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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Passatempo / fim-de-semana



Recordar é viver 
- à atenção dos Delfins

Chefe Jardim estupora: os que pretendem substituí-lo não mexem uma palha... e ele continua "com a franga nas mãos". O líder do PSD-M critica assim os delfins, que ficam a olhar para a lua em vez de avançarem. Não que pense em "deixar os cabritos à solta", mas porque está cansado e vai embora mesmo. 
É o que chefe diz em entrevista ao 'Expresso'. Mas atenção que a entrevista (que reproduzimos na íntegra) foi publicada em 2000.
Em 1996, o homem chorava em palco, na campanha, implorando mais um mandato. Porque, no final do mandato, se colocaria ao fresco. Mas isso foi há quase 20 anos. Em 2000, lá estava ele a chorar... porque ninguém dos delfins se mexia.
Desta vez - 2013 - o homem acha que quando eles se mexem estão a fazer cenas. Como já não está a gostar da coisa, é capaz de amarrar alguns "cabritos" para ser ele a defrontar, em Dezembro de 2014, o "ressabiado" Miguel Albuquerque. Os outros aceitarão? Desta vez duvidamos. Mas lá que ele quer continuar "com a franga nas mãos", não duvidem. 
Vamos à entrevista do chefe, conduzida por Cristina Figueiredo e Fernando Diogo, para o 'Expresso'.
Bom fim-de-semana.
[Não esquecer que isto aconteceu há 13 anos]



Expresso - ALBERTO JOÃO JARDIM

O presidente do Governo Regional da Madeira no seu melhor: polémico, mordaz, inconveniente. Reeleito no último fim-de-semana para mais um mandato na liderança do PSD/Madeira, garante que esta é mesmo a última vez que se recandidata. E fala da sucessão, do medo da morte, dos seus projectos para a reforma. Abandonando, por breves momentos, o ataque, confessa-se cansado e magoado com as «injustiças» de que tem sido vítima. Jardim com complexo de Calimero?

Está cansado?
Estou.

Da Madeira?
Não, da Madeira não estou cansado.

Então, porque se vai embora?
É uma opção de vida. Quando temos obra realizada temos direito a um certo egoísmo, a perguntar qual é o melhor momento para sair por cima.

Anda há onze anos a dizer que se vai embora...
Não há dúvida que deveria ter sido agora: as principais obras e infra-estruturas estão realizadas. Mas teve que ser adiado porque não houve a mínima preparação para a minha substituição no partido. Em 2003 terei 60 anos: como a média de vida do homem português é de 75 anos, ainda tenho 15 para gozar a vida. Estou cansado da política: comecei nisto aos 31 anos, quando fundei o PSD|Madeira; estou no Governo desde os 35. E ser presidente do Governo é estar sempre na linha da frente. Nenhum político português esteve tantos anos seguidos exposto como eu.

Só Mário Soares.
O dr. Soares dizia-me muitas vezes: «Para ter a experiência política completa falta-lhe experimentar a oposição.»

Concorda com ele?
Aceito. Falta-me, faltaram-me - porque agora é tarde -, três tipos de experiência política: a oposição, uma autarquia e o Continente.

Mas já há muitos anos que afirma que vai sair porque está cansado.
Sou uma pessoa pragmática: tomo as decisões face à consideração das circunstâncias concretas. Se não concordam, põem-me fora; se concordam, votam em mim.

Portanto, em 2003 vai repetir-se a mesma cena.
Não. Aqui já sou capaz de apostar consigo. Eu explico-lhe melhor: em 1996, a decisão estava tomada. Mas cometi um lapso: disse que não me metia no assunto da minha substituição. Chegou-se ao Verão de 1999, ano de eleições, ninguém tratara de nada, o cenário era o de que eu tinha que aguentar mais um mandato. Decidi falar com o partido, com as pessoas todas, uma a uma, freguesia por freguesia: se se comprometessem a ajudar-me por mais quatro anos, que vão ser duros - porque, apesar da obra feita, as pessoas fartam as outras -, eu ficava. E, um a um, comprometeram-se. Mas além do cansaço, estou magoado. Podem achar patético, ridículo ou até cabotino eu dizer isto, mas estou magoado com vocês - Comunicação Social -, com a classe política de Lisboa...




... a classe política não reconhece a obra que fez?
Acho que não. A maneira como me maltratam, como troçam, como recorrem a piadas de mau gosto. Nunca perceberam que o trabalho feito em qualquer parcela do território nacional é trabalho feito pelo país.

Não se pôs a jeito para troçarem de si?
Muitas vezes optei pela provocação. Eu também acho ridículos os políticos do Continente, com os seus «politicamente correctos», a sua maneira de vestir, a sua maneira de ter «respeitos humanos» - como se diz na Santa Madre Igreja.

E depois não gosta que o considerem «folclórico».
Eu também fui jornalista profissional, e isto de ter medo da Comunicação Social tem de acabar, os políticos têm de deixar de ser cobardes. Hoje há duas instituições em Portugal que têm um poder exagerado: a Justiça e a Comunicação Social. Mas foi esta classe política que lhes deu todos os poderes e mais alguns. Discordo desta classe política e digo-o. E porque tenho esta visão da Comunicação Social, tornei-me um alvo dos jornalistas. Agora tomei uma iniciativa que vai atrair ainda mais ira sobre mim: a Assembleia Legislativa Regional vai encomendar a vários juristas um projecto de lei que ponha fim à concentração dos meios de comunicação social nas mãos de grandes grupos editoriais. Esse projecto será depois apresentado pelos nossos deputados na Assembleia da República. Vou-me rir a ver quem é que concorda e quem é que discorda. A minha filosofia é: embirram contigo? Então, põe-os a falar de ti. Choca-os, provoca-os.

É preciso é que falem de si.
Mesmo que falem mal, sim. Às vezes tenho necessidade disso.

Sempre manifestou desprezo pela classe política de Lisboa. Porque precisa agora do seu reconhecimento?
Não preciso do reconhecimento, vivo feliz na mesma. Mas magoam-me as injustiças, o dolo, a maldade, o tentarem queimar-me politicamente porque não faço o jogo deles. Não digo que são sempre injustos quando me criticam, Deus me livre!, mas acho injusta a imagem de irresponsável e de inculto que me pretendem colar.

E quantas vezes é que o senhor tem sido injusto? A Guterres chamou mafioso, aldrabão...
Desculpe, eu disse alguma vez «o engenheiro Guterres é mafioso»? Não. Cantei ao despique, numa festa partidária, sem evocar o nome de ninguém. A televisão filmou e disse «este mafioso de que ele está a falar é Guterres». Quem lhe chamou mafioso foi a Comunicação Social, não fui eu.

Há uma entrevista em que confessa que usa a técnica da insinuação: aquela em que se fala na generalidade e toda a gente sabe a quem é que se está a referir.
Eu uso e outros, que são uns nabos, tentam usar, mas não sabem. Mas o senhor é que está a concluir que, neste particular, eu usei a técnica da insinuação.

Voltando atrás: desta vez vai indicar um substituto?
Não. Mas também não vou deixar os cabritos à solta, como diz o povo agricultor.

Durante muito tempo disse o contrário.
Toda a vida fui uma pessoa contraditória. E antes que me aponte mais contradições, deixe-me dizer-lhe que não receio ser contraditório; faz parte da minha maneira de ser.

Até aqui dizia «resolvam o problema». E acrescentava: «Tenho que ter alguma calma, porque isto não pode explodir quando eu sair.» Disse-o várias vezes.
Exacto. Por isso é que ainda estou aqui com a franga na mão.

Deixou-os não se entenderem. O que vai fazer diferente desta vez?
Eu deixei? Eles é que não mexeram uma palha.

Mas, afinal, como vai controlar o processo?
Vou chamar quatro, cinco ou seis, sem ninguém saber, num sítio que ninguém sonhe - na minha casa, por exemplo, onde nunca houve uma reunião política -, durante três ou quatro noites, para ir conversando e tentar encontrar uma solução que não divida o partido. Quero resolver este problema sem dramas, sem repetir as cenas dos Açores e de Lisboa.

Não tem um favorito?
Mesmo que tivesse, nem ao travesseiro dizia, não fosse a minha mulher escutar.

Deixa a quem vier substituir um presente envenenado, já que este congresso aprovou uma alteração dos estatutos no sentido de que o próximo presidente do PSD/Madeira seja eleito directamente pelas bases. O senhor nunca o foi.
Não precisava: houve sempre uma empatia muito directa entre mim e a base do partido, ao ponto de algumas vezes haver quadros do partido que não concordavam comigo mas que não intervinham porque sabiam que eu tinha tido a concordância das bases, tinha-me mexido para obter esse apoio. Quero que o líder tenha a autoridade e a força de ter mais de metade das bases do seu lado. Embora vá fazer todos os possíveis para que os potenciais candidatos cheguem a um acordo para que só haja uma lista na hora da votação. O meu grande desafio é provocar esse consenso. Seria o cúmulo do sucesso. Aí, abria a garrafa de champanhe e dava palmas a mim próprio.

Também defende a eleição directa para o líder nacional?
Sim, sim. Mas fizeram tudo ao contrário: não aprovaram a eleição directa - para o problema continuar na mão das distritais - e acabaram com as inerências - que são as pessoas com responsabilidades assumidas.

Do facto de defender as directas pode-se inferir que o seu candidato favorito em Viseu era Santana Lopes?
Nem sequer me faça essa pergunta, porque não quero ouvir falar de candidatos. A razão por que não fui a Viseu foi porque achava, e acho, que tudo aquilo foi «shocking».

Porquê? Os candidatos não prestavam?
Sou amigo dos três, e qualquer deles tem qualidade. O problema vem desde o professor Cavaco. Na minha opinião, foi o melhor primeiro-ministro português do século XX, fez uma completa mudança e modernização do país. Mas não se pode ser bom em tudo, e o seu ponto fraco eram as questões político-culturais.

Não lhe perdoa ter desertado.
Ter desertado então e ter desertado agora. No estado em que estava o PSD, e muito por culpa dele, ou pegava outra vez no partido ou era candidato presidencial. Não ficava de fora a mandar bocas ou a aconselhar A, B ou C, feito treinador de banco.

Defendia o seu regresso à liderança?
Era um imperativo político. Não digo ético ou moral, porque não gosto de ser juiz da consciência de ninguém. O espectáculo do Coliseu, em 1995, foi a origem de tudo: não se pode fazer congressos em directo de um partido dividido em três facções. Ninguém acredita num partido que se digladia na praça pública.

Nessa altura, disponibilizou-se para ser uma solução de consenso.
Não quiseram, passem todos muito bem. Se Cavaco Silva queria que fosse Durão Barroso a suceder-lhe, chamava Fernando Nogueira e dizia-lho. Estou convencido que Nogueira, que lhe era fidelíssimo, não lhe dizia que não. Até porque, então, Pedro Santana Lopes não era, como é hoje, um «challenger» de peso. Mas Cavaco deixou correr o marfim e as coisas correram mal - e é por isso que eu quero intervir na Madeira, aprende-se. Depois, a Alternativa Democrática. Não estou nada arrependido, antes pelo contrário. Uma das coisas que muito me honraram na minha carreira política foi estar ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa, de quem fui vice-presidente. É dos homens mais brilhantes, mais inteligentes, mais cultos...

Não tinha essa opinião.
Tivemos alguns conflitos, mas hoje somos amicíssimos.

Porque mudou de opinião?
Tivemos oportunidade de trabalhar mais em conjunto, de falar mais um com o outro.

Lamentou que ele não tivesse chegado às legislativas?
Lamento o fim do projecto da Aliança Democrática - eu disse a Marcelo para não lhe chamar «Alternativa» mas de novo «Aliança», disse-lhe para chamar o PPM e tudo o que fosse centro e direita e sugeri-lhe que afastasse alguns cavaquistas que por lá andavam. Com a sua criatividade, Marcelo teria feito a vida de António Guterres num inferno e os resultados eleitorais bem diferentes.

De que cavaquistas está a falar?
Não vou citar nomes, mas vou repetir o que costumava dizer ao Marcelo: «Ó homem para que é que você tem essas senhoras aí? Só servem para jogar canasta e mais nada... tire-as daí.»

Completamente misógino. Eram só senhoras… e, afinal, que senhoras?
Bem, senhoras e alguns cavalheiros. Mas não me perguntem por nomes, que eu não vou dizer.

Essa sua misoginia contrasta com a fama de preferir companhias do sexo feminino.
Às vezes há fama sem proveito.

Só às vezes.
Da vida privada não falo, é escusado tentar chegar lá...

Durão Barroso é o líder adequado para o PSD?
É o líder em que o partido deve apostar para dele fazer primeiro-ministro. Perguntam-me se ele é capaz? Se ele ganhou o congresso, é capaz. Tem que demonstrar essa capacidade e nós temos que lhe criar condições para isso.

Ele já era líder no ano passado, ano de eleições legislativas, e o senhor não o ajudou propriamente a chegar lá.
Eu estava discordante do fim da AD, do modo como o processo foi conduzido, com os homens próximos de Cavaco a comprometerem um projecto nacional, só porque queriam um ajuste de contas com o Portas. Provincianismos, como eu costumo dizer. Deram cabo do projecto AD porque a Comunicação Social lhe fazia guerra. Enquanto o PSD não voltar aos tempos de Sá Carneiro ou de Cavaco Silva, que faziam o que tinham que fazer e estavam-se nas tintas para o que os jornais diziam, vai ser sempre influenciado do exterior. Não estou a dizer que a culpa é da Comunicação Social: tinha razão há pedaço, também paga culpas a mais. A culpa é de quem se deixa influenciar por ela.

Durão Barroso anda a reboque dos jornais?
Não é Durão Barroso. É o partido inteiro. Menos o Alberto João, claro, e alguns que pensam como eu, que sempre fizemos o que nos dá na real gana.

É essa capacidade de cortar a direito que falta no PSD?
Sim, mas não é só a Durão. Falta a todos. Pedro Santana Lopes, com as suas energias: que as utilize para combater os adversários.

A sua admiração pelos líderes fortes é manifesta.
Exacto. Fortes e consensuais. No fundo, o líder é um pouco a imagem do pai, que sabe castigar e premiar nos momentos certos.

Sá Carneiro não foi propriamente um líder consensual. Cortou a direito em muitos momentos….
Mas cortou quando foi preciso, mas também suscitou enorme afectividade. Até porque essas duas coisas…

E Cavaco Silva ...
Eu penso que a certa altura Cavaco Silva falhou na arte de suscitar afectividade.

Como a Marcelo falhou a autoridade em alguns momentos.
Em alguns momentos, sim. Continuo a considerar o Marcelo um grande líder político. Eu sou um admirador pessoal das capacidade do Marcelo. Mas, ninguém é perfeito.

Em 2003 vai ficar disponível...
...para jogar ténis, nadar. Na Madeira, em dez minutos está-se no mar ou na montanha. Quer que eu largue isto para passar três quartos de hora no trânsito de Lisboa? Só se eu fosse parvo, aos 60 anos de idade. Mas não saio da política. Serei o militante número 29… e irei às reuniões da minha secção.

E sempre que lhe puserem um microfone à frente, responde que é um simples militante e não está autorizado a falar?
Vou falar, sim. Vou divertir-me muito com as minhas respostas. Eu ás vezes divirto-me com as minhas próprias respostas. Chego a casa e rio, rio, rio, daquilo que disse.

Mas, como sabe, e o professor Cavaco é um exemplo disso, as afirmações de ex-líderes históricos têm imenso peso.
Mas eu acho que os ex-líderes devem deixar em paz quem está a seguir com as responsabilidades e não armar nem em tutores, nem em paizinhos.

Já percebemos que não morre de amores pelo professor Cavaco Silva?
Ele é que não gostava muito da minha maneira de fazer política, pois enquanto esteve no poder nunca me convidou para colaborar em qualquer actividade partidária. Também lhes digo que não me fez falta nenhuma.

Aos 60 anos ainda há muita coisa para fazer, sobretudo porque há experiências que não teve: não exerceu cargos no Continente, ainda não foi Presidente da República...
Está a gozar comigo.

Nunca pensou no assunto?
Cheguei a pensar.

Quando?
Na altura em que a Nova Esperança me atirou para a frente.

Ideia de Marcelo Rebelo de Sousa.
Sim. Mas depois optaram pelo Freitas do Amaral. Ponto final. Nunca mais voltei a pensar no assunto, até porque não sou tolo: depois da cama que a Comunicação Social de Lisboa me fez, eu ia ser um bombo de festa. Há uma teoria que se chama princípio de Peter...

E já o atingiu o seu limite com a presidência do Governo Regional?
Há muitos que foram ministros e secretários de Estado. Presidente do Governo Regional da Madeira, que eu saiba, fomos dois. Não é uma coisa qualquer: em qualquer ponto do país me conhecem, ao passo que muitos desses que foram ministros e secretários de Estado ninguém os conhece. E isso dá-me um certo gozo.

Se o povo achar que o senhor é um bom candidato presidencial, vai jogar ténis?
Primeiro, o povo não acha isso. Depois. a Presidência da República exige um currículo político que eu não tenho, exige um certo consenso, e o meu partido é o primeiro a fazer-me guerra. Veja quando foi a questão de Timor: quando comecei a entrar forte, o PSD amedrontou-se. Tanto quanto eu me lembro da acção psicológica, a partir do momento em que Timor era o «leit motiv» do Governo para fazer campanha eleitoral, era aí que se tinha de atacar.

Aí, mais uma vez, foi o senhor que provocou.
Não. Aí foi um caso de censura. Eu disse quatro coisas...

Disse: «Nem mais um tostão para Timor!»
Alínea a). Alínea b) a competência para a política externa e para a cooperação é do Governo da República. Alínea c) isto vai ser a mesma cena das outras políticas de cooperação, em que o dinheiro dos contribuintes vai para as ex-colónias sem qualquer contrapartida para o cidadão português. Alínea d) quem ganha dinheiro com estas políticas de cooperação são várias empresas, algumas das quais de conselheiros da Revolução. Só apareceu a alínea a). Isto não é honesto.

As suas declarações são sempre truncadas?
Nem sempre. Algumas são mesmo provocatórias. Mas desta vez foram truncadas, e alguns papalvos no PSD também enfiaram o barrete.

Porque é que depois emendou a mão e anunciou que haveria verbas no Orçamento Regional destinadas a Timor?
O «nem mais um tostão» foi dito antes de ter começado toda aquela carnificina. Quando esta aconteceu, considerei que havia justificações humanitárias para a ajuda. Mas, atenção, só lhe faremos chegar essa ajuda depois de eles terem autoridades legitimamente constituídas. Tanto que o Orçamento deste ano ainda não prevê nenhuma verba.

É nessa ocasião, em plena campanha para as legislativas, que afirma que a verdadeira oposição ao Governo de Guterres está na Madeira e não no Continente.
Ah, sim. Repare, a certa altura, eu digo que Guterres tem responsabilidade no sangue que corre em Timor. É uma verdade à La Palisse. Eu estava a abrir a porta para que o líder do PSD entrasse por ali adentro. E o líder do PSD solidariza-se com o primeiro-ministro e diz que eu não tenho razão. Estamos em plena campanha eleitoral. Cedências, cedências, cedências. E não tenho razão em dizer que a verdadeira oposição está na Madeira? Ainda há dias, o «Diário de Notícias» do Funchal - que não me é propriamente favorável - dizia que o Manuel Arruda e o Alberto João, em pouco tempo, feriram mais o PS do que o PSD de Lisboa nestes meses todos.

Está a acusar o PSD nacional de incompetência? O que está a dizer é: «Dou-lhes as dicas e eles fazem sempre o contrário do que deviam ter feito.»
A conclusão é sua. Perante as premissas, cada um tirará as suas conclusões. E o EXPRESSO é lido por pessoas inteligentes.

Dessas premissas também se pode inferir que faltou a mesma capacidade de decisão no modo como foi gerido o dossier presidenciais?
Só que, aí, a culpa não foi de Durão Barroso.

No resto foi?
A conclusão é sua. Durão Barroso nunca pôs nenhum nome na rua e foram-lhe pondo nomes e mais nomes. Aí, sim, faltou um murro na mesa, os líderes não foram eleitos para jogar à canasta. Contemporizou muito, quando devia ter dado um murro na mesa e dito:«Se querem, querem, se não querem passem todos muito bem.» Desta vez, aposto em como ele vai dar um murro na mesa. E eu também vou ajudar ao murro.

Deveria ter havido uma concertação de esforços entre PSD e PP para as presidenciais?
Eu continuo a dizer que tem de haver uma Aliança Democrática, seja para presidenciais, seja para autárquicas, seja para as legislativas. Não se consegue pôr fim ao actual poder, eu não digo poder socialista, porque esses senhores de socialistas não têm nada, sem uma unidade da direita.

Portanto, continua a ter uma divergência estratégica em relação à actual direcção do partido.
A actual direcção do partido ainda não disse que não quer a Aliança Democrática. Pelo contrário…

Seria um pouco absurdo que…
Eu não gosto de revelar conversas pessoais, mas sinto que Durão Barroso cada vez mais compreende essa necessidade.

Se compreendeu, até agora não o demonstrou. A direita vai ter dois candidatos presidenciais.
É uma asneira. Durão Barroso deve estar em sintonia com bases e não estar preocupado com aqueles senhores que vão para os congressos que não querem a Aliança Democrática. Eu conheço o partido de ginjeira, aqueles senhores que vão aos congressos pouco representam do sentir do eleitorado e das bases sociais-democratas.

Mas ele candidatou-se à liderança do partido tendo como único ponto programático o fim da Alternativa Democrática.
Toda a gente evolui. Você, ainda há pedaço, disse que eu apostei em coisas, depois de repente mudei o rumo quando entendi que era preciso…

E acha que Durão Barroso já está maduro para fazer essa viragem?
Eu estou convencido que ele tem de a fazer, não há outra hipótese. Ele tem de ir ao encontro das bases do partido e não do que dizem aqueles congressistas arregimentados para ir ao congresso.

Isso, se durar até ás eleições como líder, porque há o congresso antes das eleições.
Mas por que é que você está catastrofista?

Nem por sombras. Limito-me a citar Alberto João Jardim, quando afirma que «este partido é um saco de gatos» ou que o «PSD está numa situação caótica».
É verdade, e a situação tem de ser resolvida.

Quem é que lhe diz também que Durão Barroso o vai conseguir até ao próximo congresso?
O líder, para ser líder, tem de resolver.

Portanto, se ele não conseguir resolver…
Evidentemente que vai pagar as consequências disso. Isso é de La Palisse. Agora, isso não é razão para não o ajudar. Eu vou ajudá-lo, eu que não fui a Viseu, que não apoiei ninguém e que discordei do Congresso de Coimbra e de toda a movimentação que levou à queda do professor Marcelo, eu vou ajudar este líder até ao próximo congresso, porque não admito que o PSD ande em guerrinhas internas que só fortalecem a posição do PS.

Mas o próximo combate ao nível nacional são as presidenciais, e nessas já afirmou que não iria fazer campanha contra Jorge Sampaio.
Disse que não fazia nada contra Sampaio, um dos poucos titulares de órgãos de soberania que compreenderam e respeitaram sempre as diferenças que a autonomia implica. Não vou atacá-lo, mas vou fazer campanha a favor de Ferreira do Amaral, um político com quem tenho afinidades ideológicas, a quem reconheço enormes serviços prestados ao país e com quem mantenho uma relação de amizade pessoal.

E de Basílio Horta, conta falar?
Também sou amigo dele, também não conto falar.

Afinal está cheio de amigos na classe política de Lisboa.
Não, eu tenho tanto azar que nas eleições presidenciais estão os amigos. Aí é que está a chatice toda.

Tem pena que não se tenham criado as condições para a candidatura de Freitas do Amaral?
Penso que nem ele próprio estava interessado, porque se o estivesse não tinha posto as condições que pôs.

Acha que o professor Marcelo seria melhor candidato?
Acho que seria um belo candidato.

Porque não o propôs? Talvez tivesse sido necessário um empurrãozinho.
Nós combinámos, aqui na Região Autónoma da Madeira, há documentos nossos publicados, que não se falaria das presidenciais antes das eleições regionais. Tanto que este apoio que dei ao engenheiro Ferreira do Amaral foi a título pessoal, não envolve o PSD/Madeira.

Então vamos retomar aquele conto de fadas que reza assim: «Quando eu abandonar isto em 2003, vou jogar ténis…»
Vou jogar ténis, o que já não é nada mau…

E escrever as suas memórias…
A minha mulher é que costuma dizer: «Ó homem, porque é que tu não te sentas um dia calmamente e ditas as tuas histórias para um gravador? Sabes tantas, travaste conhecimento com todos os políticos nacionais, andaste metido no meio de tanto sarilho aqui em Portugal, desde a Revolução, porque é que tu não contas?» até com o meu picante e um certo sentido de humor, mas nem pachorra tive até agora para isso

Era um «best-seller». E tempo não lhe vai faltar.
Vai faltar, porque quando sair do Governo vou voltar à Função Pública…

Mas isso é até às 5h30. Depois pode ditar para o gravador.
Aí é a altura de ir jogar o ténis. E depois à noite, jogar o bridge…

E tomar uns copos…
Não, os copos não, já estou na idade de ter juízo.

Agora não toma?
Agora estou atravessando uma fase quaresmal.

Então, praticamente já não tem pecados para confessar.
Desculpe, se conhecer um pouco de teologia, sabe que o pecado é a consciência do mal. Dizer que alguém tem pecados ou não tem…

O que eu lhe queria perguntar é se já está muito fluente em basco?
Ah, por causa do meu confessor? O padre basco que me confessa percebe português.

E, de vez em quando, ele ensina-lhe umas frases revolucionárias.
Por acaso, ele ensinou-me uma vez o grito de guerra do Herri Batasuna, mas eu não sei repetir...

Como se chama o seu confessor?
Não digo.

Só fala do padre Melícias.
Esse não me convence.

Nunca se confessaria ao padre Melícias?
Nunca.

Mas porquê?
Seria eu o confessor nessa altura.

Não me diga que ele tem mais pecados para confessar do que Alberto João Jardim...
Tem o pecado da soberba.

Que é um pecado que Alberto João Jardim não tem?
Tenho, mas no meu caso é venial, porque eu sou um leigo, e no caso dele é mortal, porque ele é franciscano. Soberba, no sentido da vaidade, porque o homem até é bastante simpático.

Quantas horas demora a sua confissão?
Bastante. Sentamo-nos num sofá e conversamos um com o outro.

E assim cumpre o seu dever religioso, confessando-se uma vez por ano?
E recebo uma absolvição. É uma questão de disciplina. Eu não sou um homem muito piedoso, mas… Assim como nós temos a disciplina de pagar contribuições, na minha posição de integrar a Igreja Católica, acho que devo fazer isso.

Durante o resto do ano confessa-se directamente a Deus?
Quem sou eu para falar com Deus? De vez em quando faço uma oração, lá de tempos a tempos, quando estou mais aflito. Confesso que sou crente. Mas essa oração não é convencional, é de facto isso, conversar um pouco.

Quando orou pela última vez?
Sobre esse aspecto da minha vida íntima, não lhe digo mais nada. É muito sério…

Mas eu não estou a brincar. Só pretendia saber quando teve o seu último momento de aflição?
Isso são aspectos da minha vida pessoal.

Mas na sua vida política também tem tido os seus momentos menos bons.
De tudo um pouco, mas aí ponho ponto final na conversa.

A sua relação com alguns padres aqui da Madeira não é muito famosa. O padre Edgar Silva...
Não é padre. Se esse senhor é padre, eu sou bispo.

Mas foi ordenado.
Isso, o senhor é capaz de saber mais do que eu. Eu sei que ele não é padre, o resto é conversa.

Mas não é razão para o ameaçar com um tiro de caçadeira.
Eu não ameacei ninguém com um tiro de caçadeira. A história passou-se no Parlamento Regional, e eu nem sequer estava lá. Creio que houve uma discussão, ameaças de parte a parte, alguém falou de pistolas ou de caçadeiras, um tiro na cabeça de não sei de quem, e como a história era na Madeira, toca de escarrapachar a minha fotografia no jornal. Já o «Independente» tinha feito a mesma com uma notícia sobre uma farmácia que nada tinha a ver comigo, nem com o meu governo. Como se passava na Madeira, foto do Alberto João na primeira página. Mas o que é que eu tenho a ver com isso? Ainda por cima, não sou bonito, tenho papada, porque é que hão-de pregar a minha fotografia quando não é preciso? Não é correcto, não é justo. Está a ver uma razão de queixa concreta da Comunicação Social?

Qual foi o momento mais difícil no seu percurso político?
Eu tive dois momentos muito desagradáveis. Um foi quando fui à Venezuela, a Curaçao e ao Panamá e morreu o operador de câmara de televisão que ia comigo, um jovem que tinha sido aluno da minha mulher. Chegar aqui com o homem morto… eu compreendi nesse dia o que era um comandante de um pelotão chegar a casa depois de uma operação com mortos. Foi das coisas que me marcaram muito. Até lhe conto esta, que não contei a ninguém: eu gosto de coleccionar quadros, e nessa viagem andava a passear com esse rapaz na praia, comprei um que achei lindíssimo. Esta lá num dos quartos da minha casa, e sempre que passo ali ao pé do maldito quarto lembro-me do homem, marcou-me imenso. E outra vez…

Tem medo da morte?
Eu fico mais impressionado se vir uma pessoa a sangrar… não é medo, é receio. Sei que é fatal, mas todos temos receio do desconhecido, e a morte para mim é o desconhecido.

Para um católico, a vida para além da morte…
Mas é que eu sou um católico muito influenciado pelo Teillard de Chardin, creio no Deus cósmico, no bem absoluto… Acredito na ressurreição como uma consequência dos avanços tecnológicos. Ninguém me diz que daqui a 400 ou 500 anos não vai ser possível. Se calhar estou aqui a delirar. A minha fé está um pouco aí, mas talvez… Para mim, Deus não é um ser físico, é o bem absoluto.

É um católico muito heterodoxo.
Eu sou heterodoxo em tudo, até na maneira de ser católico. Eu costumo dizer que sou cristão de culto católico.

E qual foi o segundo momento mais difícil da sua carreira?
Foi a célebre cena dos apupos no estádio dos Barreiros, por causa da sociedade desportiva do Marítimo. Vi gente que eu tinha ajudado virada contra mim, isso magoou-me.

Penso que foi a primeira e única vez que na Madeira não conseguiu levar a sua avante. O futebol foi mais forte que Alberto João Jardim...
Não levei a minha avante porque não valia a pena. Foi também uma questão de bom senso. Entendi que não a valia a pena dividir a população por causa do futebol. Se Paris vale uma missa, o futebol não.

Não vale uma missa, mas faz perder votos.
Pronto, se quer que eu diga mais claramente, não quis perder votos por causa de birras do futebol.

Como é que se vê a si próprio ao fim de 25 anos na ribalta política? Ainda se consegue achar graça?
Continuo a achar-me piada. Olho-me ao espelho e sinto-me bem comigo próprio. Cometi erros, admito que não sou um poço de qualidades, mas tenho menos defeitos do que aqueles que me apontam. Na verdade, sou um homem vulgar que teve sorte na vida, porque houve um conjunto de circunstâncias que me permitiram ter sorte na minha carreira política. Não sou nenhum fenómeno, não sou nenhuma vedeta. Mas também não sou um inculto e um medíocre como me querem pintar.

Vedeta é. Aliás, é actualmente uma das raras vedetas da política à portuguesa.
É a primeira vez que alguém do EXPRESSO é amável comigo... (Risos). Vocês não estão fartos de me aturar?

Não. Quando começou a comprar quadros?
Olhe, começaram-me a oferecer muitos... A minha casa não é muito grande. Se for à minha casa, a parede da escada do rés-do-chão para o primeiro andar está toda coberta. A minha mulher passa-se quando me vê a pregar pregos... Compro alguns não muito caros. Alguma coisita que eu goste... Não sou rico, não posso comprar quadros caros.

Quanto dinheiro tem no banco?
Na conta corrente, 1600 contos... Bem, vou-lhe dizer tudo. Quando entrei para a política, já tinha casa própria, herdada do meu pai, já tinha carro e tinha mais algum dinheiro no banco, porque sou filho único. Depois de estar na política, o que é que eu comprei? Comprei o apartamento onde vive a minha filha mais velha, casada... à volta de 22 ou 23 mil contos, mas dos quais só paguei cinco mil, porque o resto veio da venda de uma casa da minha mãe. Eu sou filho único, a minha mãe pode ter destas fantasias. Depois comprei mais um andar, quando os meus sogros morreram e os meus cunhados fizeram partilhas, com o dinheiro que minha mulher recebeu... foram outros 30 mil contos. É o que tenho depois de vinte e tal anos na política.

Diz-se que é um bocadinho forreta...
Sou acusado disso, mas limito-me a seguir o princípio do meu avô, oficial do Exército, que me dizia: «Nunca compres papel.» E realmente nunca comprei. Aos 57 anos, não tenho uma única acção, nunca joguei na bolsa, nunca assinei uma letra. Mas, também nunca tive dívidas, graças a Deus. Nunca precisei de muito dinheiro, nunca fui rico, o que tive deu para viver, deu para ser um estudante de 13 e para ser presidente...

Já pensou meter-se em negócios?
Não tenho jeito nenhum para isso. Eu sei administrar é a coisa pública.

Não tem jeito para os negócios, nem para a astrologia. Já reparou que passa a vida a fazer prognósticos errados sobre a carreira dos políticos portugueses? Enganou-se em relação a Marcelo, a Sampaio, a Guterres...
Erro com frequência e mudo de opinião. Só os burros é que não mudam, diz o povo.

Portanto, é a antítese do professor Cavaco, que raramente tinha dúvidas e nunca se enganava...
É verdade, é verdade. Tenho dúvidas permanentes, engano-me muitas vezes e leio os jornais todos, inclusive os desportivos.


Entrevista de FERNANDO DIOGO e CRISTINA FIGUEIREDO
Fotografias de RUI OCHÔA 

4 comentários:

Anónimo disse...

Frase acertada: "Ninguém acredita num partido que se diigladia na praça pública".

Anónimo disse...

Obrigado , Luís Calisto. Esta entrevista ajuda-nos a recordar que ele não tem qualquer intenção de sair no próximo ano.

Luís Calisto disse...

Ando a pregar essa tese desde sempre, Caro Comentador.
Curiosamente, depois da última comissão política, os mais renitentes começam a acreditar também na teimosia do chefe em continuar.

Anónimo disse...

Ele vai sair porque tem medo de perder , mesmo com o Vitor Freitas. Mas vai querer continuar como Deputado em Lisboa a "fazer tropelias" e a lixar a cabeça ao novo lider regional...