Uma mentira lavada não
deixa de ser mentira
Ricardo Meneses Freitas
A esperança foi deveras fugaz.
Durou o tempo entre o anúncio de um novo jornal na Madeira e a efetivação da
primeira edição. O novo jornal tem muito do velho Jornal da Madeira, é
demasiado evidente para sequer esconder um pouquinho de esperança no tiro
disparatado chamado de primeira edição.
A grande chamada de primeira
página vai para aquele tema cuja lavagem com neoblanc já retirou qualquer
resquício de cor. Outra vez, lá nos tentam impingir a justiça de um apoio a uma
atividade profissional que só na cabeça das avestruzes de gabinetes faz
sentido. Então, qual melga persistente, também vou eu retorquir a argumentação
de mercearia defendida por situacionistas subsídio-dependentes.
Em primeiro lugar, sou maritimista,
sempre o fui e sempre o serei. Não sinto a necessidade de me imiscuir nas
discussões egocêntricas de qual dos três grandes é o maior, para mim, o maior é
o Real Madrid e dista tanto do meu coração como de qualquer clube de Lisboa,
Porto, Madrid, Londres ou Manchester. A única doença que me assiste é o amor
pelo clube do Almirante Reis, o resto é mesmo gosto pelo jogo.
Comecemos pelos resultados de tão
faustoso apoio dado pelo Governo Regional aos clubes da terra. Em tempos
apregoavam a imagem turística da Madeira como a grande beneficiária dos apoios
ao futebol (como se gastar 10% dessa verba em boa promoção turística não
tivesse resultados iguais ou melhores). O argumento é tão pateta que já não o
ouvimos mais. Pior ainda, contra a profecia de Augusto Inácio que a Madeira
nunca geraria jogadores de grande valor, apareceu um miúdo que aos 12 anos foi
para o Sporting começar a carreira que hoje é astronómica, falo claro de
Cristiano Ronaldo. Alguns devem estar a saltar da cadeira para acaloradamente
vincar o percurso de Ronaldo ao apoio do Governo Regional. Claro que isto é uma
grande mentira porque os ditos apoios nunca chegam à formação, pelo contrário,
a formação gera receitas para o bolo cuja fatia maior é dada pelos
contribuintes. Ronaldo não foi produto da política desportiva do Governo
Regional, tal como não foi o primeiro olímpico madeirense (Paulo Camacho) ou o
recordista de presenças olímpicas João Rodrigues.
Desde que treinava natação no
Marítimo, sob a batuta do eterno Elmano Freitas, percebi
que o futebol negócio se sobrepunha a tudo. Vi o Elmano deixar o seu clube do
coração, porque já lhe deviam largos meses de ordenado, e a equipa promissora
do CSM se desmembrar porque ali o que mandava era a bola. Nessa altura, como
agora, os atletas só queriam ter as mesmas condições que um atleta de Lisboa,
Coimbra, Leixões, Porto tinha. Este é, para mim, o único argumento justo de um
apoio do Governo Regional para o desporto de competição. Garantir que um
madeirense tem as mesmas condições para se desenvolver desportivamente como
outro qualquer português.
É evidente que um
reequacionamento dos apoios do Governo Regional para os clubes de futebol
poderia ser feito de forma que os nossos jovens tivessem condições iguais às
das academias do Sporting, Benfica e Porto. Acredito que poucas seriam as vozes
contra, porque na grande maioria, todos acreditam que o madeirense é tão bom
como outro humano qualquer que habite outras latitudes. Quase todos perceberiam
que se potenciasse o aparecimento de mais Ronaldos sem que tenham a necessidade
de emigrar quando ainda crianças, evitando assim muita dor neles e nas suas
famílias. Acredito que muitos apoiariam uma política que potenciasse as
inúmeras piscinas semiabandonadas de forma a que qualquer jovem pudesse treinar
natação independentemente da condição económica dos pais. O mesmo se poderia
dizer para outras tantas modalidades amadoras cujos jovens se vêem com
dificuldades para desenvolver em igualdade de oportunidades com os nossos
restantes conterrâneos.
O que qualquer madeirense já
percebeu é que estes apoios dados ao futebol profissional não trazem benefícios
nenhuns ao comum madeirense. No fim de linha de argumentação, agora vêm com
aquela patachada dos clubes pagarem mais impostos do que o que recebem de
apoios. Sinceramente, não sei como os tubarões desta terra ainda não abriram os
olhos para este argumento falacioso. O que impede o Pestana de usar o mesmo
argumento para exigir apoios às cadeias hoteleiras? Ou os Sousas? Ou o AFA? Ou
a Tecnovia? É que eles ao menos podem dizer que empregariam madeirenses com
estes apoios, coisa que, maioritariamente, não acontece com os clubes de
futebol. Isto é claramente um argumento perigoso que mais dia menos dia vai
rebentar nas mãos de quem o defende.
Mas isto tudo é sabido de muitos,
pena que a condição da doença social que nos restringe a liberdade neste
arquipélago maravilhoso, remeta estas e outras verdades para os comentários
anónimos. Os tais que já merecem atenção do novo Jornal da Madeira numa
incrível colagem às declarações do Presidente do PSD (para mim nada coincidente
ou inocente).
6 comentários:
Se a contabilidade de merceeiro fosse proporcional, o problema da sustentabilidade da Madeira estava resolvido.
Era dar balbúrdios aos clubes da bola, estes pagavam balbúrdios em impostos, e ainda tínhamos os melhores clubes do mundo.
O Ronaldo poderia voltar a jogar na sua terra natal...
Pimba haja lucidez quem fala assim não é gago muito bem desmontado
Excelente artigo. Os meus parabéns! Não ligue a certos matarruanos que andam para aí com as suas mãos de vaca a mexer nos teclados.
Gostei, sim senhor.
E admirável num lodaçal de mediocridade e incompetência em que está terra se tem transformado haver alguém com lucidez não sei quem é o senhor mas gosto de gente que pensa e sabe desmontar os eufemismos que por ai andam
Boa tarde,
Saúdo artigo, embora demasiado longo e sem necessidade. No fundo espremeu o argumento de que o "Futebol Profissional promove a Madeira". Pronto... Todos sabemos que é uma realidade bacoca e só é tonto os que governam com base nessa anomalia reinante.
Contudo, há um parágrafo que me saltou à vista e que vou transcrever:
"Ronaldo não foi produto da política desportiva do Governo Regional, tal como não foi o primeiro olímpico madeirense (Paulo Camacho) ou o recordista de presenças olímpicas João Rodrigues.".
Aquele parágrafo é 80% verdade e poderia ser facilmente desmontado, com facto e números que foram alvo de contratos-programa e projetos olímpicos devidamente publicados no JORAM, poderia fazê-lo mas não vou perder tempo e para isso bastaria seguir com atenção os montantes que foram cedidos aos atletas e clubes do dois últimos nomes, com particular relevo para o João Rodrigues nos últimos 20 anos.
Mas sem me delongar e só para aligeirar isto (sem referir números), faço as seguintes questões:
- Quantos dias seguidos trabalha o João Rodrigues na RAM?
- A sua ausência forçada e repetida pode ser considerado uma forma de apoio?
Basta ir ver o Facebook dele e verificar que ele passa imenso tempo fora da Região... Que eu saiba ele é funcionário público.
Quero finalizar dizendo que não critico a possibilidade que o João Rodrigues tem, que aliás considero importante e acho que devia ser possibilitada a todos os atletas de alto rendimento ou em percurso para o alto rendimento (tal como apoio escolar aos mais jovens atletas promissores).
Finalizando, queria apenas reforçar que é preciso ter cuidado com as "certezas" que temos e não endeusar ou sobrevalorizar algumas pessoas ou circunstâncias sem pleno conhecimento dos factos e estes com mais de 20 anos. Sem tirar o mérito, claro...
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