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sábado, 24 de novembro de 2012

História


À passagem de mais um aniversário do 25 de Novembro, para muitos a data da libertação de Portugal, para outros o fim do genuíno espírito abrilista, publicamos um artigo da autoria de um interveniente nos acontecimentos. Um militar conhecido antes e depois da Revolução dos Cravos que apresenta o seu ponto de vista sobre os decisivos acontecimentos que viveu bem por dentro. Uma visão de direita que colide com outras, necessariamente, como por exemplo a nossa. Mas na 'Fénix do Atlântico' há lugar para todas as vozes. Todos os contributos são válidos, porque ajudam a reflexão e atiçam o debate.
Agradecemos a disponibilidade ao autor, ex-candidato à presidência da República e conhecido como vice-rei do Norte. E ao Coronel Ramiro Morna do Nascimento a sua intervenção para que tivéssemos acesso ao documento.




O NORTE DO PAÍS NO 25 DE NOVEMBRO
 
 


 Por PIRES VELOSO
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 







Até hoje, passados que foram 36 anos sobre o 25 de Novembro de 1975,
por que razão os responsáveis políticos, e mesmo alguns militares mais
graduados, tudo têm feito para que a História esqueça o Norte do País
quanto ao seu desempenho por parte dos militares em serviço na Região e
do próprio povo nortenho?

De notar que Vasco Lourenço, que por vezes cometeu os seus "pecados",
foi um Capitão de Abril notável, muito ouvido e conceituado de entre os

revolucionários, corajoso e destemido, disse, aquando Governador Militar

de Lisboa, em Novembro de 1975, que a Região Militar do Norte era a

Região em Portugal que tinha mais Poder, um Poder que se procurou nos

últimos meses daquele ano, meses designados por Verão Quente, com

muita determinação, paciência, firmeza, sempre tendo em atenção a

vontade da maioria do Povo Português.

Não para o utilizar para benefícios pessoais, mas sim na defesa da

Democracia.

 

Em meados de 2011, concedi uma entrevista ao brilhante

jornalista Carlos Pinto Coelho, infelizmente já falecido, para a RTP

Memória, que me procurou a solicitá-la, dizendo-me que já tinham em

Lisboa à disposição para o efeito o Palácio de Galveias.

Disse-lhe que eu a Lisboa não iria, mas que, no Porto, estava ao seu dispor,

pois nesta cidade também havia palácios. . .

 

A entrevista teve então lugar no Salão Nobre do meu ex-Quartel General,

na Praça da República, onde havia sido o Comandante desde Setembro de

1975 a Novembro de 1977.
 




Nesta entrevista, deixei esta afirmação: "Em Novembro de 1975 o Quartel

General da Região Militar do Norte devia ser considerado a Casa da

Democracia em Portugal".

Porquê?

 

Na verdade, é bem sabido que na ocasião, partidos políticos democráticos,

o Governo e a própria Assembleia da República pensaram em deixar

Lisboa e vir para o Porto!

Seria porque estavam fartos da democracia lisboeta?

 

Mário Soares, uma referência para a Liberdade e Democracia em Portugal,

procurou-me no meu gabinete, no dia 25 de Novembro, mostrando-se

muito preocupado com a situação.

Sosseguei-o, informando-o de que no Norte estava tudo sob controlo.

Vem talvez a propósito referir que Mário Soares, ao entrar no meu

gabinete, era seguido por Manuel Alegre, que pretendia também entrar, no

que foi impedido por Mário Soares, dizendo-lhe: "Não entras porque quero

falar a sós com o Sr. Brigadeiro".

E Manuel Alegre já não entrou.

 

A mui ilustre figura da Igreja, o Bispo Sr. D. Manuel Martins, escreveu em

2001, data em que foi publicado o livro "O Norte e o 25 de Novembro" do

jornalista Silva Tavares:

"O 25 de Novembro tem a mesma legitimidade do 25 de Abril para ser

lembrado e celebrado. Sem o 25 de Novembro, o 25 de Abril não teria

passado de um sorriso fugaz. Esperamos sempre e só que o 25 de

Novembro não sirva senão para pôr a descoberto o melhor do 25 de Abril

para que este não corra o risco de se transformar numa grande saudade".

À data do primeiro aniversário, ao chegarmos ao 25 de Novembro de 1976,

precisamente porque tinha para mim que representava uma data marcante

em que a Democracia havia sido salva, duas semanas antes desloquei-me a

Lisboa para saber no Estado Maior do Exército se havia alguma directiva

para que se promovessem cerimónias, em que, certamente, estariam

presentes desfiles militares a políticos.

Foi-me respondido que o Chefe havia decidido que o 25 de Novembro seria

celebrado dentro dos Quartéis Generais.

Argumentei que, desta maneira, a população do Norte, a quem em grande

parte se devia a vitória, era esquecida injustamente, pelo que pedi então ao

chefe de gabinete do CEM, então brigadeiro Canelhas, que dissesse ao

Chefe que o Comandante da Região Militar do Norte entendia que a Praça

da República também era Quartel General.

E aí, no dia 25 de Novembro de 1976, realizou-se uma cerimónia pública

comemorativa de um acontecimento tão marcante da nossa História.

 

Porquê, então, a directiva oficial de esconder o 25 de Novembro? Porquê,

então, a táctica do silêncio?

Penso que se vos descrever o que se passou antes do 25 de Novembro de

75, tereis a resposta do esconder o 25 de Novembro por parte daqueles

responsáveis de Lisboa que sempre se arvoraram donos de Portugal e

continuaram descaradamente!

Certamente porque têm vergonha daquilo que fizeram ou não fizeram!

O 25 de Novembro, pensado, criado, incentivado pelo PCP, visava fazer de

Portugal uma Cuba da Europa, e começou a accioná-lo logo a seguir ao 25

de Abril.

 

O Partido Comunista achava que a felicidade do Povo Português seria

alcançada com a implantação neste nosso Portugal de um regime idêntico

ao que a União Soviética havia imposto aos países bálticos, Polónia, parte

da Alemanha, Hungria, etc., onde se torturaram, massacraram, mataram

milhares, só porque queriam viver em Liberdade.

 

Novamente cito D. Manuel Martins, pessoa por quem tenho o maior

respeito e admiração:

"Nós somos a Liberdade. A Liberdade alicerça e alicerça-se na nossa

dignidade. O homem não o é, se não for livre.

Ao falarmos em Liberdade referimo-nos logo à capacidade, levada ao

concreto de podermos pensar, de nos podermos exprimir, de nos

manifestarmos, de nos construirmos e de construirmos o Mundo. Se nos

negam ou cortam essa liberdade logo nos sentimos atingidos no nosso ser,

na nossa identidade, na nossa própria alma".

 

Para a estratégia comunista, impunha-se, pois, em alta prioridade levar a

anarquização a todos os cantos da vida nacional, com violência, de

imediato.

O PCP e a Extrema-esquerda, que aquele Partido aliciou, mas que depois

chegou a ter alguma dificuldade em controlar, começam por desenvolver

um sentimento de medo na sociedade portuguesa, que penalizava mental e

fisicamente as pessoas que até aqui, durante a sua vida, haviam feito frente

a grandes dificuldades e perigos, com serenidade, triunfando pela sua

coragem, determinação e trabalho.

Como exemplo concreto, posso citar o caso de muitos militares que durante

a guerra em África se portaram como verdadeiros Heróis, pensando que

estavam a cumprir uma missão que a sua Pátria lhes pedia.

Chegados a Portugal, só porque lhes chamavam 'fascistas', ficavam

apavorados, inibidos de agir, de se controlar, deixando-se arrastar para

situações contrárias ao seu querer, à sua educação, à sua formação, à sua

ideologia.

 

Vou referir agora, o caso da PSP, cujos polícias não podiam ser mandados

prestar serviço nas ruas porque os revolucionários e os bandos que lhes

obedeciam, maltratavam-nos, insultavam-nos, chegando mesmo a agredi-los fisicamente.

Quem estava a desempenhar as funções que competiam à PSP eram cerca

de 120 militares, divididos em grupos de combate que faziam parte da

Unidade de Operações Especiais da Região Militar do Norte, estacionada

em Leixões, podendo considerá-la a única unidade da Região (o efectivo da

Região Militar rondava os 5.000 homens) que eu encontrei perfeitamente

disciplinada, onde a hierarquia era aceite naturalmente, onde se vivia em

espírito de grupo, pronto para desempenhar qualquer missão que o

Comando lhe exigisse, exemplarmente comandada pelo capitão Garcia

Lopes, hoje general, tendo como adjunto o capitão A. Rocha, hoje coronel.

Eram estes soldados, sargentos e oficiais que diariamente estavam prontos

para intervir, onde fosse necessário, nas diferentes praças, ruas e empresas,

em manifestações, rixas, assaltos, toda a espécie de distúrbios, que então se

desenrolavam por toda a parte, de dia ou de noite.

Militares das outras unidades negavam-se a obedecer ao Comando, sem

que os respectivos comandantes conseguissem força e autoridade para que

as leis e regulamentos militares se cumprissem. A indisciplina era total.

O trabalho a fazer na manutenção da ordem pública era da competência da

Polícia, mas os seus agentes nem saíam das esquadras!

Assim, decidi que a Unidade de Operações Especiais passaria a ser a minha

reserva pessoal. Ninguém podia dar-lhe qualquer ordem.

Foi então que pedi a comparência do comandante da PSP do Porto, major

Mota Freitas, oficial de grande dignidade, para o informar que, a partir

daquele momento, os militares deixavam de fazer serviços que pertenciam

à PSP, sugerindo-lhe que acabasse com a imobilidade dos seus agentes,

fazendo-os sair, mas, quase só por uma questão de 'show-off', os armasse

com G-3.

Respondeu-me que lhes tinham sido retiradas as armas, deixando o seu

Comando com apenas 18 pistolas.

À minha pergunta de quantas G-3 precisava, respondeu-me: "Umas 30 ou

40".

Ofereci-lhe então 400, que fui buscar ao Regimento de Transmissões, que

eu lhe indiquei por ser das unidades mais indisciplinadas.

Os polícias saíram e, a partir daí, sem ser preciso disparar um tiro,

passaram a ser respeitados.

A autoridade policial restabeleceu-se.

 

Por isso, e por outras acções idênticas, o Pires Veloso era um terrível

'fascista', segundo a Comunicação Social e mesmo no parecer de alguns

elementos do Conselho da Revolução e pelos políticos.

Entretanto, nos campos militar, político e social, em particular, a situação

foi-se agravando de forma assustadora, quase sem qualquer controlo,

especialmente nas zonas das grandes cidades, com particular incidência no

Porto e em Lisboa.

 

Por todo o País, acontecimentos os mais estranhos e inopinados, tinham

lugar diariamente:

* Mobilizavam-se nas diferentes unidades das Forças Armadas

centenas de militares, além de centenas ou milhares de civis que

fardavam e faziam desfilar 'garbosamente' nos grandes agregados

populacionais, desfiles que designavam por SUV-Soldados Unidos

Vencerão, e que tinham por objectivo desafiar a Autoridade, causar

terror.

No Porto, houve desses três desfiles.

O primeiro, poucas semanas após a minha tomada de posse do

Comando, a que assisti sem poder intervir.

O segundo, com cerca de 10.000 elementos, que passou junto do QG,

também sem eu ter força para intervir.

O terceiro, que estava a organizar-se na Praça General Humberto

Delgado, mas que grupos de combate das forças especiais e a Polícia

Militar destroçaram democraticamente, isto é, batendo com força, se

necessário.

 

* As forças policiais e militarizadas viviam no limite da inoperância e

desmobilização.

* Grandes manifestações contestatárias realizavam-se a toda a hora.

* Professores universitários e outros, empresários e técnicos de alta

valia, fugiam sempre que podiam para o estrangeiro, sob pena de

serem presos sem culpa formada e sem julgamento.

* Sucediam-se os assaltos a casas, tendo por objectivo a sua ocupação,

e os roubos nas diferentes empresas agrícolas e industriais.

* As barricadas nas estradas, sob o pretexto de prender os fascistas e

procurar armas, eram frequentes, só para aterrorizar, criar

insegurança e medo.

* O desrespeito pelo poder constituído, nas repartições públicas, nas

autarquias, transportes, hospitais, etc., era total.

Metodicamente, à medida que se aproximava o 25 de Novembro o PCP

trabalhava com afinco, para que não se falhasse na concretização da linha

que havia traçado, desde o início da Revolução. E por isso

. Intensificou a agitação nos quartéis, a ponto de, Álvaro Cunhal ter

tentado sanear o Cor. J.Neves oferecendo a cerca de uma dúzia de

militares, aliciados para o efeito, a quantia de 25.000 contos e a ida

para um país de escolha, se actuassem nesse sentido

. Procurou o controlo da Comunicação Social

. Fomentou mais greves, assaltos

. Procedeu ao rebentamento de bombas

. Fez acusações caluniosas, espalhou boatos

. Quis destruir os nossos costumes e tradições. Em suma, a Alma do

Povo.

Até ao 25 de Novembro, tudo lhe estava a correr às mil maravilhas, tudo o

que havia planeado desde Abril batia certo.

No entanto, uma coisa lhe falhou: Não contava que o Norte, naquela data, a

Região Militar do Norte tivesse 2.000 homens, bem armados e equipados e

muito disciplinados, que não queriam que Portugal fosse uma província

soviética, de acordo aliás com o desejo da maioria do Povo Português.

E quando talvez milhares de militantes comunistas aguardavam na noite de

25 de Novembro de 1975 armas que lhes haviam. de ser entregues, em

locais previamente escolhidos, prontos para começarem uma guerra, que

tinham a certeza ganhariam (segundo me disse a Dra. Zita Seabra), ficaram

furiosos, porque a meio da noite receberam a ordem de Álvaro Cunhal para

desmobilizarem imediatamente.

 

Talvez porque o general Costa Gomes, nessa noite, contactou Álvaro

Cunhal, advertindo-o que sabia ele querer iniciar "uma guerra, mas que era

uma guerra perdida para o seu Partido, pois no Norte, Pires Veloso tinha

conseguido grande força militar disciplinada e este oficial não era para

brincadeiras e não gosta do comunismo" (Esta confidência é do general

Costa Gomes, uns anos depois, para comigo, quando me encontrei com ele

numa exposição no Mercado Ferreira Borges, ali na zona do Infante, na

Baixa do Porto. Lembro-me que, ao ver-me, se abraçou a mim com as

lágrimas nos olhos. Já não estava com ele há meia dúzia de anos).

Como disse atrás, em especial nas zonas do Porto e Lisboa, reinava a

anarquia, quer no sector militar, quer no civil.

No Porto, logo em meados de Setembro de 75, perante uma situação

incontrolada, o Comando da Região Militar Norte traçou uma estratégia

para a Região, que logo se impôs e foi seguida sem tergiversações, com

frontalidade e determinação, fazendo chegar às unidades subordinadas,

directivas para serem cumpridas.

 

Julgo oportuno mencionar essas 10 directivas:

 

1. Recolher os oficiais aos quartéis, retirando-os das funções que lhes

haviam sido atribuídas, logo após o 25 de Abril, em empresas

públicas, Televisão, Rádio, etc..

 

2. Tomar decisões rápidas que as circunstâncias impunham, mas só as

comunicando para Lisboa "a posteriori", decisões que aliás se

enquadravam sempre com legitimidade, na competência do

comandante da RMN.

 

3. Adoptar, relativamente a Lisboa, uma postura leal, sim, mas

reservada, já que se sentia, no Norte, por vezes pouca transparência e

até deslealdade por parte de militares e civis responsáveis que

contactavam a nossa Região.

 

4. Manter uma independência total relativamente a qualquer dos

partidos políticos.

5. Considerar o diálogo sempre presente no relacionamento com

possíveis adversários.

 

6. Procurar um estreito relacionamento entre a RMN e o Regimento de

Comandos, comandado por Jaime Neves, bem como com a Força

Aérea.

 

7. Restaurar a disciplina em todas as unidades da Região, sem

punições, sem violência, actuando adequadamente sobre aquelas

onde a insubordinação, a falta de respeito e a anarquia fossem

intoleráveis.

 

8. Em circunstâncias aconselháveis, não hesitar em

demonstrações de força, a título pedagógico e dissuasor.

 

9. Incentivar um relacionamento franco, leal, aberto entre todos os

militares da Região, eliminando um clima de suspeição e intriga

insidiosa, fomentado logo após o 25 de Abril nas nossas Forças

Armadas.

 

10. Trabalhar com seriedade, afinco e coragem para que os princípios

que nortearam o 25 de Abril e constituíam a sua alma não fossem

desvirtuados.

 

Não foi pacífico dar concretização a estas directivas. No entanto, em fins

de Novembro, a RMN estava perfeitamente disciplinada e os homens

estavam bem conscientes dos seus deveres, dispostos a cumprir qualquer

missão que lhes fosse determinada.

 

Na verdade, o inimigo, o PCP, maquiavelicamente actuou com insídia, com

rigor, procurando o desmantelamento completo das estruturas militares da

Região, para o que:

 

* Tiveram em preparação a ocupação do Centro de Operações

Especiais de Lamego, uma unidade de elite do Exército, não o

conseguindo porém, graças a actuaçãQ.adequada de sargentos e

oficiais, como o major Rino, o capitão Magno e outros que se

portaram como militares e portugueses de alta valia.

 

* Tudo fizeram para tomar o CICAP, tomada prevista para uma

segunda-feira, aproveitando militares ali em serviço e que haviam

aliciado, e que constituíam a sua infiltração. O Comandante da

Região antecipou-se nos dias anteriores, neutralizando esses

elementos, assegurando o controlo da unidade.

. Ocupou o RASP durante um período de tempo razoável e que tanta

inquietação e angústia causou entre a população civil e ao Comando

da Região, que teve que agir com serenidade e argúcia, sem porém

deixar de prever e planear um ataque militar em força para fazer a

limpeza e reocupação da unidade.

. Manteve sempre activa a ponta de lança do general Otelo e PCP, o

Quartel de Chaves, a sua unidade revolucionária de elite.

. Criou os SUV para constituírem uma organização que infundia terror

e insegurança e em especial era desafiante da Autoridade Militar.

Repito: no 25 de Novembro, o Comando da Região Militar Norte tinha a

situação totalmente sob controlo, com todas as unidades pertencentes à

Região Militar, inseridas na hierarquia do Comando e preparadas para a

defesa da Democracia, tão seriamente ameaçada pelo PCP

Em Lisboa, como era?

No Comando da RMN a ideia do que se passava na área de Lisboa e do Sul

do Tejo era de que se vivia ali um clima de insegurança, de desconfiança,

de medo, de terror mesmo, com a situação militar, social e política de

degradação completa, incontrolável.

(Tínhamos no Norte a consciência de que aqui, precisávamos de nos

fortalecer e estar prontos para defender Portugal.)

É pois natural que se faça a pergunta: Afinal lá em baixo quem é que

mandava?

 

1- Um Presidente da República, primeiro o general Spínola, que a

determinada altura fugiu, abandonando o País.

Depois, sucedeu-lhe o general Costa Gomes que, ao tomar tantas vezes

posições dúbias e deixando a ideia de que valorizava mais os esquerdistas

que os outros, não sossegava a maioria do Povo, que não queria o

comunismo.

Porém, dadas as circunstâncias, podíamos dar-lhe o benefício da dúvida e

admitir que, com este seu procedimento, teria evitado a guerra civil.

 

2 - O celebérrimo COPCON, tendo à frente o general Otelo Saraiva de

Carvalho, que quis estender os seus tentáculos, lançando mão de todos os

meios lícitos ou ilícitos, por todo o País, quase o dominando por completo,

recorrendo ao terror, com prisões arbitrárias, com saneamentos de todos

aqueles que os agentes de Otelo entendiam ser fascistas.

Só nas Forças Armadas foram saneados mais de 700 graduados, muitos

dos quais com uma folha brilhante pelos serviços prestados ao longo da

sua carreira, militares de alto gabarito.

A estratégia do COPCON recorria à actuação das suas equipas de

dinamização cultural, que criou, compostas por militares

revolucionários, e civis, operários de fábricas, mas que Otelo

considerava altamente politizados, graduando-os como oficiais do

Exército em alferes e tenentes, que infestaram o País de Norte a Sul.

Estas equipas foram repudiadas pela larga maioria do Povo Português.

Quanto ao comportamento das unidades de Lisboa e Sul praticamente todas

elas, excepto o Regimento de Comandos, tendo como comandante o

coronel Jaime Neves, militar notável, um operacional por excelência, eram

de molde a não se poder contar com elas no bom sentido.

As demais estavam minadas pelo PCP, por isso ali, a indisciplina, o

menosprezo pela Autoridade, o desrespeito pela hierarquia, o não

cumprimento das leis e regulamentos militares eram o pão nosso de cada

dia, a ponto de, quando do Golpe, no 25 de Novembro, alguém desse tal

Comando da Amadora (que não o Eanes) pediu-nos o envio de cerca de

500 militares para procurar controlar a situação.

E a nossa Região mandou-lhos.

 

Foi-nos também pedido para recebermos os oficiais e sargentos, largas

dezenas, revolucionários e pô-los nas nossas prisões no Norte. Nem esse

problema eles lá em baixo tiveram força e coragem para resolver!

De notar que, quando as tropas do Norte desfilaram nas ruas de Lisboa, a

caminho dos locais que lhes haviam destinado, foram aclamados pelo

Povo, consideradas tropas libertadoras.

 

Em traços largos, a realidade era esta, lá para o sul:

As principais instituições, Presidência da República, Governo, Tribunais,

Forças Aramadas no seu todo, as Forças Policiais, estavam titubeantes,

actuavam sem convicção e firmeza, não faziam cumprir as leis.

Daí, várias actuações revolucionárias deploráveis, gravíssimas, tiveram

lugar lá para baixo.

 

Cito algumas:

. Assalto à Embaixada de Espanha, seguido de pilhagens;

. a Governo é cercado por falsos deficientes;

. a Palácio de S. Bento, a Assembleia da República e a residência do

Primeiro-Ministro são cercados por operários da construção civil;

. A implantação da Comuna de Lisboa esteve iminente;

. a Governo entrou em greve;

. Juramento de bandeira revolucionário no RALIS, que assustou

Portugal de Norte a Sul;

. Bloqueio dos acessos a Lisboa com barricadas;

. Por fim as tropas pára-quedistas da base aérea de Tancos revoltam-se

e ocupam as bases da ata, Montijo, Monte Real e o Comando da 1.ª

Região Aérea de Monsanto.

Em 26 de Novembro, foi então que o coronel Jaime Neves, à frente das

suas forças atacou os insurrectos em Monsanto e o Regimento da Polícia

Militar, num confronto militar de extrema tensão que, no estertor da

operação, ficaria manchado com sangue.

Ao avançar no terreno, o destemido coronel Jaime Neves gritou bem alto a

senha da operação, invocando o nome do Presidente da República.

Este é, de facto, um dos momentos-chave do verdadeiro 25 de Novembro.

Veja-se que, no preciso momento do colapso das chamadas forças

revolucionárias, e uma vez constatado no terreno que a Região Militar

Norte estava 100% operacional e sob absoluto controlo da respectiva

cadeia de comando, eis que emergiu com toda a evidência o eixo

Presidência da República-Regimento de Comandos como factor decisivo

para o culminar do processo.

Engana-se, pois, quem pense que ao Regimento de Comandos chegou

qualquer ordem expressa vinda do famigerado Comando da Amadora. ..

12

De facto, constava-se que, lá para Lisboa, no rescaldo do Verão Quente,

havia um autodesignado Comando da Amadora, composto por oficiais que

se haviam juntado, para ajudar no controlo da situação que se estava a

viver, tais como Tomé Pinto, Garcia dos Santos, Eanes, Vítor Alves e

outros.

Tratava-se de oficiais desligados de qualquer missão operacional, muito

menos a nível de comando de uma Unidade, pelo que estavam livres para

reuniões conspirativas ou Marketing junto de alguns órgãos de

Comunicação Social, traçando estratégias de contenção e escape, a reboque

do avassalador avanço das forças revolucionárias.

Praticamente, esse Comando era desconhecido no Norte a não ser pelo que

se sabia através da Comunicação Social, que, entretanto, na confusão

gerada entre as forças democráticas, começou a falar de Eanes como sendo

o conhecedor de tudo.

Ora, sobre isto, o coronel Jaime Neves afirmou-me, na presença do

jornalista Silva Tavares, que, dos oficiais que se juntaram, inicialmente

Eanes era o que estava mais livre e aparecia mais vezes às reuniões, pelo

que foi encarregado de tomar notas de todos os acontecimentos relevantes

que se passavam no País - a partir de certa altura a uma velocidade

estonteante, diga-se. Daí, sempre que alguém pretendia uma informação

específica, ter sido criada a ideia de que "O Eanes é que sabe".

 

Quanto ao mais, e na ausência de um cabal esclarecimento do próprio,

ainda hoje são permitidas todas as leituras e conivências sobre as armas que

Eanes distribuiu ao então dirigente do PS, Edmundo Pedro, alegadamente

para defesa das forças democráticas mais moderadas.

E as suspeitas são legítimas, porque tal distribuição de armas foi feita sem

conhecimento do general Vasco Lourenço, de que Eanes era então simples

adjunto. "Não digam nada ao Vasco Lourenço", terá recomendado ele

expressamente, conforme depoimento já publicado em livro pelo próprio

Edmundo Pedro.

 

Efectivamente, para mim, esse tal Comando da Amadora mais não

representou do que uma incubadora, onde o PCP actuava insidiosamente,

porquanto dali Eanes foi lançado para altos voos, não porque tenha dado

provas, até essa data, de capacidade intelectual acima da média ou de poder

de decisão que o distinguissem. Muito menos de frontalidade, transparência

e lealdade em todas as circunstâncias, como é característica de um

verdadeiro chefe.

 

Pelo contrário, o seu perfil mostrava-o como um homem cinzento, pois a

partir de determinada momento compactuava com jogos pouco limpos.

Se não estivéssemos num cenário de vincada influência política, como

explicar que ele, logo após o 25 de Novembro, tenha sido escolhido para

Chefe do Estado Maior do Exército, sem os outros chefes militares do País,

nomeadamente o comandante da Região Militar do Norte terem sido

consultados?

A verdade é que, ainda não tinha assentado todo o pó do contra-golpe de 25

de Novembro e de imediato se preparou o terreno para a Presidência da

República. ..

A lógica dos acontecimentos para mim não sustenta qualquer dúvida.

Vejamos:

Não tinha, de facto, ainda assentado "esse pó quando, na noite do dia 26, nas pantalhas da RTP, eis que surge na casa de todos os portugueses o major Melo Antunes, conselheiro da Revolução, com uma surpreendente

declaração tentando ilibar o Partido Comunista das óbvias

responsabilidades no Golpe  contra-revolucionário.

Consciente do desconforto e insatisfação que essa declaração pública de

Melo Antunes provocou no seio da esmagadora maioria dos portugueses,

eu próprio, no dia seguinte, tomei a iniciativa de o contactar, pedindo-lhe

explicações.

A desculpa, em tom de fingido arrependimento, foi a de que não era seu

propósito desculpabilizar o Partido Comunista...

Frontalmente, disse-lhe, então que, se era assim, ele devia voltar à

Televisão com urgência para esclarecer as suas palavras. Até hoje, claro...

Uns tempos mais tarde, pessoalmente, avivei-lhe a memória sobre o

incidente. "Meu brigadeiro, em política às vezes temos de fazer certas

coisas que não queremos..." - desculpou-se Melo Antunes. Mas a teia

política já estava em marcha, com um "preço" porventura muito elevado

para o País.

Com efeito, o célebre Relatório Provisório sobre o 25 de Novembro, o

famoso Relatório das Sevícias, não passou, até hoje, disso mesmo - de um

Relatório Provisório tomado material de arquivo.

 

Mas, aí, já com a conivência de outro Presidente da República. ..

Termino, reafirmando, como grande conclusão, que a vitória do 25 de

Novembro se deve sobretudo à actuação da Região Militar do Norte, em

estreita ligação com o Regimento de Comandos, do coronel Jaime Neves, e

da Força Aérea, tendo como Chefe do Estado Maior o general Morais e

Silva.

Por isso, perante as sucessivas e sistemáticas tentativas de silenciar tão

importante data da Democracia Portuguesa, aqui deixo o meu repto aos

nossos mais respeitados Historiadores para que reescrevam a verdadeira

História do 25 de Novembro.

Agora que todos os pilares da nossa Democracia parecem vergar perante a

avalancha da Crise económica e financeira do mundo globalizado, é tempo

de reafirmar a 1;rimazia dos valores e da ética, um patamar onde,

seguramente, estão as Forças Armadas.

Sem preconceitos, sem mitos, slogans e mentiras mil vezes repetidas, os

Historiadores Portugueses têm hoje a oportunidade, senão o dever, de

confrontar o silêncio que inexplicavelmente caiu, desde a primeira hora,

sobre todo o processo do 25 de Novembro - Um processo actualmente

minado por versões e contra-informações veiculadas pelos pretensos

guardiões do 25 de Abril, que são hoje os herdeiros da impunidade que

premiou os autores do Golpe do 25 de Novembro de 1975.

Para finalizar, quero realçar o seguinte:

Pelo que acabei de expor, todos viram que em 1975/76, no Comando da

RMN havia a firme convicção que no Norte do País tínhamos de estar

muito atentos ao desenrolar dos acontecimentos e prevê-los na medida do

possível, para ajudar a salvar Portugal.

Por outro lado estava no nosso pensamento que a Saúde, a Educação, o

Social são pilares de uma Sociedade.

E, nós, aproveitando a dinâmica revolucionária que se vivia decidimos

então ceder imóveis militares à Soci€dade Civil.

Foram os seguintes:

As prioridades: Saúde e Educação

 

CEDÊNCIA DE INSTALAÇÕES MILITARES

 

Porto

 

01. Instalações onde funcionava o Tribunal Militar cedidas ao

Ministério da Educação, para uso da Faculdade de Letras.

02. Instalações onde funcionava o DRM cedidas ao Ministério da

Administração Interna.

03. Casa da Reclusão Militar cedida à Câmara Municipal do Porto para

fins culturais e outros.

04. Castelo do Queijo, na Foz, cedido à Associação de Comandos para

fins sociais.

05. Quartel do CICAP (edifícios e terrenos) cedido ao Ministério da

Saúde e ao Ministério da Educação, onde foi instalada a Reitoria da

Universidade do Porto, Biblioteca e outros órgãos.

Viana do Castelo

06. Cedência do Quartel do Batalhão de Caçadores 9 à Câmara

Municipal para fins culturais e sociais.

07. Enfermaria militar cedida para fins culturais e sociais.

08. Fortaleza de Santiago da Barra cedida ao Ministério da Cultura e

Turismo.

Vila Real

09. Edifício onde funcionava o DRM de Trás-os-Montes cedido ao

Ministério da Educação para a Universidade de Trás-os-Montes.

Póvoa de Varzim

10. Quartel cedido à Câmara Municipal para expansão da cidade.

Braga

11. Cedidos os terrenos de Gualtar ao Ministério da Educação para a

construção de Universidade do Minho.

 

António Elísio Capelo Pires Veloso

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