ESTÓRIAS
JUVENAL XAVIER
O ILIMITADO LUGAR
DO PRESENTE
E quando o encanto sem fim se desencanta num instante mágico? Tudo se desfaz em nada como o espelho que se desprende da parede e estilhaça-se sem remédio. Os olhos caem perdidamente num chão feito de pedaços que nunca se juntarão. Num soluço, esvazia-se o resto do fundo da alma. Nem um pingo sequer; nem uma lágrima vazia. Apenas, friamente, o peso de uma dor que se carrega sempre.
O futuro não é o que há de vir amanhã de manhã. Não é o mesmo do que um futuro já desenhado pelas estrelas. É a construção permanente do ilimitado lugar do presente. Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha) diz-nos: “É preciso fazer um esforço contínuo para amar o presente. Viver pelo passado, pelo que se fez, pelo que se conseguiu, é o mesmo que alimentar uma fome premente com banquetes de outrora.”
Olho com carinho para o tempo a passar com a pressa que só ele tem. Há horas que demoram quando se espera com inquietação; outras, nem temos conta, porque nos enchem de novos e velhos sonhos. Não é um balde de água fria que faz encurtar o caminho para a floresta do encantamento. Ter de voltar atrás perturba a consciência tranquila. Valha-me a lucidez dos cabelos brancos: devagar que tenho pressa. Pressa que atrapalha e sobra menos tempo.
Deixo escorregar vagarosamente pela alma o amanhecer do dia, seja verão ou inverno. Porém, para o poeta brasileiro do século XX, Carlos Drummond de Andrade, “o outono é mais estação da alma do que da natureza.” As estações já não se parecem com o que eram; confundem-se mais e mais.
O tempo perdeu o Norte? Por este mar abaixo não é mais o Sul?
1 comentário:
"Tudo se desfaz em nada" é verdade! Mas é preciso saber que há sempre um amanhã! Cabe a cada um de nós preencher esse amanhã!
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