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domingo, 7 de março de 2021

 


CRÓNICA


JUVENAL XAVIER                                                                                  





A BOLA É MAIS REDONDA

DO QUE O MUNDO 



 

 O jornalista do desporto e o jornalista da política (quer no estádio de futebol quer no palácio do governo) pisam o mesmo terreno escorregadio e acidentado, onde cada vez mais se misturam, perigosamente, notícia e espetáculo. É um desafio de prognóstico difícil que se disputa com evidente acidez entre a maioridade e a menoridade da informação desportiva, supostamente isenta e imparcial, sob a arbitragem do grande jornalismo. 

A que conclusões poderemos, verdadeiramente, chegar no planeta do futebol que gira à volta da doutrina do poder incontornável de uma bola? Se para se evitar qualquer mal-entendido – habitualmente nada se confirma e nada se desmente – nesse caso a resposta, invariavelmente, é a todas e a nenhumas. 

A culpa é sempre da bola. Porque bateu na mão e diz que foi a mão quem bateu nela.

  

Por mais chuva que apanhe e por mais pontapés que leve da esquerda, do centro e da direita, a bola, segundo Jean Giraudoux, é “na vida a coisa que mais facilmente escapa às leis da vida.” Já Pascal Boniface, em A Terra É Redonda Como Uma Bola, é de opinião de que “à semelhança de Janus (deus romano), o futebol é um deus com duas faces, capaz do melhor e do pior.” 

Agora já não é a bola de meia, nem a bexiga de porco, nem a cacetada, pela medida grossa, num encontro de braçais e marinheiros com regras indefinidas, no fim de semana à inglesa. Nem o futebol da má fama, proibido por Eduardo II (1284/1327) preocupado com "a segurança do reino" ou "esta ociosa atividade" para Eduardo III (1312/1377). Nem o tempo dos campos quadrados com uma cerejeira, um choupo, um pinheiro e um salgueiro em cada canto. 

O jornalista Mário Zambujal (Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e autor da Crónica dos Bons Malandros), ao lançar um olhar sobre o futebol, questiona-se: “Não sei que raio de segredo terá essa coisa bizarra e mais ou menos fútil chamada ‘futebol’ para assim driblar todas as diferenças – históricas, raciais, económicas, climatéricas –, fintar a política, desarmar a lógica das coisas e instalar-se na grande área do Mundo.” 

E o fenomenal gol de placa (de Pelé, claro) expressão do jornalista brasileiro Joelmir Beting, quando o Rei passeou entre 7 jogadores tricolores do bairro das Laranjeiras, mais o emblemático goleiro Castilho (com um drible da vaca), e foi aplaudido de pé por 130 mil no Maracanã, onde o Santos bateu o Fluminense, por 3-1, há 60 anos, a 5 de março de 1961? 

Na história oficial da FA (Football Association/1863), lê-se: “O futebol está na mesma linha do idioma inglês, da versão autorizada da Bíblia, da origem das espécies de Charles Darwin, do meridiano de Greenwich ou de coisas básicas da sociedade moderna como o computador ou o selo postal.” 

O futebol (produto altamente telegénico, grande montra, ground) tem de ser entendido como facto sociológico, meio de aculturação, lição de pura ética. Uma grande lição de vida por ser (ou poder ser) uma forma particular de vida. 


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