A Madeira e a Catalunha

Tive já ocasião de referir publicamente quanto esta questão da Catalunha prejudica a causa da necessária descentralização POLÍTICA, pois é mais um pretexto para os clássicos Estados soberanos, mormente desde a crise financeira global de 2008, virem de novo reforçando o centralismo. 

O que é evidente na Europa, para já não falar da triste realidade portuguesa.

Federalista que sou, quer a nível europeu, quer integralmente ao nível português, é preciso dizer à hipocrisia política dos Estados membros da União Europeia que deixem de nos enganar com os discurso medíocres e repetitivos sobre a “construção europeia”, e que passem de imediato à sua efectivação, através de um modelo federal europeu.

Este modelo, em boa lógica de organização político-administrativa, depois repercutido e desenvolvido aos níveis nacionais, regional e autárquico. 

Claro que o capachinho do governo catalão acaba de prestar um grande serviço aos centralistas e colonialistas europeus, ao lhes dar de bandeja pretextos repressívos com as decisões infundamentadas jurídica e legitimamente que tomou.

Há duas coisas que até agora não foram percebidas, tanto pelos centralistas e colonialistas europeus, como pelo aventureirismo independentista.

A primeira é o Estado moderno. 

Vive-se ainda no modelo jacobino de Estado, herdado da Revolução Francesa nos finais do século dezoito. Desde então, montou-se um centralismo entregue a “vanguardas iluminadas” com os poderes de coação que o Estado lhes permitiu em todo o território. 

Depois, no século XX, o modelo marxista, de oposição à cultura libertária herdada da Revolução Francesa, recorreu ainda com maior violência e absoluto totalitarismo, também ao centralismo de Estado, igualmente conduzido por “vanguardas revolucionárias”.

O mesmo se diga, nesse século, dos modelos políticos ensaiados por regimes fascistas.

Hoje, em pleno século XXI, as sociedades europeias são completamente diferentes. 

A alfabetização generalizou-se. As pessoas têm um acesso à informação sem precedente, mormente graças ao desenvolvimento acelerado das novas tecnologias. A liberdade de escolha individual institucionalizou-se apesar das tentativas de massificação por parte das oligarquias que controlam os Estados. A Cultura já não é privilégio de poucos.

Portanto, o Povo soberano, no qual o Estado democrático deve assentar, é muito diferente do existente nos três séculos anteriores.

O Povo tem um Conhecimento e uma preparação que Lhe dá uma legitimidade, um direito e uma vontade de maior participação e intervenção na vida pública, dispensando a necessidade de seguir  “vanguardas” como nos diferentes modelos políticos do Estado post-Revolução Francesa. 

E tal participação e intervenção processa-se através da Subsidiariedade, daí a necessidade de quatro níveis para tal: o europeu, o nacional, o regional e o autárquico. O Federalismo estabelecido ao plano destes quatros escalões. 

Precisamente o que não querem os actuais e reacionários Estados centrais e respectivas “classes políticas”, e as oligarquias que os tutelam. 

Daí que todo este atabalhoado, demagogia e irresponsabilidade da “independência” da Catalunha, constitua presente em badeja de ouro, ofertado aos centralistas e colonialistas na Europa. 

A segunda coisa não percebida, principalmente pelo aventureirismo independentista, é que o mundo transformado em aldeia global, é um facto inevitavelmente cada vez mais consumado no futuro. Não perceberam que uma União Europeia federal não pode albergar movimentos auto-fracturantes sob pena da inviabilidade do projecto global. 

E, depois, há nisto o primarísmo político de confundir Nação e Estado. Seja a Catalunha, seja a Madeira, a comunhão social de objectivos mantém-nos unidos e fortes nas grandes e justas movimentações ante o Estado central. O Estado é um instrumento social diferente. Assenta em necessários mecanismos democráticos que dividem, separam, conflituam, como sejam os partidos, os órgãos políticos, etc. 

Por exemplo, a Madeira, para a democracia do regime, obviamente que tem de viver as usuais liturgias e mecanismos políticos próprios do Estado português. 

Mas isso não apaga os nossos sentimentos justos e comuns contra certos tratamentos que nos são impostos pelo Estado central: Autonomia limitada; dívida pública cujo pagamento nos é exigido depois do que o Estado Central nos sonegou durante mais de cinco séculos; o tratamento discriminatório em toda a questão dos transportes e respectiva violação do Estatuto Político-Administrativo; o não cumprimento da Constituição da República em matéria de Educação e Saúde; o protelamento no honrar dos compromissos que os Órgão de Estado assumiram; o constante e pernicioso adiamento das questões que a Região Autónoma suscita.

Seguirmos o exemplo catalão?

É o que a hipocrisia de certa Lisboa adoraria, para nos impôr um regresso ao passado, anulando as obrigações que lhe falta cumprir ante o Povo Madeirense.

Funchal, 31 de Outubro 2017

Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim