Petulantes ao poder,
desempregados
ao parlamento
Quando havia
Esquerda na Madeira, os níveis de sabedoria e desprendimento dos políticos
respeitavam os mínimos aceitáveis. Figuras reconhecidamente honestas e
empenhadas na causa pública revelaram, em vários momentos do chamado processo
democrático, pensar no colectivo em prejuízo irremediável dos interesses
pessoais, resistindo inclusivamente, com as excepções de alguns oportunistas, aos cantos de sereia sussurrados a partir do mar laranja.
Esses
intérpretes da Esquerda genuína eram insuficientemente reconhecidos na hora das
urnas pelo eleitorado interesseiro que ainda persiste na Madeira. Mas
impunham-se ao respeito. Ninguém os podia chamar abutres, traidores, corruptos,
mentirosos, anti-democratas ou egoístas.
A qualidade
dominante e o amor às causas dos seus militantes enobreceram a Esquerda
madeirense, obrigando a Direita, conquistadora do poder por via do
conservadorismo rural e da pressão clerical, a recrutar também quadros com os
mínimos qualitativos para o duro combate político-partidário da época.
O resultado
foi um debate desigual na democracia à madeirense, muito difícil para os
opositores de esquerda, mas renhido. A democracia não era de boa
qualidade. Por isso mesmo os políticos de esquerda precisavam de puxar pela
criatividade para lhe sobreviverem.
Parece que
foi ontem, mas passou muito tempo.
Concluído um
ciclo de 3 décadas, constatamos desiludidos que a mudança operada nos últimos 3
ou 4 anos não serviu para relançar a democracia, a autonomia e a sanidade
mental do povo que vinham de um estado de degradação agravado no estertor do
desenvolvimentismo. Com culpas atribuíveis a vários divisores.
O outrora
maioritário e autoritário PSD-Madeira despenhou-se no abismo e não sabe como
nem quando será o choque no chão.
O CDS-PP,
eternamente rejeitado por um centro-direita ocupado pelo partido da seta, caiu
também no vazio total, sobrevivendo, moribundo, ligado a esperanças adiadas
sine die.
Quanto à
Esquerda, já não há.
Em 40 anos,
o PCP não cresceu nem mingou. Como um clube fechado entre paredes de chumbo.
O Partido
Socialista, desde cedo usurpado e usado por uma das sensibilidades mais
influentes e silenciosas dentro dessa família política, a sensibilidade caviar,
descambou para pior. Se o PSD-Madeira desconhece o que seja a
Social-Democracia, temos um Partido Socialista sem Socialismo. De caviar, a
rosa derivou directamente para um teddy-socialismo para o qual as igualdades
sociais consistem em dar boa vida à sua clientela aparelhista e abrir portas ao
grande empresariado amigo, contribuinte na hora das despesas eleitorais.
Na Madeira,
dá-se o estranho caso de os eleitores assumidamente votarem pela cara dos
candidatos e pelo jeito que estes tenham de cumprimentar as pessoas na rua. É o
que o povo diz à frente das câmaras. Todos ouvimos. Grande elogio para
os protagonistas! Ninguém quer saber de princípios ou de projectos.
Perante o
vazio, será que os políticos agem com honestidade, tentando puxar a mentalidade
popular para cima? Não. Até os "progressistas" imitam as modas que
tanto criticaram no passado: oferecem o que o povo quer.
Como combater a péssima receita da política actual? Antigamente, quem pensasse diferente era 'comuna'. Agora, quem não adere à moda é 'laranjinha'. Os processos não se alteraram.
Como combater a péssima receita da política actual? Antigamente, quem pensasse diferente era 'comuna'. Agora, quem não adere à moda é 'laranjinha'. Os processos não se alteraram.
Temos um
governo regional que não age nem reage. O que é grave. Agora que no dia 1 de
Outubro todos os alarmes puseram tachos e mordomias no vermelho, o partido
do governo teve de dizer alguma coisa. Metendo os pés pelas mãos, o que se
tornou vulgar. Albuquerque, depois de dizer que as autárquicas não tinham
relação com o governo, anunciou limpeza no governo. Umas horas, depois,
alastrou a purga aos directores regionais.
Se não foste
tu, foi teu pai - disse o lobo cinicamente ao cordeiro à beira do riacho.
É senso
comum que o governo precisa de renovação. Então porque deixar arrastar tanto
tempo e confundir uma reacção estratégica governativa com maus resultados numas
autárquicas?
Nas
Angústias e na Rua dos Netos, ora dizem uma coisa, ora o seu contrário. Com
toda a ligeireza. O PSD não perdeu as municipais, mas houve erros e é preciso
sanear quadros culpados.
Por falar em
culpados... Quem foi que constituiu o este governo tão precisado de limpeza?
Quem é que continua a teimar em colar-se a Pedro Passos Coelho, justa ou
injustamente diabolizado pela maioria esmagadora dos madeirenses? Quem foi que
andou a falar em mudar o Hospital para Santa Rita, deixando-o porém apodrecer
na Cruz de Carvalho como mais uma alta problemática? Quem prometeu ferries?
Mobilidade a pataco? Quem é que depois de dois anos de governação totalmente
nova ainda não fez nada que se veja? Tudo isso será resolvido mudando
directores regionais ou de serviço, adjuntos ou secretárias pessoais?
A comissão
política de Albuquerque deitou as responsabilidades da derrota (foi derrota ou
não foi?) à deficiente comunicação do partido com os madeirenses. Estão todos
preocupados com a profissionalização dos adversários ao nível comunicacional,
numa referência clara ao espavento das agências de propaganda na campanha de
Cafôfo. Deste modo apreensivo, Albuquerque resolveu
"profissionalizar" também o estilo de comunicação das suas hostes.
Mas defronta-se com um grande problema: ele não tem nada para comunicar aos
madeirenses. E é fatal quando se trata das formas esquecendo os conteúdos.
Albuquerque
pretende reconquistar a simpatia popular perdida. Arranca tarde. Paulo
Cafôfo já zarpou rumo a 2019 e as "pessoas" não descobriram o seu
zero-conteúdo. Um dia, o Xerife dos futuros 'mossos de esquadra' também será
traído pela aridez do pensamento. Esconder a falta de ideias com slogans sobre
ideias é táctica para curto prazo. Mas por enquanto beneficiará da paixão do
eleitorado perante a cara do candidato. Ou seja, sem conteúdos de parte a
parte, neste momento mandam as formas mais bem conseguidas de Cafôfo num estado
de graça que se prolonga. Albuquerque não se pode queixar: cresceu na simpatia
popular durante duas décadas assente na simples frase "penso pela minha
cabeça", embora nunca mostrasse um pensamento engenhoso e surpreendente.
O actual
presidente do governo disse que nos resultados do dia 1 não havia drama.
Mas há. A queda livre tornou-se vertiginosa e ele só resolveria esse problema
se tivesse mostrado a coragem de tornear os obstáculos estatutários para
antecipar o congresso ou convocar um extraordinário. Se aparecessem
concorrentes à sua liderança, entrava na disputa. Se perdesse, era actuar como
mandam as boas regras políticas: aceitar o resultado, desejar boa sorte ao
vencedor e desandar para penates. Se vencesse ou não aparecesse rival, eis que
se estribava em toda a legitimidade, toda a força do partido para uma
recandidatura reforçada e natural em 2019. Como fez, deixa-se cozer durante
dois anos em lume brando, fragilizado, sem dinâmica de vitória, chegando
ingloriamente chamuscado às legislativas.
Albuquerque
vai descendo, porque a 'comunicação profissionalizada' será novo fracasso. Já
ninguém suporta o PSD e não vemos capacidade para reviravolta, mesmo que
voltasse o tempo da meia vaca pendurada com o garrafão ao lado.
Na outra
pista da corrida, o 'sr. Sorrisos da câmara'. Se o Xerife, porque 'o Cafôfo não
tem culpa', for atribuindo as suas borradas monumentais ao trabalho anterior de
Miguel Albuquerque, Fernão de Ornelas, Feiticeiro do Norte e Visconde da
Ribeira Brava, disfarçando e ofuscando essas suas proverbiais trapalhadas com o
sorriso votado absolutamente pelo povo, continuará subindo na popularidade. O
almocreve-das-petas do Largo do Colégio, incorrigível e simpático mentiroso a
pregar Confiança, interiorizou a ideia de que já se impôs como a nova
quinta-essência da política regional. E não olhará a meios para subir mesmo ao
top da política tabanqueira, porque, como outros obcecados pelo próprio umbigo,
acha isso uma honra. Mentalidade de regedor que não vê além da aldeia escabrosa
e recôndita.
Sendo ainda
novo, o Xerife tem tempo para treinar o pensamento político. Será um trabalho
árduo para chegar a jacaré, como diz o povo, e é se alguma vez lá chegar.
Bastou ouvi-lo nos penosos comícios da Confiança. Basta passar os olhos pelos
vazios artigos de opinião que põe na imprensa - redacções de 4.ª classe
polvilhadas com umas desconexadas frases da net, metidas a martelo na
actualidade regional sem contexto perceptível. Nessa vacuidade é bem
acompanhado por Albuquerque, já agora.
Assistiremos
até 2019 a uma corrida entre estes dois teddy-boys. Miguel Albuquerque surge
presentemente em situação mais desconfortável. Cafôfo ameaça ultrapassá-lo pela
esquerda, mercê do seu populismo pepsodent em moda, e pela direita, levando as
garantias sociais aos mais necessitados, os tais "geradores de
emprego" da grande construção e do alto empresariado - que nunca geriram
os seus negócios tão livres de estorvos.
Temos
case-study para quem tiver curiosidade e estômago.
Mais abaixo
ainda, a caça ao lugarzinho no parlamento regional começou. Por um lado, uns
carreiristas em busca do tacho que é a razão de ser da sua militância política.
Outros para conquistarem ou conservarem palco. Finalmente, uns quantos ingénuos
embalados na ilusão de mudar a Tabanca.
O instinto
de sobrevivência tem mostrado de tudo. Cambalhotas, contorcionismo, trapézio,
malabarismo. Vemos por aí incendiários conhecidíssimos, disfarçados de
bombeiros, a mandar mangueiradas de gasolina ao fogo. Vimos também há pouco invocar
o nome de um ícone político já desaparecido da vida e que continua a merecer o
nosso profundo respeito pela pureza da sua luta democrática em vida - vimos
esse nome invocado logo por quem mais o devia resguardar com todos os cuidados.
Não houve o respeito que se impunha e se impõe: o ícone foi usado publicamente
ao serviço da campanha eleitoral de uma corja de oportunistas que ele hoje não
só não apoiaria como combateria. Foi uma atitude egoísta que muito nos
entristeceu.
É dramático:
os experientes, que tínhamos por mais coerentes, não contribuem para melhorar o
nível da política; preferem jazer no vazio em que ela se tornou.
O que um prato de lentilhas faz!
Raio de
artigo. Mas sim, isto é assumidamente saudosismo de quando havia Esquerda na
Madeira.
15 comentários:
Nesta crónica é muito desvalorizado o eleitorado a quem é passado um atestado de minoriedade e incompetência.
A nossa realidade tal como ela é. Muito bem, Sr. Calisto!
11.51
Sim, sim, e é isso que quero dizer. O eleitorado continua como há 40 anos: menor e incompetente. Aliás, piorou: em tempos, o eleitorado nem sabia o que era política; agora, depois de décadas de experiência, continua menor e interesseiro.
Veja o nome de alguns partidos e de alguns candidatos a quem o povo ignorante deu votos a 1 de Outubro.
Qual eleitorado? O que vota ou o que se abstém? Enfim... não basta falar da maioridade e da sabedoria do povo...
Só mais uma achega: a maioridade e a sabedoria do povo está bem visível nos agradecimentos públicos e efusivos que um certa elite local faz a propósito da comemoração de mais um ano de existência de um jornal. Sui generis... Maioridade? Inteligência? Pelo amor de Deus!
O povo vota a quem lhe dá espetada, vinho seco, um saco de cimento, um cabaz de compras, etc.
Não tem qualquer exigência ideológica.
A oposição é a porcaria do costume, tem péssimos quadros na sua maioria, e o PSD vai dando tiros nos pés uns atrás dos outros.
Manda para a comunicação as falhas que levaram a uma derrota, quando está à vista de todos que os erros são de estratégia e de protagonistas.
Quando era necessário uma resposta rápida fazendo alterações no governo, de pessoas e de orgânica, há uma calma incompreensível, uma vagareza, dando uma imagem de deixa andar. Até parece que ainda não foi encontrada a estratégia certa. Parece que por ali ninguém sabe ler uma bússola.
Outro tiro no pé, é a inenarrável ausência anunciada do presidente do governo nas tomadas de posse dos autarcas eleitos. Então quem se queixa das falhas de comunicação não percebe que tem a obrigação de estar presente em todas as tomadas de posse, a todas sem excepção ? É difícil perceber isto ?
Tenho por aqui escrito que Albuquerque está rodeado de assessores quem não percebem nada de política, que são uns incompetentes.
Mas começo já a pensar que Albuquerque tem vindo a perder qualidades.
Tudo isto denota uma elevadíssima falta de faro político. É gritante e incompreensível.
Assim é impossível o PSD-M dar a volta.
Castro dos avais do Jardinismo chegou a vereador no Porto Santo.
Brilhante. Parabéns! Para quando uma análise cuidada do estado da comunicação social na Madeira?
Caro Calisto, é verdade o que diz, mas também é verdade que o posicionamento de ser politico e comentarista também mudou. os tempos são outros e V. ex.a está saudosista mas o povo agora quer mais presença humana do que que programas é a realidade. portanto, fico feliz por fazê-lo mas tb acho que o que exige a eles aoas politicos e ao povo está dasatualizado
Duarte Freitas
Caro, a sua análise à falta das esquerdas está incompleta. Digo eu... Então a UDP da Madeira, renomeada de BE, o que faz neste panorama? Foi esquecimento ou é propositado? Estão, ou são, melhores do que os outros? Paulo Martins foi um homem de luta, mas o que resta? Guida? Almada? Trancoso? Esses também "não cresceram nem mingaram". Vão servindo de bengala conforme dá jeito. Ora do PS, ora da imprensa com o objectivo de reduzir o voto militante no PCP, que dá sempre jeito.
Caro António Gouveia
Vai ter de ler o artigo até ao fim.
Tenha paciência e faça um esforço.
Sérgio e Eduardo demitidos.
Entra a Cabaço que foi destratada publicamente pelo Albuquerque, e o Amilcar.
É gente do Manuel António a avançar no terreno.
Albuquerque pensa que ao nomear gente para agradar Alberto João vai ganhar o partido.
Santa ingenuidade.
Caro Calisto, muito bem como quase sempre. No que me toca e como eleitor, já votei PSD, CDS, JPP, branco, nulo e também já me abstive. Não acho que seja excepção regra é para mim, os eleitores sempre souberam votar. Por alguma razão, as votações têm variado e muito nos anos mais recentes e se as regionais fossem amanhã, depois de mais esta remodelação do MA, ficaria ainda mais surpreendido. Ficaríamos todos, ou não.
Podem fazer os comentários que bem entenderem. Na Madeira quem manda de verdade é o Grupo Sousa. Tira e mete vereadores, tira e mete secretários, LMS é o Governador e Albuquerque e Cafofo os seus funcionários. Por isso respeitinho!
Amigo Calisto, agradeço a recomendação, mas já tinha lido e relido o artigo. Apenas fiz o reparo porque como nomeou explicitamente os partidos do sistema, julgo, na minha modesta opinião, que fazia falta uma referência directa ao BE nos mesmos moldes que fez em relação aos outros. Mas estou plenamente de acordo no que diz respeito à mediocridade presente na esfera política da esquerda regional.
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