Duas palavrinhas

ao deputado Calaça

DN de hoje.

Senhor deputado social-democrata:

Tenho a honra de contar com amigos do leste da Ilha de apelido Calaça. Uns dos tempos de escola, outros do futebol. A si não conheço, porque de outra geração. Mas atrevo-me a dirigir-lhe uma palavrinha porque isto são festas e o lema é desfrutar.

Conforme o alarido de ontem e de hoje, o cidadão Luís Calaça, que difundiu a nota abaixo deste post, decidiu furar uma operação stop no dia 2 deste mês desencadeando uma cena de cobóis sobre o asfalto. No meio da confusão, o cavalheiro, que é deputado do PSD, cavou de prego no fundo ao ser mandado encostar, quase passava com os pneus por cima de um agente e, perseguido aos tiros, acabou no 'cagarrão' onde o balão provou um estado de grão na asa acima do aceitável.

Acontece a quem anda na estrada. Claro que devia ter detido a marcha quando os chuis mandaram. Pronto, era multa por causa do 1,87 e as demais consequências de lei. Mas, se quer que lhe diga, o incidente até correu muito bem e acabou melhor. Para já, ninguém se aleijou. O nosso amigo polícia apanhou o susto do quase atropelamento, o que lhe serviu de treino de salto em comprimento; o colega dele desenferrujou a arma com uns sempre saborosos tiros para o ar; deu-se a perseguição automóvel como no cinema; a emoção do prende-não-prende; as tradicionais trocas de palavras 'não toca na farda', 'eu não ofendi ninguém', 'já não se pode tomar um copo de vinho'; e finalmente a expectativa do resultado do balão.

Há moralistas que o condenam. Daqueles que nunca viraram meia dúzia de mesas numa tasca. Que não conhecem o sabor de molhar a sopa num arraial. Desses que nunca chegaram à porta com o focinho inchado e uns 'mamolhões na tola, precisados de paninhos quentes. Deixe lá os santarrões que não têm porra nenhuma de excitante para contar. 

Prà frente é o caminho. Sobretudo agora na Festa, faz parte, como diz o outro.

Se quer que lhe diga mais, quem deve estar desiludido hoje são os jornalistas que estiveram de serviço na discussão parlamentar do Orçamento. Esgalharam com base nos chatíssimos oradores que debatem 'orçamentos empolados', 'o melhor orçamento' e o 'pior orçamento' sem saberem somar 2 mais 2. O meu ex-colega do Diário Élvio Passos com um trabalhão para encher as duas páginas da ordem. E o que vi foi os leitores pelos cafés deliciados com a página 14 do outro meu ex-colega Ricardo Freitas, a relatar as aventuras viárias do deputado Luís Calaça!

Insisto: com o carrinho não convém brincar, porque alguém se pode pisar. Mas no resto, pregue-lhe à vontade, sem exagerar na moderação. Moderar sim, mas devagar. Ou moderação moderada, se preferir. Tomar um copo e vícios afins, eis o que se leva desta vida. 

Na sua declaração, vejo a clássica boa vontade de assumir as suas responsabilidades pelos actos praticados. Deixe-se de chover no molhado, homem. Queira ou não queira, vai assumi-las. Outro antigo colega meu costumava dizer, nas noites de 'temporal': "É preciso saber andar nisto."

Então, bom Natal, sr. deputado, com o carro encostadinho, e toca a molhar a garganta - até para esquecer a repreensão do chefe Albuquerque, esse inveterado anti-vício. Pregue-lhe bem, Calaça, mesmo que no meio das bombas e foguetes a coisa puxe ao pingarelho. Mande os moralistas ladrar lá para a rua deles. Na hora da ressaca, o Ribeiro Franco costumava lembrar: 'Dentada de cão cura-se com pêlo do mesmo cão'. 

Ah, e de uma coisa pode estar certo: o seu caso de boémia, rebuscado 10 dias depois, não poderá ser aproveitado político-partidariamente. Está-me a perceber?