação do grau de cumprimento dos
objetivos individuais. Em caso de reconhecimento de desempenho excelente, na
avaliação de desempenho individual, o trabalhador poderá receber um prémio,
assim como beneficiar de diversos direitos.
Por outras palavras, no início do período de
avaliação os trabalhadores são desafiados a perseguir determinados objetivos e
no final são avaliados, podendo uma reduzida percentagem ter direito a prémios.
Este processo repete-se nos períodos de avaliação seguintes, até à reforma,
altura em que o trabalhador já não possui a energia suficiente para perseguir
cenouras. Deste modo, os
trabalhadores são transformados em “perseguidores de cenouras” ³. Mas, no final, apenas uma
pequeníssima elite de excelentes tem direito a trincar as cenouras. Os
restantes trabalhadores limitam-se a perseguir as cenouras, anos a fio, sem
nunca as conseguir trincar nem, sequer, cheirar.
Neste contexto, é pertinente colocar duas questões: Será que perseguir cenouras motiva
os trabalhadores? Será que os prémios têm efeitos nefastos na motivação e no
desempenho dos trabalhadores? Para
responder à primeira questão, recorro à ajuda de Daniel Pink que defende que os objetivos são motivadores
extrínsecos que “podem criar problemas generalizados às organizações por
restringirem a visão, provocarem comportamentos desprezíveis, estimularem o
risco, desincentivarem a cooperação e reduzirem a motivação intrínseca” ⁴. Para
responder à segunda questão, convém lembrar que os objetivos funcionam como
motivadores condicionais: se o trabalhador superar os objetivos, então receberá
um prémio. Acontece que “os motivadores condicionais e outras recompensas
extrínsecas são como os medicamentos com efeitos secundários perigosos.
Assemelham-se a drogas ilegais criadoras de dependência perigosa e progressiva.
Os prémios provocam prazer que rapidamente se dissipa e leva as pessoas a
desejar doses cada vez mais fortes” ⁴.
Estas respostas de Daniel Pink ajudam, também, a
compreender os efeitos nefastos dos objetivos e dos prémios no sistema
económico e financeiro, onde o sucesso é medido pelo montante dos prémios
recebidos por banqueiros e CEO viciados em prémios cada vez mais elevados. “A
crise financeira mundial comprova os perigos da visão de curto prazo” ⁴ dos
objetivos e dos prémios.
Pelo exposto, será que faz sentido manter em vigor
o SIADAP-RAM? Creio que não, pois destrói
a motivação intrínseca dos trabalhadores e torna-os viciados em prémios e
direitos de progressão rápida na carreira, passando para segundo plano a
“ética e códigos de conduta” ⁵ dos funcionários públicos. Em síntese,
a melhor medida para motivar dirigentes e trabalhadores é de uma simplicidade
extrema: cessar a aplicação do
SIADAP-RAM na administração regional autónoma da Madeira.
PS: “Constato também que a atual situação de crise
e de desmotivação não é da responsabilidade nem dos quadros dirigentes nem dos
funcionários, mas das más decisões e insuficiências da atual liderança política”
⁶.
¹ “Decreto
Legislativo Regional nº 12, de 21 de dezembro de 2015”
² “Funcionários Públicos com mais dias de férias,
como resultado da avaliação”
³ “O Perseguidor de Cenouras”, Clóvis de Barros
Filho
⁴ “Drive,
a surpreendente verdade sobre aquilo que nos motiva”, Daniel Pink
⁵ “Dez Princípios Éticos da Administração Pública”
⁶ “Apenas uma
opção: eleições”
4 comentários:
Pior ainda foi o vetusto Representante nao ter pedido a fiscalização do diploma dis DRs da Madeira que e inconstitucional. Temos aqui um sistema onde qq triste pode ser DR ou como dizia o homem k foi tirado das florestas onde o que conta e ter o "cartãozinho" alaranjado..
Para quando uma análise acutilante do Dr. Vitorino Seixas à actual gestão da CMF?
Não discuto a opinião se deve haver ou não haver avaliação de desempenho.
Só digo que se ela é obrigatória por lei, então tem que ser aplicada. Se o Estado escandalosamente não cumpre a lei, que confiança pode ter algum cidadão para exigir algum seu direito?
Sabendo que a lei claramente é desrespeitada, poderá algum funcionário enfrentar as chefias? Será que algum funcionário dará mais valor à lei e ao serviço público que ao cumprimento das ordens dos laranjas?
No final a situação é a seguinte: "ou os cidadãos põem os laranjas na rua ou serão como os escravos: só deveres, nenhum direito!"
Como é que se avalia um contínuo ? Que objectivos se lhe colocam ?
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