Geoposicionando
o Mar da Madeira
Ricardo Meneses Freitas
A geopolítica e geoestratégia tem
servido de mote para umas tertúlias partidárias que muito têm ajudado alguns
proto-especialistas nas suas incessantes tentativas de ganhar protagonismo.
Nessas tertúlias muito se ouviu falar da importância do nosso posicionamento
geográfico, alvitrando oportunidades decorrentes do mundo PALOP e comunidades,
com a tónica muito acentuada no nosso imenso mar. Um tipo sai destas tertúlias
convencido que se a Madeira deixar de existir, todo o comércio marítimo terá de
passar por um novo cabo das tormentas tal é a importância estratégica do nosso
mar. É como se sem o Mar de Portugal, o Mundo ganharia um buraco delimitado
pela proposta de alargamento da plataforma marítima portuguesa que destruiria
todo e qualquer ensejo civilizacional humano. Portugal é mar, a Madeira é mar,
o futuro é mar e fica todo embevecido com tanto mar. É tudo nosso!
Então o Blue Future está aí e não
vemos nada?
Não, o Blue Future está aí, mas o
barco passa completamente ao lado. Começando pela proposta de alargamento da
plataforma continental, agora na mão do portuguesíssimo Guterres, que dá
aqueles mapas tão giros e que fazem qualquer português arrepiar os pelos
íntimos: O que está proposto, o tal mapa, corresponde a uma proposta de
titularidade sobre o solo e subsolo oceânico, NÃO ALTERANDO EM NADA, a gestão
da coluna de água subjacente que continuará sob o regime das águas internacionais.
Por isso, com a proposta de alargamento, o território português aumentará, mas
não o território marítimo que se manterá circunscrito pelas zonas económicas
exclusivas atuais.
Mas aqui reside a primeira
verdadeira oportunidade insular. O solo e subsolo marinho encerra um futuro
económico promissor, nomeadamente pelas riquezas minerais (já identificadas) e
biológicas que por lá jazem. No entanto, a proposta de aumento da plataforma
marítima não está a ser delimitada por regiões, o que implicará a centralização
das concessões para fora da ZEE em Lisboa. Isto é, a coerência geológica que é
apontada na ONU para justificar a pretensão nacional não distingue a plataforma
que é gerada pelos arquipélagos, ficando assim o solo e
subsolo ganho com coerência geológica no todo nacional, mas não se refletido
nas unidades de gestão que as justificam. Isto parecerá uma tecnicalidade, mas
dita que importantes riquezas minerais já identificadas a nordeste da ilha da
Madeira, fiquem sob jurisdição de Lisboa e fora da jurisdição da Madeira. Se a
plataforma gerada pela Madeira for tomada em conta, o nosso território submerso
estendera-se quase até ao Algarve seguindo as antigas ilhas geradas pelo mesmo
ponto quente que gerou a Madeira e Porto Santo. Neste território estão alguns
montes marinhos (alguns correspondendo às antigas ilhas agora erodidas) que são
hotspots de biodiversidade conhecidos
internacionalmente e alguns bancos de pesca fundamentais para algumas
atividades madeirenses, como os bancos de pesca da espada preta.
E o que é que se passa na coluna
de água do dito Grande Mar Português? Passa-se muito! A biotecnologia marinha
está em franco crescimento e as atividades de prospeção multiplicam-se um pouco
por todo o mundo. Entre bactérias e moléculas descobertas recentemente destaco
a bactéria descoberta pela Biomedics
(Startup Portuguesa) que vai revolucionar o multimilionário negócio das tintas
marítimas e a descoberta de uma molécula que destrói o cancro da próstata (http://www.reuters.com/article/us-health-cancer-prostate-idUSKBN14916E).
O que está a Madeira a fazer neste campo? Nada. O pouco que ainda é feito em
Portugal vem dos Açores, de Aveiro, do Porto e do Algarve. Saliento inclusive a
oportunidade perdida recentemente com a Madeira a ficar de fora do Polo
Português do Laboratório Europeu de Recursos Biológicos Marinhos (https://www.publico.pt/2016/12/12/ciencia/noticia/ha-agora-um-polo-em-portugal-do-laboratorio-europeu-de-recursos-biologicos-marinhos-1754525).
Se calhar a culpa é de Lisboa… Ou será de Berlim que tem unidades de I&D
dedicadas em exclusivo à prospeção do mar português sem que nos passem cavaco?
A culpa na Madeira é uma solteirona convicta e disso devem saber os diversos
atores internacionais que fazem pesquisa nas nossas águas, tiram o que querem
ao seu belo prazer, patenteiam o que descobrem fora das ZEE (para não serem
obrigados a partilhar o conhecimento e os rendimentos das patentes) e levam
assim milhares de milhões que podiam ser gerados cá. Caros estrategas
geoposicionados, em vez das tenebrosamente vazias tertúlias, porque não se
preocupam em pôr os famosos submarinos ao serviço dos nossos interesses
fiscalizando o roubo tecnológico que todos os dias se passa nas nossas águas?
(em vez de dizer por onde o submarino vai andar como atualmente…). Porque não
se debruçam sobre a estupidez de termos a titularidade do solo e não da coluna
de água? (faria sentido que o solo marinho do rio Tejo fosse português mas as
águas não??) Dá trabalho é verdade, é preciso enfrentar países que praticamente
não têm território marítimo e vêm cá parasitar o nosso. Que chatice!
Mas o Mar existe na RAM e até tem
estado entretido! Senão veja-se a luta entre a subdireção do Mar (a dignidade
que o mar merece na Madeira é uma subdireção regional…), que se apressa a criar
estruturas de proteção marinha na Madeira e a Secretaria da Agricultura e
Pescas que acaba de sobrepor espacialmente a exploração aquícola. Isto enquanto
o dito Plano de Situação, que promete ordenar o espaço marítimo da RAM, se
encontra a ser elaborado. Que grande ordenamento vai sair daqui quando as
secretarias do próprio Governo parecem se atropelar mutuamente. No entretanto
espero para ver como os cetáceos e a exploração
aquícola se vão contabilizar numa sobreposição espacial que se encerrará
na Rede Natura 2000 (ver mapa - http://www.gov-madeira.pt/joram/1serie/Ano%20de%202016/ISerie-181-2016-10-17sup.pdf).
É um mar de revolto!
5 comentários:
Se considerarmos o número de missões que andam em prospecção e estudo nas águas territoriais portuguesas, e verificarmos a percentagem das que são nacionais, até coramos de vergonha.
Deixamos aos outros aquilo que é nosso.
E depois falam em economia do mar. Para os outros certamente...
A única economia marítima que estes governos que por aqui têm andado reconhecem é por via dos portos, pelo turismo, pelo transporte de carga e pela pesca industrial...
Essa conversa toda que aí apresenta é como chinês para eles, porque não se enquadra no tipo de lucro fácil a que estão habituados a ter.
Quando os recursos naturais começarem notóriamente a darem de si e algumas das actividades económicas do mar vigentes começarem a sofrer com isso, aí sim, irão aparecer pessoas nas esferas do poder interessadas em ideias como estas.
Falemos antes de caciquismos. Dos 300, valias por quantos? Será que nas próximas eleições os teus X dos 300 vão fazer a diferença?
Caro anónimo das 05:17, vali 0 de 300 porque não era militante e nas próximas valerei 0 de y porque já não sou militante. Esclarecido?
Por falar em mar:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/2675/1/Lopes_2009.pdf
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