O Funcionamento 2020
tira a famílias pobres
para dar a empresas
ricas
Vitorino Seixas
O Instituto de Desenvolvimento Empresarial (IDR)
está a publicar anúncios na Internet com o convite “Conheça os Projetos
aprovados pelo Madeira 14-20” ¹. Respondendo ao convite decidi percorrer
as 70 páginas da listagem com os projetos e respetivos montantes de financiamento
aprovados pelo IDR. Bastou uma breve leitura para me aperceber que esmagadora
maioria das candidaturas diz respeito do Programa Funcionamento 2020 pelo que
decidi aprofundar a análise destes projetos.
Para começar, convém referir que o Funcionamento
2020 ²
tem como objetivo “compensar os custos adicionais das empresas inerentes à
condição de Região Ultraperiférica”. Com este objetivo, o programa apoia
projetos cujos beneficiários sejam, nomeadamente, “empresas de qualquer
natureza e sob qualquer forma jurídica, existentes, à data da candidatura, há
mais de 24 meses a contar do início de atividade”.
Fazendo jus ao nome, o programa apoia os custos de “funcionamento”
de empresas localizadas na RAM que demonstrem o impacto do incentivo na
sustentabilidade da empresa, comprovada através de um plano de negócios para um
período de três anos. Se tivermos em consideração que os custos de
funcionamento incluem, entre outros, os custos com salários brutos, contribuições
obrigatórias para a segurança social, rendas de instalações, rendas de
equipamentos de produção, consumos de energia elétrica e de água, rapidamente surge
a dúvida: Será que todas as empresas beneficiárias se enquadram na prioridade
de investimento “Auxílios ao funcionamento para esbater as dificuldades
permanentes e estruturais das empresas da região”?
Pode parecer estranho, mas esta dúvida é pertinente
pois na lista dos financiamentos aprovados constam empresas que foram premiadas,
em novembro de 2016, no âmbito das “500 Maiores Empresas da Madeira” nos diferentes
setores de atividade. Por exemplo, entre as premiadas com financiamentos
aprovados estão a “Melhor do Sector do Comércio”, a “Melhor do Sector da
Indústria”, a “Rookie Comércio” e outras empresas premiadas pela elevada rentabilidade,
pelo equilíbrio financeiro e pelo contributo para a economia.
Neste contexto, é lícito perguntar: Será que se
justifica atribuir milhões de euros a empresas que são uma referência regional de
excelência e de rentabilidade financeira? De referir que os projetos aprovados
não estão disponíveis para consulta no sítio do IDR, o que impossibilita a
análise das dificuldades permanentes e estruturais das empresas apoiadas, assim
como dos seus planos de negócios para três anos. De qualquer modo, a
confirmar-se que os apoios são concedidos a empresas com boas rentabilidades, então
os apoios do Funcionamento 2020 têm mais o caracter de “abonos a empresas” sem
dificuldades do que “auxílios” a empresas em dificuldades.
Assim, tratando-se de verdadeiros “abonos a empresas”
justifica-se fazer uma comparação com o “abono de família”. Durante muitos anos
este abono foi atribuído às famílias quase sem restrições, como se de um
direito universal se tratasse, pois visava compensar os encargos familiares
respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens. No entanto, nos
últimos anos, as regras de atribuição tornaram-se cada vez mais restritivas, de
tal modo que, hoje, somente as famílias com rendimentos até 8.847,72 € têm
direito a abono de família.
Por outras palavras, fica claro que o “abono de
família” é atribuído com critérios que eliminam as famílias com rendimentos
mensais superiores a cerca de 1,3 salários mínimos, muitas das quais vivem com grandes
dificuldades. Pelo contrário, os “abonos a empresas” são atribuídos a empresas que
não evidenciam estar em dificuldades. Pelo contrário, são premiadas pela sua
rentabilidade.
A esta dualidade “inclusão económica de empresas sem
dificuldades versus de exclusão social de famílias com dificuldades”, acresce o
paradoxo do modelo de financiamento. Senão, vejamos. O orçamento para 2017 do Programa
Funcionamento 2020 prevê atribuir apoios no montante de 20 milhões de euros,
dos quais 3 milhões são do orçamento regional, ou seja, dos impostos dos
madeirenses. Deste modo, uma parte dos impostos pagos por famílias que vivem com
dificuldades é utilizada para financiar empresas sem dificuldades (permanentes
e estruturais).
Em síntese, o
Funcionamento 2020 é um programa que “tira a famílias pobres para dar a
empresas ricas”.
¹ “Conheça os Projetos aprovados pelo
Madeira 14-20”
5 comentários:
Em resumo o Funcionamento 2020 é um programa definido sob normas Europeias, financiado por contribuintes Europeus. Dinheiro para as famílias não é com a União Europeia.
Financiado pelos contribuintes europeus e pelos contribuintes da Madeira (numa percentagem muito mais pequena).Por mais voltas que se dê, O povo é que paga. Gostei do artigo de opinião.
Em relação ao abono de família faltou dizer que o agregado familiar - o nº de elementos - conta.Não é o mesmo 1000 euros para 3 ou para 6.Mas não é preciso muito para ficar sem abono família.
Dr. Vitorino, e quando vamos ter o prazer de contar com a sua análise crítica ao mandato da CMF?
Em resumo ao anónimo das 18:19 pergunto: que raio de empresas são estas que estando bem de vida precisam ajuda?
É assim que vamos encarar o futuro quando Bruxelas secar a fonte?
O sr. Seixas quando andava no Tecnopolo a esbanjar dinheiro em projetos estapafúrdios não se indignava com o dinheiro tirado às famílias para entregar aos ricos e aos projetos estéreis que abrasaram milhões de euros e não trouxeram nada de nada à Madeira.
Que bem prega Frei Tomás.
Este já está como ao Alberto João: anda com memória muito seletiva. Só se lembra das coisas de agora.
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