OPINIÃO
ANTÓNIO JORGE PINTO
Com os confinados dias da Festa e Fim do Ano já guardados no sótão da
memória de cada um de nós, voltamos à “real”, como diz, de forma jocosa, o
despreocupado povo brasileiro.
Neste início de ano, vou fugir, de propósito, a “sete pés” da pandemia.
Irei continuar a pugnar pela etiqueta, pelo distanciamento físico e pela
responsabilidade pessoal, a bem do coletivo, mas não me apetece nada falar da
pandemia.
Há outras realidades que me apoquentam e que a maldita pandemia tem ajudado a cavar. Nunca vivemos um tempo de tamanha incerteza. Já o sabemos. Não há previsibilidade. Não sabemos com o que contar, no dia de amanhã.
A nossa capacidade para influenciar o que quer que seja é praticamente
nula. Cada um por si, é o lema do dia-a-dia. Mas será que este tempo novo,
conturbado, de egoísmo, solidão e individualismo, é um mal apenas e só deste
nosso tempo?
Na verdade, noutros séculos, também se viveram tempos inigualáveis de
enormes privações e provações, de grande vulnerabilidade e fragilidade humana,
com diferentes graduações.
O “nosso” Eça de Queiroz, no final do século XIX, desenvolveu a noção de
civilização e, em muita da sua literatura, é evidente a sua preocupação por
aquilo a que ele próprio designou de “egoísmo senil” – expressão feliz, do meu
ponto de vista, para descrever o personalismo decadente da sociedade
portuguesa.
É ainda mais interessante verificar que já nessa época distante havia quem
se preocupasse, e muito, com o “relativismo cultural” em que mergulhara a
sociedade portuguesa. Também havia crítica cerrada ao progresso e à ciência, ou
melhor, à falta de um e de outra.
Nestes novos tempos, o que conta é o “aqui e agora”. Não há orientação para
o futuro. A vida é o presente. Como se não houvesse amanhã.
A satisfação tem de ser imediata! É a vida reduzida à forma mais redutora
de ser e estar e a uma cultura que convida a apreciar os prazeres do instante.
A gozar, apenas, a felicidade. Aqui e agora! A qualquer preço.
Talvez, sim! Talvez a vida deva ser vivida assim. Sem substância. Sem
dimensão. Sem pensamentos que nos atormentam a consciência e nos desmancham os
prazeres.
Não sei! Talvez a vida deva ser vivida assim. Sem espiritualidade e sem
cultura. Sem grandes preocupações. Sem grandes compromissos. Sem o
aborrecimento que é pensar, planear, organizar, trabalhar para o mérito. Ser
solidário e ter sentido do coletivo.
O ser humano esquece-se com relativa facilidade que é um ser social, que
não consegue sobreviver sozinho, e mesmo assim são muitos os que escolhem,
enquanto podem, o individualismo como forma de vida.
A breve trecho, tornam-se decadentes, insensíveis e irascíveis. Quando
esta casta atinge lugares de decisão, a humanidade entra em regressão.
Daí que os meus desejos para 2021vão muito para além do comum “Bom Ano”. É
isso, com certeza, mas gostaria que todos nós acrescentássemos à praxe
habitual, a cada ano que passa, doses crescentes de que vamos ser melhor
pessoas, mais bem organizados, menos egoístas e mais solidários.
Que sejamos capazes de refletir, projetar, realizar e pensar pela nossa cabeça. Para o bem de todos, para o coletivo, e não a pensar apenas na nossa barriga.
1 comentário:
Caro colunista
Ainda bem que depois de reformado conseguiste um lugar no pódio
Foste o melhor do beco da Abelheira do Lido, todos os outros não passaram da doca do cavacas e não se libertaram do vinho seco
Parabéns
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