Recordando os tempos em que Albuquerque ainda não tinha retirado a feira de Natal do Almirante Reis (que funcionava até à meia-noite, um mês por ano) na alta missão humanitária de proteger o sono dos moradores da Zona Velha
A montagem dos carrinhos e das barraquinhas já começou
Como dizia o Rei Herodes, ele há coisas do
arco-da-velha!
Uma pessoa vai
trilhando caminho, respirando ar puro suavemente pela manhã fora, o azul
marinho ali aos pés, a murmurejar qualquer coisa encriptada...
Esta manhã de
domingo, ao ver alguns trabalhadores começando a montar a feira nos terrenos da
Praia Formosa, uma pessoa dá consigo a pensar no espírito de Natal, nas luzes,
a lapinha, a pista dos carrinhos, as farturas e o algodão doce, o pavilhão do
terror, as cadeirinhas, o poço da morte e as demais atracções que fazem as
delícias de miúdos e graúdos.
Uma pessoa vê
os homens a tratar dos fios eléctricos dos carrinhos de choque e deixa escapar
um sorriso de recordar as traquinices de outros tempos. Os tirinhos, as matraquilhadas
a valer o licor, a 'flor humana' - que magia! Que encantamento!
Mas o diabo não
dorme e envenena os justos:
- Não é pena
que a feira de Natal seja feita agora tão longe do centro tradicional das
diversões? Não lamentas que grande parte da pequenada perca estes momentos
porque fica tudo tão fora de mão? Este parque não tem o mercado
perto nem os pinheirinhos nem os brinquedos...
Vade-retro! -
sopra uma pessoa -, não me leves para o caminho da malsinação e do veneno.
Retiraram a feira do Almirante Reis porque foi preciso.
Mas a pessoa
sente o tridente do mafarrico a farpear:
- Para que
tiraram a feira de lá? Para fazer aqueles jardins que nem no inferno eu
aceitava? Para fazer aquele novo 'skatódromo' que em semanas se tornou num mono
para as gaivotas... enfim? Nada dizes? Defendes Albuquerque, o ideólogo que nos
seus tempos de presidente da Câmara acabou com a tradicional feira do
Almirante Reis, que era um dos pontos altos do vosso Natal, aquela festa que me
põe a milhas por uns tempos?
Custa rebater
os argumentos do demo. Mas a pessoa tenta arrumar a questão de vez:
- O que queres
é confusão. Gostavas de ver continuar a revolta dos moradores incomodados da
Zona Velha... Das brigas, cabiam-te mais umas almas...
Mas o diabo tem
coisas do diabo:
- Os moradores
incomodavam-se até que horas da noite?
- Tardíssimo, o
barulhento arraial só fechava à meia-noite!
- Sim? - faz
Satanás - E quanto tempo no ano?
- Era todo o
santo mês de Dezembro e alguns dias de Janeiro!...
- Então -
conclui ainda o diabo -, o Albuquerque salvou os moradores da Zona Velha de um
mês de barulho até à meia-noite! No resto do ano os moradores não eram
atormentados!
A pessoa sente
o diabo desaparecer, a cantarolar satisfeito o "quero que vá tudo para o
inferno".
E a pessoa vai
trilhando caminho, respirando já com alguma dificuldade, pela manhã fora, o
azul marinho aos pés a murmurejar qualquer coisa encriptada...
1 comentário:
Que saudades da feira no Almirante Reis.
Em janeiro fazíamos umas gazetas no Liceu para jogar matraquilhos, andar nos carrinhos eléctricos ou ir ver o Prof. Karma no circo. E no 23 de dezembro era paragem obrigatória.
Tenho pena os meus filhos não terem a vivência do funchal desse tempo. Na praia formosa é fora do centro, logo fora de mão. Há anos que os pequenos nem lá põem os pés.
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