À passagem de mais um aniversário do 25 de Novembro, para muitos a data da libertação de Portugal, para outros o fim do genuíno espírito abrilista, publicamos um artigo da autoria de um interveniente nos acontecimentos. Um militar conhecido antes e depois da Revolução dos Cravos que apresenta o seu ponto de vista sobre os decisivos acontecimentos que viveu bem por dentro. Uma visão de direita que colide com outras, necessariamente, como por exemplo a nossa. Mas na 'Fénix do Atlântico' há lugar para todas as vozes. Todos os contributos são válidos, porque ajudam a reflexão e atiçam o debate.
Agradecemos a disponibilidade ao autor, ex-candidato à presidência da República e conhecido como vice-rei do Norte. E ao Coronel Ramiro Morna do Nascimento a sua intervenção para que tivéssemos acesso ao documento.
O NORTE DO PAÍS NO 25 DE NOVEMBRO
por que razão os
responsáveis políticos, e mesmo alguns militares mais
Até hoje, passados que
foram 36 anos sobre o 25 de Novembro de 1975,
graduados, tudo têm feito
para que a História esqueça o Norte do País
quanto ao seu desempenho
por parte dos militares em serviço na Região edo próprio povo nortenho?
De notar que Vasco
Lourenço, que por vezes cometeu os seus "pecados",
foi um Capitão de Abril
notável, muito ouvido e conceituado de entre os
revolucionários, corajoso
e destemido, disse, aquando Governador Militar
de Lisboa, em Novembro de
1975, que a Região Militar do Norte era a
Região em Portugal que
tinha mais Poder, um Poder que se procurou nos
últimos meses daquele ano,
meses designados por Verão Quente, com
muita determinação,
paciência, firmeza, sempre tendo em atenção a
vontade da maioria do Povo
Português.
Não para o utilizar para
benefícios pessoais, mas sim na defesa da
Democracia.
Em meados de 2011, concedi
uma entrevista ao brilhante
jornalista Carlos Pinto
Coelho, infelizmente já falecido, para a RTP
Memória, que me procurou a
solicitá-la, dizendo-me que já tinham em
Lisboa à disposição para o
efeito o Palácio de Galveias.
Disse-lhe que eu a Lisboa
não iria, mas que, no Porto, estava ao seu dispor,
pois nesta cidade também
havia palácios. . .
A entrevista teve então
lugar no Salão Nobre do meu ex-Quartel General,
na Praça da República,
onde havia sido o Comandante desde Setembro de
1975 a Novembro de 1977.
Nesta entrevista, deixei
esta afirmação: "Em Novembro de 1975 o Quartel
General da Região Militar
do Norte devia ser considerado a Casa da
Democracia em
Portugal".
Porquê?
Na verdade, é bem sabido
que na ocasião, partidos políticos democráticos,
o Governo e a própria
Assembleia da República pensaram em deixar
Lisboa e vir para o Porto!
Seria porque estavam
fartos da democracia lisboeta?
Mário Soares, uma referência
para a Liberdade e Democracia em Portugal,
procurou-me no meu
gabinete, no dia 25 de Novembro, mostrando-se
muito preocupado com a
situação.
Sosseguei-o, informando-o
de que no Norte estava tudo sob controlo.
Vem talvez a propósito
referir que Mário Soares, ao entrar no meu
gabinete, era seguido por
Manuel Alegre, que pretendia também entrar, no
que foi impedido por Mário
Soares, dizendo-lhe: "Não entras porque quero
falar a sós com o Sr.
Brigadeiro".
E Manuel Alegre já não
entrou.
A mui ilustre figura da
Igreja, o Bispo Sr. D. Manuel Martins, escreveu em
2001, data em que foi
publicado o livro "O Norte e o 25 de Novembro" do
jornalista Silva Tavares:
"O 25 de Novembro tem
a mesma legitimidade do 25 de Abril para ser
lembrado e celebrado. Sem
o 25 de Novembro, o 25 de Abril não teria
passado de um sorriso
fugaz. Esperamos sempre e só que o 25 de
Novembro não sirva senão
para pôr a descoberto o melhor do 25 de Abril
para que este não corra o
risco de se transformar numa grande saudade".
À data do primeiro
aniversário, ao chegarmos ao 25 de Novembro de 1976,
precisamente porque tinha
para mim que representava uma data marcante
em que a Democracia havia
sido salva, duas semanas antes desloquei-me a
Lisboa para saber no
Estado Maior do Exército se havia alguma directiva
para que se promovessem
cerimónias, em que, certamente, estariam
presentes desfiles
militares a políticos.
Foi-me respondido que o
Chefe havia decidido que o 25 de Novembro seria
celebrado dentro dos
Quartéis Generais.
Argumentei que, desta
maneira, a população do Norte, a quem em grande
parte se devia a vitória,
era esquecida injustamente, pelo que pedi então ao
chefe de gabinete do CEM,
então brigadeiro Canelhas, que dissesse ao
Chefe que o Comandante da
Região Militar do Norte entendia que a Praça
da República também era
Quartel General.
E aí, no dia 25 de
Novembro de 1976, realizou-se uma cerimónia pública
comemorativa de um
acontecimento tão marcante da nossa História.
Porquê, então, a directiva
oficial de esconder o 25 de Novembro? Porquê,
então, a táctica do
silêncio?
Penso que se vos descrever
o que se passou antes do 25 de Novembro de
75, tereis a resposta do
esconder o 25 de Novembro por parte daqueles
responsáveis de Lisboa que
sempre se arvoraram donos de Portugal e
continuaram
descaradamente!
Certamente porque têm
vergonha daquilo que fizeram ou não fizeram!
O 25 de Novembro, pensado,
criado, incentivado pelo PCP, visava fazer de
Portugal uma Cuba da
Europa, e começou a accioná-lo logo a seguir ao 25
de Abril.
O Partido Comunista achava
que a felicidade do Povo Português seria
alcançada com a
implantação neste nosso Portugal de um regime idêntico
ao que a União Soviética
havia imposto aos países bálticos, Polónia, parte
da Alemanha, Hungria,
etc., onde se torturaram, massacraram, mataram
milhares, só porque
queriam viver em Liberdade.
Novamente cito D. Manuel
Martins, pessoa por quem tenho o maior
respeito e admiração:
"Nós somos a
Liberdade. A Liberdade alicerça e alicerça-se na nossa
dignidade. O homem não o é,
se não for livre.
Ao falarmos em Liberdade
referimo-nos logo à capacidade, levada ao
concreto de podermos
pensar, de nos podermos exprimir, de nos
manifestarmos, de nos
construirmos e de construirmos o Mundo. Se nos
negam ou cortam essa
liberdade logo nos sentimos atingidos no nosso ser,
na nossa identidade, na
nossa própria alma".
Para a estratégia
comunista, impunha-se, pois, em alta prioridade levar a
anarquização a todos os
cantos da vida nacional, com violência, de
imediato.
O PCP e a
Extrema-esquerda, que aquele Partido aliciou, mas que depois
chegou a ter alguma
dificuldade em controlar, começam por desenvolver
um sentimento de medo na
sociedade portuguesa, que penalizava mental e
fisicamente as pessoas que
até aqui, durante a sua vida, haviam feito frente
a grandes dificuldades e
perigos, com serenidade, triunfando pela sua
coragem, determinação e
trabalho.
Como exemplo concreto,
posso citar o caso de muitos militares que durante
a guerra em África se
portaram como verdadeiros Heróis, pensando que
estavam a cumprir uma
missão que a sua Pátria lhes pedia.
Chegados a Portugal, só
porque lhes chamavam 'fascistas', ficavam
apavorados, inibidos de
agir, de se controlar, deixando-se arrastar para
situações contrárias ao
seu querer, à sua educação, à sua formação, à sua
ideologia.
Vou referir agora, o caso
da PSP, cujos polícias não podiam ser mandados
prestar serviço nas ruas
porque os revolucionários e os bandos que lhes
obedeciam,
maltratavam-nos, insultavam-nos, chegando mesmo a agredi-los fisicamente.
Quem estava a desempenhar
as funções que competiam à PSP eram cerca
de 120 militares,
divididos em grupos de combate que faziam parte da
Unidade de Operações
Especiais da Região Militar do Norte, estacionada
em Leixões, podendo
considerá-la a única unidade da Região (o efectivo da
Região Militar rondava os
5.000 homens) que eu encontrei perfeitamente
disciplinada, onde a
hierarquia era aceite naturalmente, onde se vivia em
espírito de grupo, pronto
para desempenhar qualquer missão que o
Comando lhe exigisse,
exemplarmente comandada pelo capitão Garcia
Lopes, hoje general, tendo
como adjunto o capitão A. Rocha, hoje coronel.
Eram estes soldados,
sargentos e oficiais que diariamente estavam prontos
para intervir, onde fosse
necessário, nas diferentes praças, ruas e empresas,
em manifestações, rixas,
assaltos, toda a espécie de distúrbios, que então se
desenrolavam por toda a
parte, de dia ou de noite.
Militares das outras
unidades negavam-se a obedecer ao Comando, sem
que os respectivos
comandantes conseguissem força e autoridade para que
as leis e regulamentos
militares se cumprissem. A indisciplina era total.
O trabalho a fazer na
manutenção da ordem pública era da competência da
Polícia, mas os seus
agentes nem saíam das esquadras!
Assim, decidi que a
Unidade de Operações Especiais passaria a ser a minha
reserva pessoal. Ninguém
podia dar-lhe qualquer ordem.
Foi então que pedi a
comparência do comandante da PSP do Porto, major
Mota Freitas, oficial de
grande dignidade, para o informar que, a partir
daquele momento, os
militares deixavam de fazer serviços que pertenciam
à PSP, sugerindo-lhe que
acabasse com a imobilidade dos seus agentes,
fazendo-os sair, mas,
quase só por uma questão de 'show-off', os armasse
com G-3.
Respondeu-me que lhes
tinham sido retiradas as armas, deixando o seu
Comando com apenas 18
pistolas.
À minha pergunta de
quantas G-3 precisava, respondeu-me: "Umas 30 ou
40".
Ofereci-lhe então 400, que
fui buscar ao Regimento de Transmissões, que
eu lhe indiquei por ser
das unidades mais indisciplinadas.
Os polícias saíram e, a
partir daí, sem ser preciso disparar um tiro,
passaram a ser
respeitados.
A autoridade policial restabeleceu-se.
Por isso, e por outras
acções idênticas, o Pires Veloso era um terrível
'fascista', segundo a
Comunicação Social e mesmo no parecer de alguns
elementos do Conselho da
Revolução e pelos políticos.
Entretanto, nos campos
militar, político e social, em particular, a situação
foi-se agravando de forma
assustadora, quase sem qualquer controlo,
especialmente nas zonas
das grandes cidades, com particular incidência no
Porto e em Lisboa.
Por todo o País,
acontecimentos os mais estranhos e inopinados, tinham
lugar diariamente:
* Mobilizavam-se nas
diferentes unidades das Forças Armadas
centenas de militares, além
de centenas ou milhares de civis que
fardavam e faziam desfilar
'garbosamente' nos grandes agregados
populacionais, desfiles
que designavam por SUV-Soldados Unidos
Vencerão, e que tinham por
objectivo desafiar a Autoridade, causar
terror.
No Porto, houve desses
três desfiles.
O primeiro, poucas semanas
após a minha tomada de posse do
Comando, a que assisti sem
poder intervir.
O segundo, com cerca de
10.000 elementos, que passou junto do QG,
também sem eu ter força
para intervir.
O terceiro, que estava a
organizar-se na Praça General Humberto
Delgado, mas que grupos de
combate das forças especiais e a Polícia
Militar destroçaram
democraticamente, isto é, batendo com força, se
necessário.
* As forças policiais e
militarizadas viviam no limite da inoperância e
desmobilização.
* Grandes manifestações
contestatárias realizavam-se a toda a hora.
* Professores
universitários e outros, empresários e técnicos de alta
valia, fugiam sempre que
podiam para o estrangeiro, sob pena de
serem presos sem culpa
formada e sem julgamento.
* Sucediam-se os assaltos
a casas, tendo por objectivo a sua ocupação,
e os roubos nas diferentes
empresas agrícolas e industriais.
* As barricadas nas
estradas, sob o pretexto de prender os fascistas e
procurar armas, eram
frequentes, só para aterrorizar, criar
insegurança e medo.
* O desrespeito pelo poder
constituído, nas repartições públicas, nas
autarquias, transportes,
hospitais, etc., era total.
Metodicamente, à medida
que se aproximava o 25 de Novembro o PCP
trabalhava com afinco,
para que não se falhasse na concretização da linha
que havia traçado, desde o
início da Revolução. E por isso
. Intensificou a agitação
nos quartéis, a ponto de, Álvaro Cunhal ter
tentado sanear o Cor. J.Neves
oferecendo a cerca de uma dúzia de
militares, aliciados para
o efeito, a quantia de 25.000 contos e a ida
para um país de escolha,
se actuassem nesse sentido
. Procurou o controlo da
Comunicação Social
. Fomentou mais greves,
assaltos
. Procedeu ao rebentamento
de bombas
. Fez acusações
caluniosas, espalhou boatos
. Quis destruir os nossos
costumes e tradições. Em suma, a Alma do
Povo.
Até ao 25 de Novembro,
tudo lhe estava a correr às mil maravilhas, tudo o
que havia planeado desde
Abril batia certo.
No entanto, uma coisa lhe falhou:
Não contava que o Norte, naquela data, a
Região Militar do Norte
tivesse 2.000 homens, bem armados e equipados e
muito disciplinados, que
não queriam que Portugal fosse uma província
soviética, de acordo aliás
com o desejo da maioria do Povo Português.
E quando talvez milhares
de militantes comunistas aguardavam na noite de
25 de Novembro de 1975
armas que lhes haviam. de ser entregues, em
locais previamente escolhidos,
prontos para começarem uma guerra, que
tinham a certeza ganhariam
(segundo me disse a Dra. Zita Seabra), ficaram
furiosos, porque a meio da
noite receberam a ordem de Álvaro Cunhal para
desmobilizarem
imediatamente.
Talvez porque o general
Costa Gomes, nessa noite, contactou Álvaro
Cunhal, advertindo-o que
sabia ele querer iniciar "uma guerra, mas que era
uma guerra perdida para o
seu Partido, pois no Norte, Pires Veloso tinha
conseguido grande força
militar disciplinada e este oficial não era para
brincadeiras e não gosta
do comunismo" (Esta confidência é do general
Costa Gomes, uns anos
depois, para comigo, quando me encontrei com ele
numa exposição no Mercado
Ferreira Borges, ali na zona do Infante, na
Baixa do Porto. Lembro-me
que, ao ver-me, se abraçou a mim com as
lágrimas nos olhos. Já não
estava com ele há meia dúzia de anos).
Como disse atrás, em
especial nas zonas do Porto e Lisboa, reinava a
anarquia, quer no sector
militar, quer no civil.
No Porto, logo em meados
de Setembro de 75, perante uma situação
incontrolada, o Comando da
Região Militar Norte traçou uma estratégia
para a Região, que logo se
impôs e foi seguida sem tergiversações, com
frontalidade e
determinação, fazendo chegar às unidades subordinadas,
directivas para serem
cumpridas.
Julgo oportuno mencionar
essas 10 directivas:
1. Recolher os oficiais
aos quartéis, retirando-os das funções que lhes
haviam sido atribuídas,
logo após o 25 de Abril, em empresas
públicas, Televisão,
Rádio, etc..
2. Tomar decisões rápidas
que as circunstâncias impunham, mas só as
comunicando para Lisboa
"a posteriori", decisões que aliás se
enquadravam sempre com
legitimidade, na competência do
comandante da RMN.
3. Adoptar, relativamente
a Lisboa, uma postura leal, sim, mas
reservada, já que se
sentia, no Norte, por vezes pouca transparência e
até deslealdade por parte
de militares e civis responsáveis que
contactavam a nossa
Região.
4. Manter uma
independência total relativamente a qualquer dos
partidos políticos.
5. Considerar o diálogo
sempre presente no relacionamento com
possíveis adversários.
6. Procurar um estreito
relacionamento entre a RMN e o Regimento de
Comandos, comandado por
Jaime Neves, bem como com a Força
Aérea.
7. Restaurar a disciplina
em todas as unidades da Região, sem
punições, sem violência,
actuando adequadamente sobre aquelas
onde a insubordinação, a
falta de respeito e a anarquia fossem
intoleráveis.
8. Em circunstâncias
aconselháveis, não hesitar em
demonstrações de força, a
título pedagógico e dissuasor.
9. Incentivar um relacionamento
franco, leal, aberto entre todos os
militares da Região,
eliminando um clima de suspeição e intriga
insidiosa, fomentado logo
após o 25 de Abril nas nossas Forças
Armadas.
10. Trabalhar com
seriedade, afinco e coragem para que os princípios
que nortearam o 25 de
Abril e constituíam a sua alma não fossem
desvirtuados.
Não foi pacífico dar
concretização a estas directivas. No entanto, em fins
de Novembro, a RMN estava
perfeitamente disciplinada e os homens
estavam bem conscientes
dos seus deveres, dispostos a cumprir qualquer
missão que lhes fosse
determinada.
Na verdade, o inimigo, o
PCP, maquiavelicamente actuou com insídia, com
rigor, procurando o
desmantelamento completo das estruturas militares da
Região, para o que:
* Tiveram em preparação a
ocupação do Centro de Operações
Especiais de Lamego, uma
unidade de elite do Exército, não o
conseguindo porém, graças
a actuaçãQ.adequada de sargentos e
oficiais, como o major
Rino, o capitão Magno e outros que se
portaram como militares e
portugueses de alta valia.
* Tudo fizeram para tomar
o CICAP, tomada prevista para uma
segunda-feira,
aproveitando militares ali em serviço e que haviam
aliciado, e que
constituíam a sua infiltração. O Comandante da
Região antecipou-se nos
dias anteriores, neutralizando esses
elementos, assegurando o
controlo da unidade.
. Ocupou o RASP durante um
período de tempo razoável e que tanta
inquietação e angústia
causou entre a população civil e ao Comando
da Região, que teve que
agir com serenidade e argúcia, sem porém
deixar de prever e planear
um ataque militar em força para fazer a
limpeza e reocupação da
unidade.
. Manteve sempre activa a
ponta de lança do general Otelo e PCP, o
Quartel de Chaves, a sua
unidade revolucionária de elite.
. Criou os SUV para
constituírem uma organização que infundia terror
e insegurança e em
especial era desafiante da Autoridade Militar.
Repito: no 25 de Novembro,
o Comando da Região Militar Norte tinha a
situação totalmente sob
controlo, com todas as unidades pertencentes à
Região Militar, inseridas
na hierarquia do Comando e preparadas para a
defesa da Democracia, tão
seriamente ameaçada pelo PCP
Em Lisboa, como era?
No Comando da RMN a ideia
do que se passava na área de Lisboa e do Sul
do Tejo era de que se
vivia ali um clima de insegurança, de desconfiança,
de medo, de terror mesmo,
com a situação militar, social e política de
degradação completa,
incontrolável.
(Tínhamos no Norte a
consciência de que aqui, precisávamos de nos
fortalecer e estar prontos
para defender Portugal.)
É pois natural que se faça
a pergunta: Afinal lá em baixo quem é que
mandava?
1- Um Presidente da
República, primeiro o general Spínola, que a
determinada altura fugiu,
abandonando o País.
Depois, sucedeu-lhe o
general Costa Gomes que, ao tomar tantas vezes
posições dúbias e deixando
a ideia de que valorizava mais os esquerdistas
que os outros, não
sossegava a maioria do Povo, que não queria o
comunismo.
Porém, dadas as
circunstâncias, podíamos dar-lhe o benefício da dúvida e
admitir que, com este seu
procedimento, teria evitado a guerra civil.
2 - O celebérrimo COPCON,
tendo à frente o general Otelo Saraiva de
Carvalho, que quis
estender os seus tentáculos, lançando mão de todos os
meios lícitos ou ilícitos,
por todo o País, quase o dominando por completo,
recorrendo ao terror, com
prisões arbitrárias, com saneamentos de todos
aqueles que os agentes de
Otelo entendiam ser fascistas.
Só nas Forças Armadas
foram saneados mais de 700 graduados, muitos
dos quais com uma folha
brilhante pelos serviços prestados ao longo da
sua carreira, militares de
alto gabarito.
A estratégia do COPCON
recorria à actuação das suas equipas de
dinamização cultural, que
criou, compostas por militares
revolucionários, e civis,
operários de fábricas, mas que Otelo
considerava altamente
politizados, graduando-os como oficiais do
Exército em alferes e
tenentes, que infestaram o País de Norte a Sul.
Estas equipas foram
repudiadas pela larga maioria do Povo Português.
Quanto ao comportamento
das unidades de Lisboa e Sul praticamente todas
elas, excepto o Regimento
de Comandos, tendo como comandante o
coronel Jaime Neves,
militar notável, um operacional por excelência, eram
de molde a não se poder
contar com elas no bom sentido.
As demais estavam minadas
pelo PCP, por isso ali, a indisciplina, o
menosprezo pela
Autoridade, o desrespeito pela hierarquia, o não
cumprimento das leis e
regulamentos militares eram o pão nosso de cada
dia, a ponto de, quando do
Golpe, no 25 de Novembro, alguém desse tal
Comando da Amadora (que
não o Eanes) pediu-nos o envio de cerca de
500 militares para
procurar controlar a situação.
E a nossa Região
mandou-lhos.
Foi-nos também pedido para
recebermos os oficiais e sargentos, largas
dezenas, revolucionários e
pô-los nas nossas prisões no Norte. Nem esse
problema eles lá em baixo
tiveram força e coragem para resolver!
De notar que, quando as
tropas do Norte desfilaram nas ruas de Lisboa, a
caminho dos locais que
lhes haviam destinado, foram aclamados pelo
Povo, consideradas tropas
libertadoras.
Em traços largos, a
realidade era esta, lá para o sul:
As principais
instituições, Presidência da República, Governo, Tribunais,
Forças Aramadas no seu
todo, as Forças Policiais, estavam titubeantes,
actuavam sem convicção e
firmeza, não faziam cumprir as leis.
Daí, várias actuações
revolucionárias deploráveis, gravíssimas, tiveram
lugar lá para baixo.
Cito algumas:
. Assalto à Embaixada de
Espanha, seguido de pilhagens;
. a Governo é cercado por
falsos deficientes;
. a Palácio de S. Bento, a
Assembleia da República e a residência do
Primeiro-Ministro são
cercados por operários da construção civil;
. A implantação da Comuna
de Lisboa esteve iminente;
. a Governo entrou em
greve;
. Juramento de bandeira
revolucionário no RALIS, que assustou
Portugal de Norte a Sul;
. Bloqueio dos acessos a
Lisboa com barricadas;
. Por fim as tropas
pára-quedistas da base aérea de Tancos revoltam-se
e ocupam as bases da ata,
Montijo, Monte Real e o Comando da 1.ª
Região Aérea de Monsanto.
Em 26 de Novembro, foi
então que o coronel Jaime Neves, à frente das
suas forças atacou os
insurrectos em Monsanto e o Regimento da Polícia
Militar, num confronto
militar de extrema tensão que, no estertor da
operação, ficaria manchado
com sangue.
Ao avançar no terreno, o
destemido coronel Jaime Neves gritou bem alto a
senha da operação,
invocando o nome do Presidente da República.
Este é, de facto, um dos
momentos-chave do verdadeiro 25 de Novembro.
Veja-se que, no preciso
momento do colapso das chamadas forças
revolucionárias, e uma vez
constatado no terreno que a Região Militar
Norte estava 100%
operacional e sob absoluto controlo da respectiva
cadeia de comando, eis que
emergiu com toda a evidência o eixo
Presidência da
República-Regimento de Comandos como factor decisivo
para o culminar do
processo.
Engana-se, pois, quem pense
que ao Regimento de Comandos chegou
qualquer ordem expressa
vinda do famigerado Comando da Amadora. ..
12
De facto, constava-se que,
lá para Lisboa, no rescaldo do Verão Quente,
havia um autodesignado
Comando da Amadora, composto por oficiais que
se haviam juntado, para
ajudar no controlo da situação que se estava a
viver, tais como Tomé
Pinto, Garcia dos Santos, Eanes, Vítor Alves e
outros.
Tratava-se de oficiais
desligados de qualquer missão operacional, muito
menos a nível de comando
de uma Unidade, pelo que estavam livres para
reuniões conspirativas ou
Marketing junto de alguns órgãos de
Comunicação Social,
traçando estratégias de contenção e escape, a reboque
do avassalador avanço das
forças revolucionárias.
Praticamente, esse Comando
era desconhecido no Norte a não ser pelo que
se sabia através da
Comunicação Social, que, entretanto, na confusão
gerada entre as forças
democráticas, começou a falar de Eanes como sendo
o conhecedor de tudo.
Ora, sobre isto, o coronel
Jaime Neves afirmou-me, na presença do
jornalista Silva Tavares,
que, dos oficiais que se juntaram, inicialmente
Eanes era o que estava
mais livre e aparecia mais vezes às reuniões, pelo
que foi encarregado de
tomar notas de todos os acontecimentos relevantes
que se passavam no País -
a partir de certa altura a uma velocidade
estonteante, diga-se. Daí,
sempre que alguém pretendia uma informação
específica, ter sido
criada a ideia de que "O Eanes é que sabe".
Quanto ao mais, e na
ausência de um cabal esclarecimento do próprio,
ainda hoje são permitidas
todas as leituras e conivências sobre as armas que
Eanes distribuiu ao então
dirigente do PS, Edmundo Pedro, alegadamente
para defesa das forças
democráticas mais moderadas.
E as suspeitas são
legítimas, porque tal distribuição de armas foi feita sem
conhecimento do general
Vasco Lourenço, de que Eanes era então simples
adjunto. "Não digam
nada ao Vasco Lourenço", terá recomendado ele
expressamente, conforme
depoimento já publicado em livro pelo próprio
Edmundo Pedro.
Efectivamente, para mim,
esse tal Comando da Amadora mais não
representou do que uma
incubadora, onde o PCP actuava insidiosamente,
porquanto dali Eanes foi
lançado para altos voos, não porque tenha dado
provas, até essa data, de
capacidade intelectual acima da média ou de poder
de decisão que o
distinguissem. Muito menos de frontalidade, transparência
e lealdade em todas as
circunstâncias, como é característica de um
verdadeiro chefe.
Pelo contrário, o seu
perfil mostrava-o como um homem cinzento, pois a
partir de determinada
momento compactuava com jogos pouco limpos.
Se não estivéssemos num
cenário de vincada influência política, como
explicar que ele, logo
após o 25 de Novembro, tenha sido escolhido para
Chefe do Estado Maior do
Exército, sem os outros chefes militares do País,
nomeadamente o comandante
da Região Militar do Norte terem sido
consultados?
A verdade é que, ainda não
tinha assentado todo o pó do contra-golpe de 25
de Novembro e de imediato
se preparou o terreno para a Presidência da
República. ..
A lógica dos
acontecimentos para mim não sustenta qualquer dúvida.
Vejamos:
Não tinha, de facto, ainda
assentado "esse pó quando, na noite do dia 26, nas pantalhas da RTP, eis
que surge na casa de todos os portugueses o major Melo Antunes, conselheiro da
Revolução, com uma surpreendente
declaração tentando ilibar
o Partido Comunista das óbvias
responsabilidades no Golpe contra-revolucionário.
Consciente do desconforto
e insatisfação que essa declaração pública de
Melo Antunes provocou no
seio da esmagadora maioria dos portugueses,
eu próprio, no dia
seguinte, tomei a iniciativa de o contactar, pedindo-lhe
explicações.
A desculpa, em tom de
fingido arrependimento, foi a de que não era seu
propósito desculpabilizar
o Partido Comunista...
Frontalmente, disse-lhe,
então que, se era assim, ele devia voltar à
Televisão com urgência
para esclarecer as suas palavras. Até hoje, claro...
Uns tempos mais tarde,
pessoalmente, avivei-lhe a memória sobre o
incidente. "Meu
brigadeiro, em política às vezes temos de fazer certas
coisas que não
queremos..." - desculpou-se Melo Antunes. Mas a teia
política já estava em
marcha, com um "preço" porventura muito elevado
para o País.
Com efeito, o célebre
Relatório Provisório sobre o 25 de Novembro, o
famoso Relatório das
Sevícias, não passou, até hoje, disso mesmo - de um
Relatório Provisório
tomado material de arquivo.
Mas, aí, já com a conivência
de outro Presidente da República. ..
Termino, reafirmando, como
grande conclusão, que a vitória do 25 de
Novembro se deve sobretudo
à actuação da Região Militar do Norte, em
estreita ligação com o
Regimento de Comandos, do coronel Jaime Neves, e
da Força Aérea, tendo como
Chefe do Estado Maior o general Morais e
Silva.
Por isso, perante as
sucessivas e sistemáticas tentativas de silenciar tão
importante data da
Democracia Portuguesa, aqui deixo o meu repto aos
nossos mais respeitados
Historiadores para que reescrevam a verdadeira
História do 25 de
Novembro.
Agora que todos os pilares
da nossa Democracia parecem vergar perante a
avalancha da Crise económica
e financeira do mundo globalizado, é tempo
de reafirmar a 1;rimazia
dos valores e da ética, um patamar onde,
seguramente, estão as
Forças Armadas.
Sem preconceitos, sem
mitos, slogans e mentiras mil vezes repetidas, os
Historiadores Portugueses
têm hoje a oportunidade, senão o dever, de
confrontar o silêncio que
inexplicavelmente caiu, desde a primeira hora,
sobre todo o processo do
25 de Novembro - Um processo actualmente
minado por versões e
contra-informações veiculadas pelos pretensos
guardiões do 25 de Abril,
que são hoje os herdeiros da impunidade que
premiou os autores do
Golpe do 25 de Novembro de 1975.
Para finalizar, quero
realçar o seguinte:
Pelo que acabei de expor,
todos viram que em 1975/76, no Comando da
RMN havia a firme
convicção que no Norte do País tínhamos de estar
muito atentos ao
desenrolar dos acontecimentos e prevê-los na medida do
possível, para ajudar a
salvar Portugal.
Por outro lado estava no
nosso pensamento que a Saúde, a Educação, o
Social são pilares de uma
Sociedade.
E, nós, aproveitando a
dinâmica revolucionária que se vivia decidimos
então ceder imóveis
militares à Soci€dade Civil.
Foram os seguintes:
As prioridades: Saúde e
Educação
CEDÊNCIA DE INSTALAÇÕES
MILITARES
Porto
01. Instalações onde
funcionava o Tribunal Militar cedidas ao
Ministério da Educação,
para uso da Faculdade de Letras.
02. Instalações onde
funcionava o DRM cedidas ao Ministério da
Administração Interna.
03. Casa da Reclusão
Militar cedida à Câmara Municipal do Porto para
fins culturais e outros.
04. Castelo do Queijo, na
Foz, cedido à Associação de Comandos para
fins sociais.
05. Quartel do CICAP
(edifícios e terrenos) cedido ao Ministério da
Saúde e ao Ministério da
Educação, onde foi instalada a Reitoria da
Universidade do Porto,
Biblioteca e outros órgãos.
Viana do Castelo
06. Cedência do Quartel do
Batalhão de Caçadores 9 à Câmara
Municipal para fins
culturais e sociais.
07. Enfermaria militar
cedida para fins culturais e sociais.
08. Fortaleza de Santiago
da Barra cedida ao Ministério da Cultura e
Turismo.
Vila Real
09. Edifício onde
funcionava o DRM de Trás-os-Montes cedido ao
Ministério da Educação
para a Universidade de Trás-os-Montes.
Póvoa de Varzim
10. Quartel cedido à
Câmara Municipal para expansão da cidade.
Braga
11. Cedidos os terrenos de
Gualtar ao Ministério da Educação para a
construção de Universidade
do Minho.
António Elísio Capelo
Pires Veloso
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