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sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Reflexão


Geoposicionando 
o Mar da Madeira


Ricardo Meneses Freitas


A geopolítica e geoestratégia tem servido de mote para umas tertúlias partidárias que muito têm ajudado alguns proto-especialistas nas suas incessantes tentativas de ganhar protagonismo. Nessas tertúlias muito se ouviu falar da importância do nosso posicionamento geográfico, alvitrando oportunidades decorrentes do mundo PALOP e comunidades, com a tónica muito acentuada no nosso imenso mar. Um tipo sai destas tertúlias convencido que se a Madeira deixar de existir, todo o comércio marítimo terá de passar por um novo cabo das tormentas tal é a importância estratégica do nosso mar. É como se sem o Mar de Portugal, o Mundo ganharia um buraco delimitado pela proposta de alargamento da plataforma marítima portuguesa que destruiria todo e qualquer ensejo civilizacional humano. Portugal é mar, a Madeira é mar, o futuro é mar e fica todo embevecido com tanto mar. É tudo nosso!
Então o Blue Future está aí e não vemos nada?
Não, o Blue Future está aí, mas o barco passa completamente ao lado. Começando pela proposta de alargamento da plataforma continental, agora na mão do portuguesíssimo Guterres, que dá aqueles mapas tão giros e que fazem qualquer português arrepiar os pelos íntimos: O que está proposto, o tal mapa, corresponde a uma proposta de titularidade sobre o solo e subsolo oceânico, NÃO ALTERANDO EM NADA, a gestão da coluna de água subjacente que continuará sob o regime das águas internacionais. Por isso, com a proposta de alargamento, o território português aumentará, mas não o território marítimo que se manterá circunscrito pelas zonas económicas exclusivas atuais.
Mas aqui reside a primeira verdadeira oportunidade insular. O solo e subsolo marinho encerra um futuro económico promissor, nomeadamente pelas riquezas minerais (já identificadas) e biológicas que por lá jazem. No entanto, a proposta de aumento da plataforma marítima não está a ser delimitada por regiões, o que implicará a centralização das concessões para fora da ZEE em Lisboa. Isto é, a coerência geológica que é apontada na ONU para justificar a pretensão nacional não distingue a plataforma que é gerada pelos arquipélagos, ficando assim o solo e subsolo ganho com coerência geológica no todo nacional, mas não se refletido nas unidades de gestão que as justificam. Isto parecerá uma tecnicalidade, mas dita que importantes riquezas minerais já identificadas a nordeste da ilha da Madeira, fiquem sob jurisdição de Lisboa e fora da jurisdição da Madeira. Se a plataforma gerada pela Madeira for tomada em conta, o nosso território submerso estendera-se quase até ao Algarve seguindo as antigas ilhas geradas pelo mesmo ponto quente que gerou a Madeira e Porto Santo. Neste território estão alguns montes marinhos (alguns correspondendo às antigas ilhas agora erodidas) que são hotspots de biodiversidade conhecidos internacionalmente e alguns bancos de pesca fundamentais para algumas atividades madeirenses, como os bancos de pesca da espada preta.
E o que é que se passa na coluna de água do dito Grande Mar Português? Passa-se muito! A biotecnologia marinha está em franco crescimento e as atividades de prospeção multiplicam-se um pouco por todo o mundo. Entre bactérias e moléculas descobertas recentemente destaco a bactéria descoberta pela Biomedics (Startup Portuguesa) que vai revolucionar o multimilionário negócio das tintas marítimas e a descoberta de uma molécula que destrói o cancro da próstata (http://www.reuters.com/article/us-health-cancer-prostate-idUSKBN14916E). O que está a Madeira a fazer neste campo? Nada. O pouco que ainda é feito em Portugal vem dos Açores, de Aveiro, do Porto e do Algarve. Saliento inclusive a oportunidade perdida recentemente com a Madeira a ficar de fora do Polo Português do Laboratório Europeu de Recursos Biológicos Marinhos (https://www.publico.pt/2016/12/12/ciencia/noticia/ha-agora-um-polo-em-portugal-do-laboratorio-europeu-de-recursos-biologicos-marinhos-1754525). Se calhar a culpa é de Lisboa… Ou será de Berlim que tem unidades de I&D dedicadas em exclusivo à prospeção do mar português sem que nos passem cavaco? A culpa na Madeira é uma solteirona convicta e disso devem saber os diversos atores internacionais que fazem pesquisa nas nossas águas, tiram o que querem ao seu belo prazer, patenteiam o que descobrem fora das ZEE (para não serem obrigados a partilhar o conhecimento e os rendimentos das patentes) e levam assim milhares de milhões que podiam ser gerados cá. Caros estrategas geoposicionados, em vez das tenebrosamente vazias tertúlias, porque não se preocupam em pôr os famosos submarinos ao serviço dos nossos interesses fiscalizando o roubo tecnológico que todos os dias se passa nas nossas águas? (em vez de dizer por onde o submarino vai andar como atualmente…). Porque não se debruçam sobre a estupidez de termos a titularidade do solo e não da coluna de água? (faria sentido que o solo marinho do rio Tejo fosse português mas as águas não??) Dá trabalho é verdade, é preciso enfrentar países que praticamente não têm território marítimo e vêm cá parasitar o nosso. Que chatice!
Mas o Mar existe na RAM e até tem estado entretido! Senão veja-se a luta entre a subdireção do Mar (a dignidade que o mar merece na Madeira é uma subdireção regional…), que se apressa a criar estruturas de proteção marinha na Madeira e a Secretaria da Agricultura e Pescas que acaba de sobrepor espacialmente a exploração aquícola. Isto enquanto o dito Plano de Situação, que promete ordenar o espaço marítimo da RAM, se encontra a ser elaborado. Que grande ordenamento vai sair daqui quando as secretarias do próprio Governo parecem se atropelar mutuamente. No entretanto espero para ver como os cetáceos e a exploração  aquícola se vão contabilizar numa sobreposição espacial que se encerrará na Rede Natura 2000 (ver mapa - http://www.gov-madeira.pt/joram/1serie/Ano%20de%202016/ISerie-181-2016-10-17sup.pdf). É um mar de revolto!


5 comentários:

Anónimo disse...

Se considerarmos o número de missões que andam em prospecção e estudo nas águas territoriais portuguesas, e verificarmos a percentagem das que são nacionais, até coramos de vergonha.
Deixamos aos outros aquilo que é nosso.
E depois falam em economia do mar. Para os outros certamente...

Via Pública disse...

A única economia marítima que estes governos que por aqui têm andado reconhecem é por via dos portos, pelo turismo, pelo transporte de carga e pela pesca industrial...

Essa conversa toda que aí apresenta é como chinês para eles, porque não se enquadra no tipo de lucro fácil a que estão habituados a ter.

Quando os recursos naturais começarem notóriamente a darem de si e algumas das actividades económicas do mar vigentes começarem a sofrer com isso, aí sim, irão aparecer pessoas nas esferas do poder interessadas em ideias como estas.

Anónimo disse...

Falemos antes de caciquismos. Dos 300, valias por quantos? Será que nas próximas eleições os teus X dos 300 vão fazer a diferença?

Ricardo Meneses Freitas disse...

Caro anónimo das 05:17, vali 0 de 300 porque não era militante e nas próximas valerei 0 de y porque já não sou militante. Esclarecido?

Anónimo disse...

Por falar em mar:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/2675/1/Lopes_2009.pdf