Debaixo da rocha II

Gil Canha

A 9 de maio deste ano, escrevi neste blogue o seguinte: “há dias passei na parte baixa da Ribeira Brava, e reparei que estão a escavar na escarpa a oeste, entre a estrada que ladeia a ribeira e a antiga estrada regional, uma escavação monstruosa, um buraco de proporções assustadoras, cujos muros de suporte (contenção periférica) vão ter um custo de tal ordem, que seria muito mais barato para o promotor comprar o terreno mais caro do vale da Ribeira Brava.” E mais à frente, sentenciei de uma forma profética: “pouco me importa os males dos “empresários” que se metem nestas loucuras, a minha preocupação e revolta, essa sim, vai para os autarcas e para os governantes que dão pareceres positivos e licenciam este género de “abortos” que depois será o “carro-da-bomba dos contribuintes” a avançar sempre que “cai rocha” ou acontece alguma intempérie mais violenta.”

Infelizmente, este verão, (nem foi necessário chegar ao inverno) a minha reles profecia concretizou-se, e a famigerada escarpa desabou estrondosamente, levando com ela as fundações da velha estrada regional que liga a Ribeira Brava à Tabua, obrigando o governo regional a encerrar a via, o que tem causado grandes transtornos e prejuízos à população local. 

Na minha opinião, nem é tanto o pobre do desgraçado do promotor que tem culpa desta hecatombe, a culpa é do “inteligentíssimo” Presidente da Câmara que licenciou esta obra maluca e do responsável do governo regional que deu o parecer positivo para a mesma, com a agravante de se saber há muito que aquela vertente era instável e já com um longo historial de desmoronamentos, nomeadamente na zona do velho cemitério.

Se isto fosse um verdadeiro Estado de Direito, neste momento, o MP já tinha aberto um inquérito e chamado a contas o sr. Presidente da Câmara e o técnico da Secretaria Regional dos Equipamentos e Infraestruturas que deu o tal parecer estapafúrdio. E se por acaso o figurão ainda está no ativo, o secretário regional Amílcar Gonçalves já deveria ter aberto um inquérito interno para apurar responsabilidades, ou quanto muito, referenciar o estafermo, para este não meter mais as garras numa caneta.

E como tenho denunciado, é sempre “o mexilhão” (neste caso a viloada, onde me incluo) que irá pagar os erros desta cambada indescritível de oportunistas que nos governam.

Há cerca de 20 anos, denunciámos um empresário da Calheta que fez um hotel pelo mar dentro. Como o mar é bravio, o esperto promotor inventou umas belíssimas praias de areia amarela e uns enrocamentos caríssimos para protegê-las.  A viloada, encantada e embevecida com a inovação, nem se apercebeu que o objetivo fundamental do empresário e dos seus cúmplices governamentais era proteger com o dinheiro dos contribuintes o seu hotel. E o mais hilariante, (a viloada até merece levar nas orelhas para aprender!) é que, normalmente, é a empresa de construção do próprio empresário a fazer as milionárias obras “públicas” de defesa e manutenção costeira das tais belas praias marroquinas que ele próprio inventou.   E mais cómico ainda, é que o tal empresário construiu nas traseiras do seu hotel oceânico, uns apartamentos turísticos debaixo-da-rocha, cujas instalações são esporadicamente visitadas por uns simpáticos pedregulhos de basalto que, de quando em vez, se soltam da penedia. E também já estão orçamentados uns dinheiros públicos (poucos milhões) para a contenção da perigosa escarpa, cujas obras, pasme-se, provavelmente serão realizadas pela empresa (ou consorcio de empresas) do sortudo promotor que irresponsavelmente se “deitou” debaixo-da-rocha.

E existem outros exemplos pela ilha, como as antigas instalações da Peugeot, junto à Ribeira de João Gomes, a padaria da Socipamo, na Fundoa, a “Nova Cidade”, em Câmara de Lobos; licenciadas por irresponsáveis políticos junto de perigosíssimas escarpas, e que depois obrigam à realização de milionárias obras de contenção, quase sempre pagas pelo erário público.