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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 

ESTÓRIAS 


JUVENAL XAVIER                                                                                  





"OLHE QUE NÃO, OLHE QUE NÃO" 



 

A conversa ia delicadamente com muito chá. Falava-se polidamente de política. Como noutrora; como uns senhores. Numa espontânea unanimidade, clarificou-se que os partidos não precisam de indesejáveis claques como no futebol; nem, tão-pouco, de beatas de sacristia ou de encantadores de serpentes.  

Desfolhando um passado aqui bem perto, mesmo 46 anos depois, como 6 de novembro de 1975 (que parece ter sido ainda ontem), dia do “Frente a Frente” de Soares e Cunhal, na RTP a preto-e-branco, moderado por Joaquim Letria e José Carlos Megre, que durou 3 horas e 40 minutos. Caiu no goto de um país num Processo Revolucionário em Curso (PREC) a inesquecível tirada do líder comunista em jeito de desforra ao seu inimigo íntimo: “Olhe que não, olhe que não!” 

O debate na televisão nas campanhas eleitorais é (e só podia ser) obra americana com 61 anos. A estreia, na CBS (Columbia Broadcasting System), foi a 26 de setembro de 1960, entre o senador John F. Kennedy e o vice-presidente Richard Nixon. JFK virou estrela para 74 milhões de ianques.  

Um ano após o 25 de Abril, 91,7% dos eleitores votaram euforicamente. Éramos 6,2 milhões em longas filas nas urnas. 37,9% para o PS (Mário Soares), 26,4% para o PPD (Sá Carneiro), 12,5% para o PCP (Álvaro Cunhal) e 7,6% para o CDS (Freitas do Amaral). Ninguém ficou em casa. Foi a vingança de 1973, na Primavera Marcellista, com a Oposição Democrática sem condições de ir à luta, apesar da simulada abertura das ideias “para inglês ver”.  

Já há mais de quatro séculos, Camões via com antecipação: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.” Na reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa (2021), 60,8% dos portugueses, de uma forma ou de outra, viraram simplesmente as costas, secundarizando o poder do voto, ignorando o quanto custou a conquistar, mormente para as mulheres. Os comentadores, nestes tempos, passam uma esponja e arranham teorias para relacionar a indiferença com as diferenças entre presidenciais, legislativas e autárquicas. É uma desculpa, cientistas da política!  

Com uma simples cruz, agora e não como antes, avaliamos quem tem o poder nas mãos. E podemos, democraticamente, retirar esse poder. Não há uma escala de valores nas eleições. Isso – custa dizer – é fazer a cabeça do povo. Povo que, quando quer, também sabe dar o nó na gravata. 

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