JUSTIÇA E DIREITO
GAUDÊNCIO FIGUEIRA
Justiça é algo que está para além do Direito. Todos
nós conhecemos a Justiça do Rei Salomão que, perante a reclamada dupla
maternidade de uma criança, não teve dúvidas na sentença. Nesse tempo, El-Rei,
emanação de Deus, era todo-poderoso.
Hoje, a vida colectiva rege-se por outras normas. Os
súbditos passaram a cidadãos e têm uns quantos direitos que convém exercerem,
sob pena deles estiolarem. A Liberdade sofreu aperfeiçoamentos ao longo do
tempo. Ater-me-ei à situação do nosso País na vigência da Constituição de 1976.
Aos partidos políticos cabe-lhes implantar um Estado de Direito em que
eleitores e eleitos se revejam nele, credibilizando as Instituições que o
corporizam e, garantindo condições dignas ao corpo de profissionais, não
eleitos, que fazem funcionar a máquina do Estado.
A Segurança de Pessoas e Bens é uma das principais
funções do Estado. É frequente surgirem, na comunicação social, factos que nos
deixam sérias dúvidas quanto a isso. Se, por um lado, não quero uma polícia sem
lei, também não quero ver condenado um agente da autoridade que, ao perseguir
uma viatura em fuga, atirou matando um adolescente que acompanhava o pai em
provável latrocínio, por outro lado, não é de bom presságio, termos visto
durante dias nas televisões, as populações assustadas com a proximidade do
cidadão Pedro Dias para depois, as mesmas televisões, lhe darem uns minutos de
fama em que zurziu a GNR. Tribunais e polícias são essenciais na protecção de
Pessoas e Bens, pelo que os dois casos nos deixam perplexos. Não sou juiz nem
polícia, mas tenho o direito/dever de me preocupar com estas anormalidades que,
em nada prestigiam o Estado de Direito.
Vai sendo tempo de, perante uma notícia, nos
interrogarmos sobre ela. Quase todos os dias lêem-se, ou ouvem-se, coisas
destas: os tribunais não funcionam, demoram nas investigações e são um entrave
à economia. A um ritmo assustador, também surgem notícias de casos de
criminalidade complexa que, pelo seu volume, ameaçam os fundamentos do
Estado.
Aqui chega a nossa hora de pensarmos. Pior, muito
pior, do que os dois casos de eventual conflito entre Polícias e Tribunal, são
outros mais sofisticados, por isso, ainda mais perigosos, a que há anos vimos
assistindo, perante o silêncio cúmplice da comunicação social. A situação
protagonizada pelos cidadãos licenciados em Direito, exercendo Advocacia e,
cumulativamente, a função de deputados é aberrante. Eles não se coíbem de, à
porta do Tribunal, captarem a simpatia da opinião pública para os acusados,
correligionários de partido, cuja imagem há que salvaguardar. Assim, prestam um
péssimo serviço ao Estado.
Pois, eu sei, estas coisas escapam-nos. Quem devia
alertar-nos, os média, vá lá saber-se porquê, preferem mostrar-nos o Pedro Dias
a ser preso ou produzir um texto contra o abominável sistema de justiça que não
funciona, fazendo coro com o Sr. Advogado/Deputado que à porta do Tribunal
dissera o mesmo. É assim que os meios de comunicação agem não indo ao fundo das
questões e criando factos que apelam à emoção.
A mesma escola que formou os Srs. Deputados/Advogados,
também formou outros licenciados em Direito que fazem a sua vida profissional,
exclusivamente, nos Tribunais, estando proibidos de exercer actividades
remuneradas fora deles. Eu, humilde cidadão a quem apenas resta votar, preciso
viver num Estado que funcione. Não se escondam os detentores do Poder
Legislativo por detrás do Judicial, como parece estar a acontecer. Retirei da
entrevista da Srª Drª Manuela Paupério, no Público do dia 3 Dez., isto: “…há processos que enxameiam os tribunais sem
necessidade, como as dívidas das portagens e de telemóveis. Por outro,
retiraram-se dos tribunais litígios relativos a contratos em que o Estado é
parte e em que a arbitragem até está estabelecida como sendo obrigatória.” Lido o excerto, ficamos de cabelos em pé. Acresce que a criminalidade
complexa, afogada em dinheiro, alastra pelo País e também nos preocupa a todos.
Os investigados nesses processos, dispõem de dinheiro para pagarem
principescamente a advogados. Nada a opor. Não podemos é calar-nos perante o
comportamento abúlico de deputados e partidos que assistem impávidos e serenos
à destruição do Estado, sem qualquer respeito por quem o serve e menos ainda
pelos eleitores.
Consumada a destruição vem a tirania. Temos de estar
atentos a esta comunicação social que, não sendo capaz de nos alertar para os
verdadeiros problemas, vai fazendo o jogo dos poderosos. Só assim, informados,
podemos exigir responsabilidades aos eleitos que, pelos vistos, andam
distraídos há anos.
3 comentários:
"Temos de estar atentos a esta comunicação social que, não sendo capaz de nos alertar para os verdadeiros problemas, vai fazendo o jogo dos poderosos."
Pois é verdade, caro Dr. Jorge Figueira. Mas como contrariar a desgraça se a dita comunicação social não é um serviço público?
Tal como uma trivial fábrica de cervejas, tem de pagar aos empregados, os impostos e demais encargos inerentes a qualquer negócio. E têm de apresentar resultados financeiros para que os donos não fechem a loja.
É uma boa questão a que coloca.
Lá vou eu, na cabeça dos SOVOKS anónimos que por aqui proliferam, passar de comunista a Salazarista.
O homem de Stª Comba sabia aquilo que era Serviço Público. Pensemos na CGD e CTT que ele deixou sempre como Serviço Público. A primeira quiseram privatizar, a outra privatizaram mesmo. Nos dois casos nós pagámos, continuaremos a pagar, o desvario na qualidade do serviço e nas contas públicas.
Será que nas campanhas eleitorais não podem, todos os "caçadores de votos", virem com uma proposta para Rádio, TV e jornal não enfeudados à manipulação de neurónios dos "votadores"? Tal como estão as coisas não temos Cidadãos temos apenas "votadores".
Não podemos deixar de alertar para a realidade. Foi aquilo que procurei fazer.
Gostei dessa dos votadores. Dá que pensar. Votadores só? Muito pouco.
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