O papão Tribunal

Susto de morte

Quando tudo parecia mais calmo na minha conturbada existência, esta quarta-feira, aí pelas 20 horas, entrei em casa e senti logo um mau pressentimento. As luzes estavam apagadas, com excepção de um pequeno pai Natal em miniatura, acocorado em cima de uma estante, que piscava alegremente umas luzinhas coloridas. Repentinamente, senti uma espécie de mini tornado junto das minhas calças, e a porta do apartamento fechou-se violentamente atrás das minhas costas, provocando um grande estrondo. Virei-me assustado, e deparei-me com o meu gato, posicionado junto da porta, numa posição bípede e com as patinhas superiores estiradas, como se fosse um felino crucificado. Os olhos amarelos do gato quase que saltavam das órbitas e todo o pêlo estava eriçado, como se tivesse saído de uma máquina de lavar. Espantado, perguntei ao gato:

- O que se passa Bonifácio? A gata do terceiro andar ainda te causa ânsias ou foi o novo namorado dela que te deu uma tareia?

- Não! – disse o gato baixinho e a olhar assustado para todos os lados.

- Sabes que já esqueci a Miss Campanário há muito tempo e pouco me importa que ela ande com aquele vira-latas do Glésias… (A Miss Campanário é uma gata fofa e vaidosa, antiga namorada do meu gato, que agora anda metida com um gato matreiro, cuja patroa é a D. Rosa, uma viúva socialista que vive no rés-do-chão)

- O problema, meu estupor, é que estamos novamente tramados! – respondeu o gato a tremer. - Então não sabes que o Presidente Paulo Cafôfo vai-te meter um processo em Tribunal. Vi nas notícias!..

Mal falou nesse temível nome e nos tribunais do Santo Ofício, senti quase um desfalecimento. Olhei para o gato aterrorizado e para o pequeno Pai Natal iluminado, e toda a sala começou a girar à volta, como se eu estivesse metido num carrocel do antigo Parque de Diversões do Almirante Reis. Instintivamente, agarrei rapidamente o Bonifácio, e fomo-nos refugiar debaixo da mesa da cozinha.

Cheios de medo, agarrámo-nos um ao outro, e senti as patinhas fofinhas e quentes do meu gatinho em volta do meu pescoço, como a me querer proteger de todos os males deste Mundo. E ficámos assim agarradinhos, a tremer por todos os lados, até que por volta das 4 horas da madrugada sentimos que algo arranhava a porta. Borrados de medo, eu e o meu gato encostámo-nos aterrorizados a um dos “canelos” da mesa, e baixinho o Bonifácio murmurou:  

- Não te mexas, desgraçado! Deve ser o Cafôfo que já traz o processo judicial contra ti, nestas coisas ele não brinca! Cá para mim ainda consegue ser pior que o Alberto João! Quando estavas na Câmara queriam meter-te num barril de cimento, como fazia a máfia siciliana, e escapaste nem sei como, e ouvi dizer que já ameaçaram o director do Jornal da Madeira de demissão, e na 5º Comissão, sobre “Catástrofes Naturais e Incêndios”, o Cafôfo queria pedir a Omertà (código de silêncio da Camorra), a todos os deputados. Já te avisei para não te meteres com essa gente, e andas sempre para aí a abrir o bico, seu mariola... e depois andamos nisto…

Repentinamente a conversa foi interrompida por um novo arranhar violento, seguido de uns longos bramidos, que pareciam provir de uma criança em desespero misturados com uns arrufos felinos. O sangue gelou-se-me nas veias e agarrei-me desesperado ao Bonifácio. E mais zangado que assustado, o gato sussurrou entre dentes:

- Não te assustes, é o maldito do Glésias a montar a Miss Campanário. Eles fazem isto para me arreliarem e para me meterem medo… Cabrões do raio!

Quando a manhã chegou, a luz do sol iluminou a cozinha e o velho fogão, e se alguém espreitasse para debaixo da mesa, veria uma enternecedora cena de um belo gato dormindo com o seu dono, e nunca se aperceberia que sobre aquelas pobres criaturas de Deus, paira uma terrível ameaça, muito pior que as cruéis hordas do Huno Átila e seus ferozes guerreiros pelados.

GIL CANHA