Vitorino Seixas
“Para acelerar a morte de alguém a forma mais
eficaz é dar-lhe um médico pessoal. Não digo atribuir-lhe um mau médico. Basta
pagar-lhe para escolher um. Qualquer médico serve”. Ao ler esta afirmação de
Nassim Taleb, creio que a primeira reação será, muito provavelmente, de total
desacordo. No entanto, para compreender a afirmação é necessário conhecer o
conceito de fragilista, ou seja, “alguém que nos faz participar em políticas e
ações, todas elas artificiais, nas quais os benefícios são reduzidos e visíveis
e os efeitos colaterais potencialmente graves e invisíveis” ¹.
Assim, na medicina, os médicos fragilistas são, por
exemplo, aqueles que receitam antibióticos para uma gripe, em vez de deixar o
corpo reagir naturalmente. A medicação pode trazer benefícios no curto prazo, mas
os seus efeitos secundários podem acelerar a morte do paciente.
Mas, não é só na medicina que encontramos
fragilistas. A modernidade, uma época marcada pela convicção de que a sociedade
é compreensível, escancarou as portas aos fragilistas que pensam que a sociedade
deve ser moldada por eles. É o que está a ocorrer com os políticos da Renovação,
cujas políticas são anunciadas como a cura milagrosa para muitos dos problemas regionais,
mas que acabam por agudizar a gravidade dos problemas.
A que se deve o insucesso de tantas políticas
milagrosas? Segundo Taleb, deve-se à “ilusão fundamental da vida: a crença de
que a aleatoriedade é arriscada, é uma coisa má” ¹. Devido a esta ilusão,
característica da modernidade, as pessoas e, em especial, os políticos fragilistas
tendem a implementar políticas para eliminar a volatilidade, a incerteza e os
fatores de tensão da sociedade, recusando-se a aceitar uma das leis da Vida: “não há estabilidade sem volatilidade” ¹. É
o que acontece também com os pais superprotetores que querem que os seus filhos
tenham vidas estáveis e bem-sucedidas, sem nunca terem tido qualquer contacto
com a volatilidade da modernidade?
Neste contexto, não admira que os políticos fragilistas
nos tentem vender, com uma convicção religiosa, a ilusão de que “há
estabilidade sem volatilidade”, fazendo promessas que visam a estabilidade como
fator essencial do desenvolvimento. Contudo, basta observar o que se passou na
banca, onde se tentou manter artificialmente a estabilidade do sistema
bancário, para percebermos que este erro acabou por provocar perdas
astronómicas aos contribuintes e, mais grave, aumentar a fragilidade da banca.
Este é um excelente exemplo de que “a ausência de volatilidade torna o sistema
frágil e os riscos invisíveis” ¹.
Outro exemplo é o novo modelo de subsídio de
mobilidade, lançado como o melhor medicamento de sempre, e que se descobriu,
tarde demais, que tinha dezenas de efeitos secundários desconhecidos, de tal
modo que o número de propostas de correção aponta no sentido do medicamento ter
de ser retirado do mercado. O fragilista que fez a promessa esqueceu-se que o
medicamento intelectual que inventou não foi testado previamente, pelo que o
assalto concertado às carteiras dos madeirenses apanhou todos de surpresa.
Outro medicamento intelectual são os reinventados Programas
Ocupacionais para Desempregados. São anunciados como uma política ativa de emprego,
mas depois de “ingerido” pelos desempregados apenas se registam melhorias
cosméticas. Na realidade, a doença do desemprego continua a agudizar-se e
passou ao estádio mais grave de desemprego de longa duração (56,3% dos
desempregados em janeiro de 2017).
Contudo, a criatividade dos fragilistas para
conceber medicamentos intelectuais não fica por aqui. Outro exemplo, é o
programa Internacionalizar 2020 que visa reforçar a capacidade empresarial e
consolidar a presença das empresas regionais nos mercados internacionais. À
primeira vista, parece fazer sentido, pois o governo regional concede apoios
financeiros com o objetivo de aumentar a competitividade e notoriedade externa das
empresas regionais. No entanto, o que acontece é que este programa proporciona,
a curto prazo, benefícios financeiros às empresas, mas não garante a
continuidade da internacionalização após o período dos apoios.
Mais recentemente, outro fragilista fez a promessa:
“criação de uma empresa para assegurar o escoamento dos produtos agrícolas no
mercado fora da Região, a exemplo do que já acontece no sector da banana,
através da GESBA” ². Convém lembrar que a Gesba é uma empresa pública criada
para “superproteger” os produtores de banana, mas que estes questionam “como é
possível que a empresa pública GESBA- Empresa de Gestão do Sector da Banana fature
acima de 15 milhões de euros por ano e só pague aos produtores pouco mais de 4
milhões?” ³.
Por este caminho, no futuro, além do perigoso medicamento “Plano Estratégico
para a Anona” que provocou uma redução de 7,7% da produção, logo no primeiro
ano de vigência do Plano, os produtores de anona vão beneficiar dos “cuidados
superprotetores” de uma nova empresa pública, que pode ter o efeito secundário de
aumentar a fragilidade da agricultura regional.
Em síntese, tal como os médicos cuja medicação pode
fragilizar os pacientes, também os políticos, tão ávidos de intervir a torto e
a direito, se esquecem que, “paradoxalmente,
muitas intervenções governamentais e políticas sociais acabam por prejudicar os
fracos e consolidar o que já está estabelecido” ¹.
¹
“Anti-Frágil”, Nassim Nicholas Taleb
²
“Governo cria unidade de exportação” 6 MAR 2017
³
“Associação dos Produtores da Banana da Madeira critica GESBA
4 comentários:
O interessante é que todos esses que pensam ser possível controlar todos os parâmetros da realidade passam a viver e a agir de forma irresponsável pois pressupõem que não existem "cisnes negros", perigos inesperados. E a verdade é que esses são os espertos pois sendo a maioria, depois, obrigam o Estado a intervir com o pretexto de desmoronamento do "sistema". No fim acabam eles por ter razão pois os prudentes são chamados a pagar a factura da orgia em que não participaram.
Surgem assim os too big to fail, too big to jail e o erro moral que é um incentivo à repetição do ciclo, desta vez com mais gente pois algumas pessoas aprendem que o mundo é dos espertos.
amsf
Dr. Vitorino Seixas, quando é que veremos a sua perspicácia e o seu sentido crítico aplicados a uma análise à política desenvolvida na actual CMF? É que isso de apenas olhar para o Governo dá para desconfiar... O careca encomendou-lhe algum programa de Governo? Responda, por favor. Obrigado.
O problema de políticas frágeis é que estão pensadas para um modelo extremamente simples de "problema-solucao".
Exemplo. Quer internacionalizar se as empresas? dá se apoios! Mas estes apoios são desviados para outras actividades, provocam dependência (e consequentemente vícios) e depois desvirtuam o mercado regional. Um dos efeitos possíveis e que o importante deixa de ser produzir ou servir o cliente mas sim receber apoios.
Outro exemplo. Os açudes para retenção de sólidos nas ribeiras do Funchal ou aquele muro de enrocamento que foi feito há pouco tempo na Ribeira de são João. E se o açude ou muro de enrocamento ruir catastróficamente durante um aluviao? E se não houver manutenção?
O Dr. Seixas anda com azia da renovação. No tempo do Dr. Jardim, que foi o que se viu, o Dr. Seixas não via nada. As consultorias e os projetos megalómanos no Tecnopolo, pagos principescamente pelos fundos comunitários, foram argumento suficiente para o calar.
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