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segunda-feira, 27 de março de 2017

Reflexão



Os perseguidores de cenouras


Vitorino Seixas

A propósito da suspensão da avaliação de desempenho dos dirigentes intermédios num organismo regional comecei a refletir sobre a aplicação do SIADAP-RAM ¹, o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração regional autónoma da Madeira, tendo em consideração dois dos seus elementos chave.

O primeiro elemento tem a ver com o respeito dos princípios a que se subordina o SIADAP-RAM. Tendo em consideração que o sistema de avaliação de desempenho é constituído por três subsistemas, os quais funcionam de modo integrado, a suspensão do subsistema de avaliação de desempenho dos dirigentes intermédios viola os princípios de coerência e integração, os quais visam assegurar o alinhamento da “ação dos serviços, dirigentes e trabalhadores na prossecução dos objetivos e na execução das políticas públicas” ¹. Do mesmo modo, viola os princípios de transparência e imparcialidade, pois não assegura a utilização de critérios objetivos e públicos na gestão do desempenho dos serviços, dirigentes e trabalhadores.

Amputar um sistema integrado de um dos seus componentes, a avaliação de dirigentes intermédios, é como amputar o corpo humano de um dos seus sistemas como, por exemplo, o sistema nervoso que realiza funções vitais do organismo. No caso do SIADAP-RAM também a avaliação de dirigentes intermédios realiza funções essenciais do sistema de avaliação de desempenho, pelo que não se deve suspender o funcionamento de um dos seus subsistemas.

Acresce que, uma pesquisa na página eletrónica do governo regional (www.madeira.gov.pt/), a qual integra as páginas eletrónicas das secretarias regionais e serviços tutelados, permitiu constatar que a quase totalidade dos serviços viola o princípio da publicidade dos “resultados da avaliação dos serviços” e da publicidade da “avaliação dos dirigentes e dos trabalhadores”, pois não procedem à divulgação nas suas páginas eletrónicas.

Assim, se a violação dos princípios do SIADAP-RAM é a regra e o cumprimento é a exceção, será que “o processo de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da Administração Pública – (…) - é, sobretudo, um instrumento de apoio na promoção de uma cultura de excelência e uma resposta à expetativa dos trabalhadores” ²?

O segundo elemento diz respeito ao objetivo de “promover a motivação (…) dos dirigentes e trabalhadores”. Esta questão é fundamental, pois ao contrário do que pretende o legislador, o impacto da avaliação poderá ser o oposto, ou seja, a desmotivação dos trabalhadores. Vejamos, por exemplo, o que se passa com a avaliação de desempenho dos trabalhadores. De um modo muito sintético, no início de cada período de avaliação são contratualizados os objetivos a atingir por cada trabalhador e, no final do período, a avaliação incide em dois parâmetros: resultados e competências. Os resultados decorrem da verificação do grau de cumprimento dos objetivos individuais. Em caso de reconhecimento de desempenho excelente, na avaliação de desempenho individual, o trabalhador poderá receber um prémio, assim como beneficiar de diversos direitos.

Por outras palavras, no início do período de avaliação os trabalhadores são desafiados a perseguir determinados objetivos e no final são avaliados, podendo uma reduzida percentagem ter direito a prémios. Este processo repete-se nos períodos de avaliação seguintes, até à reforma, altura em que o trabalhador já não possui a energia suficiente para perseguir cenouras. Deste modo, os trabalhadores são transformados em “perseguidores de cenouras” ³. Mas, no final, apenas uma pequeníssima elite de excelentes tem direito a trincar as cenouras. Os restantes trabalhadores limitam-se a perseguir as cenouras, anos a fio, sem nunca as conseguir trincar nem, sequer, cheirar.

Neste contexto, é pertinente colocar duas questões: Será que perseguir cenouras motiva os trabalhadores? Será que os prémios têm efeitos nefastos na motivação e no desempenho dos trabalhadores? Para responder à primeira questão, recorro à ajuda de Daniel Pink que defende que os objetivos são motivadores extrínsecos que “podem criar problemas generalizados às organizações por restringirem a visão, provocarem comportamentos desprezíveis, estimularem o risco, desincentivarem a cooperação e reduzirem a motivação intrínseca” ⁴. Para responder à segunda questão, convém lembrar que os objetivos funcionam como motivadores condicionais: se o trabalhador superar os objetivos, então receberá um prémio. Acontece que “os motivadores condicionais e outras recompensas extrínsecas são como os medicamentos com efeitos secundários perigosos. Assemelham-se a drogas ilegais criadoras de dependência perigosa e progressiva. Os prémios provocam prazer que rapidamente se dissipa e leva as pessoas a desejar doses cada vez mais fortes” ⁴.

Estas respostas de Daniel Pink ajudam, também, a compreender os efeitos nefastos dos objetivos e dos prémios no sistema económico e financeiro, onde o sucesso é medido pelo montante dos prémios recebidos por banqueiros e CEO viciados em prémios cada vez mais elevados. “A crise financeira mundial comprova os perigos da visão de curto prazo”  dos objetivos e dos prémios.

Pelo exposto, será que faz sentido manter em vigor o SIADAP-RAM? Creio que não, pois destrói a motivação intrínseca dos trabalhadores e torna-os viciados em prémios e direitos de progressão rápida na carreira, passando para segundo plano a “ética e códigos de conduta”  dos funcionários públicos. Em síntese, a melhor medida para motivar dirigentes e trabalhadores é de uma simplicidade extrema: cessar a aplicação do SIADAP-RAM na administração regional autónoma da Madeira.

PS: “Constato também que a atual situação de crise e de desmotivação não é da responsabilidade nem dos quadros dirigentes nem dos funcionários, mas das más decisões e insuficiências da atual liderança política” ⁶.

¹ “Decreto Legislativo Regional nº 12, de 21 de dezembro de 2015”
² “Funcionários Públicos com mais dias de férias, como resultado da avaliação”
³ “O Perseguidor de Cenouras”, Clóvis de Barros Filho
 “Drive, a surpreendente verdade sobre aquilo que nos motiva”, Daniel Pink
⁵ “Dez Princípios Éticos da Administração Pública”
 Apenas uma opção: eleições”

4 comentários:

Anónimo disse...

Pior ainda foi o vetusto Representante nao ter pedido a fiscalização do diploma dis DRs da Madeira que e inconstitucional. Temos aqui um sistema onde qq triste pode ser DR ou como dizia o homem k foi tirado das florestas onde o que conta e ter o "cartãozinho" alaranjado..

Anónimo disse...

Para quando uma análise acutilante do Dr. Vitorino Seixas à actual gestão da CMF?

Anónimo disse...

Não discuto a opinião se deve haver ou não haver avaliação de desempenho.
Só digo que se ela é obrigatória por lei, então tem que ser aplicada. Se o Estado escandalosamente não cumpre a lei, que confiança pode ter algum cidadão para exigir algum seu direito?
Sabendo que a lei claramente é desrespeitada, poderá algum funcionário enfrentar as chefias? Será que algum funcionário dará mais valor à lei e ao serviço público que ao cumprimento das ordens dos laranjas?

No final a situação é a seguinte: "ou os cidadãos põem os laranjas na rua ou serão como os escravos: só deveres, nenhum direito!"

Anónimo disse...

Como é que se avalia um contínuo ? Que objectivos se lhe colocam ?