JOÃOZINHO BALANTA E OS SOVOKS
Dia 12 de Dezº de
1967, embarquei no Funchal com destino a Bissau. Outros militares já vinham de
Lisboa, fôramos mobilizados em rendição individual. Iríamos cumprir os dois
anos de comissão, na BAC 1, uma unidade Guineense, em tudo igual às unidades
metropolitanas e, por isso, as praças, eram guineenses. Logo fomos despachados
para o interior, o último a partir fui eu, nos primeiros dias de Janeiro.
Recordo o caso de
Joãozinho Balanta que reputo exemplar.
A incorporação de
homens a partir da população nativa respeitava os costumes. A primeira
consequência é que a remuneração auferida pela tarefa desempenhada na tropa era
um elemento de distinção, pela positiva, na comunidade de origem. Ganhavam a
condição de ”abastados”. Andaria pelos seus trinta e poucos anos e a sua
filosofia de adesão à tropa, resume-se nisto: Tropa manga (crioulo para muito)
de bom. Tropa tem tudo, tem bianda (arroz), doutor, mezinhas (medicamentos) e
patacão (dinheiro). Frase textual dele: “tropa” não tem mulher, mas com
patacão, Joãozinho, compra bajuda (mulher jovem). Se bem pensou, melhor
executou. No fim de Janeiro de 1968, veio a Bissau de férias. Regressou um mês
depois acompanhado pela bajuda que o patacão disponível lhe permitiu negociar
com os pais. A volumosa bajuda transformou-se numa dor de cabeça para mim.
Joãozinho tinha de ir para o seu posto de sentinela, e quando isso acontecia…
Lá tive de refazer as coisas e convencer os soldados – alguns deles também com
mulheres e filhos - que o Joãozinho, à noite, ficava em casa.
Dos quatro obuses,
dois foram transferidos de quartel. Coube em sorte ao Joãozinho e a mim
próprio, sermos transferidos. A distância entre os dois quartéis andaria pelos
9 a 10 Kms. Porém, as minas eram uma arma temível e, para reduzir a hipótese de
encontros desagradáveis, saía tropa dos dois quartéis, e a meio caminho,
encontravam-se. Fazia-se, tão rapidamente quanto possível, o transbordo das
pessoas, seus bens – a minha gente transportava a família as galinhas e todos
os outros seus pertences ocupando muito espaço nas viaturas - e ainda os obuses
e munições. Já no quartel de destino Joãozinho vem queixar-se do furriel da
Cavalaria. O furriel “pegara a bajuda pela “bunda”. Lá argumentei com o risco
de demorarmos e o “pessoal bandido” poder aparecer. Logo ouvi: não meu alferes
se era preciso empurrá-la pela bunda, o nosso furriel chamava o furriel da
Artilharia. Ali tinha eu pela frente um “brioso militar” que não admitia um
desvio aos mitos com que lhe tinham enchido a cabeça! Começavam no cartaz da
propaganda JUNTOS VENCEREMOS e acabava nos cobres a mais com
que ele se exibia na tabanca. O Joãozinho representa o cidadão comum. Aquele
que aceita as regras de quem manda e procura adaptar-se da maneira que lhe
pareça mais lógica, pois a vida são dois dias. Entre o mato na guerrilha, onde
tinha amigos e familiares com vidas difíceis, a opção dele pela “tropa” era
inteligente. Garantia tudo, até patacão.
Vi-o recriado no
“Manelhinho Povo Superior” décadas mais tarde. O slogan colonial, JUNTOS
VENCEREMOS, apelando à Paz e união foi substituído pela “guerra” e divisão
com a criação do mito dos “Cubanos” contra o Povo Superior”. O dinheiro fez a
sua aparição e “enricou” as populações rurais nas “obras” retirando-as da
“escravatura” e dando-lhes “pugressu”. Foi uma Festa! Porém, o mito sumiu-se.
As Obras pararam!
Finda a guerra os
guineenses reconciliaram-se. Pobres, como sempre haviam sido, voltaram às
tabancas. A bolanha não fugira, era só voltar a plantar arroz e criar animais
para sobreviverem. Ao pobre Manelhinho, as coisas ficaram bem mais difíceis. A
água de rega só existe na propaganda! Voltar a produzir é quase impossível. A
ficção dos subsídios engana ao criar ilusão de “riqueza” como, na Guiné, o
patacão em 1968. Muitos, não voltaram à terra, e escolheram o Hotel Estrela
para dormirem ou as Ilhas do Canal e Venezuela para emigrarem. A mentira
continua e, há um ano, que a propaganda promete uma lei que nos fará ricos a
todos! Aos Manelhinhos ninguém tem coragem de revelar a verdade dizendo:
Mentimos. Somos mesmo pobres.
Porém, há pior. É o
caso do homem comum soviético – O SOVOK – que tendo a cabeça cheia de
propaganda Estalinista não vê nada para além disso. Caiu o comunismo, mas eles
queriam o Estaline de volta. Preocupa-me que entre os infelizes Manelinhos apareçam
tantos exemplares de SOVOKS, obnubilados admiradores da “obra” em acelerada
degradação.
GAUDÊNCIO FIGUEIRA
5 comentários:
Lá como cá. Todos diferentes e todos iguais. É tudo uma questão de proporcionalidade.
Concordo consigo Fernando, mas os piores são SOVOKS.
Não é que depois de cair o tirano ainda pensam que é ele quem pode emendar a emendar a desgraça instalada?
Não querem abrir os olhos. Melhor dizendo, os olhos vêem mas as cabeças, "lavadas" pela propaganda, ficam enquistadas e os seres humanos anestesiados.
Caro Dr. Figueira
Pelo andar da carruagem, teremos para breve "O Regresso da Velha Senhora". Mas não no Teatro Baltazar Dias...
Pois é. Aí pesará muito a força que tenha o mito na cabeça no grupo dos sovoks existente dentro do conjunto dos "Manelhinhos".
Abram os olhos antes para não se queixarem depois, quando já for tarde.
Brilhante . estou a ver a figura do Joãozinho Balanta representada numa Placa de dentes careca do nosso funchal .
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