STRAWBERRY CHUMBADA
O processo decorreu com a participação da empresa e dos credores. E o desenlace aponta para uma insolvência definitiva, que aliás não surpreende.
Numa palavra, o tribunal concluiu que na tentativa de recuperação, os intervenientes andaram a laborar numa 'mera proposta' e não num real plano de revitalização.
Mas, para os interessados, 'Fénix' publica o texto da sentença.
Tribunal
Judicial do Funchal 3º Juízo
Cível
Rua Marquês
do Funchal - 9000-083 Funchal
Proc. Nº
3456/12.5TBFUN 8809542
CONCLUSÃO - 02-05-2013
Publicada que foi a deliberação no sentido de aprovar o plano de revitalização relativo à
devedora Strawberry World – Agência de Viagens, Lda. cumpre proferir sentença homologatória
desse plano caso, evidentemente, inexistam razões para não homologar oficiosamente
o mesmo.
*
Dispõe o
art. 215.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas que “O juiz recusa
oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores,
no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis
ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que
estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados
os actos ou executadas as medias que devam preceder a homologação”.
Referindo que deverão ser entendidas como regras procedimentais e normas aplicáveis ao
conteúdo, explicam Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código de Insolvência
e Recuperação de Empresas anotado, reimpressão, Lisboa, 2009, pág. 118) que “normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regerem a actuação a
desenvolver no processo, que incluem
os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre
as propostas que lhe foram presentes – incluindo, por isso, as relativas à própria
convocatória e funcionamento –e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve
ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez,
todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda
aquelas que fazem os princípios a
que devem obedecer imperativamente e as que definam os temas que a proposta deve
contemplar.”
Por sua vez,
referindo o que deve ser entendido sobre violação não negligenciável, refere
Menezes Cordeiro (in Direito da Insolvência, Almeida, pág. 289) que “o juiz
rege-se aqui por considerações de legalidade, mas apenas pode recusar a
homologação em caso de “violação grave, não negligenciável” das regras procedimentais
ou do contudo do plano.
Violações
menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados
não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação
do plano”.
Identicamente,
Carvalho Fernandes e João Labareda referem que “dir-se-á, com efeito, que são
não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a
produção de um resultado que a lei não autoriza.
Diversamente, são
desconsideradas as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular
que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido. Mas
pensamos que se pode ir mais além e apontar uma orientação mais vasta.
Na
verdade, todo o que respeita à preparação e apresentação das propostas, bem
como às diligências tendentes á sua aprovação, consubstancia-se em actos ou
formalidades do próprio processo e com expressão nele.
De modo que, bem vistas
as coisas, todas as violações legais que se reconduzam à adopção de procedimentos
ou à omissão de formuladas que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido
processual, que aqui parece especialmente apto a ser acolhido, a violação da
lei, activa ou passivamente, comporte sempre uma nulidade processual.
Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa
de homologação de um plano aprovado pelos credores (…) é de avaliar a
relevância, ou não, da violação constatada. Aqui chegados, parece razoável
atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art. 201.º,
do CPC. O que importa é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível
de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere
ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger -
nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do
devedor nos diversos domínios em que se manifesta - tendo em conta o que é,
apesar de tudo, livremente renunciável.” (op. cit. pág. 119).
Nos termos do art. 216.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas 1 - O juiz
recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este
não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição,
anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou
sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos
mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em
alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é
previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer
plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em
procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor
económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência,
acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.”
Feitas estas
considerações, apreciemos da existência de quaisquer vícios que obstem à homologação
do plano de revitalização.
*
Banco
Espírito Santo, S.A. pronunciando-se sobre a não homologação do plano ora em
causa, alegou que apesar das diversas tentativas, não efectuou quaisquer
negociações com a devedora, desconhecendo o plano aprovado, nada se concluindo
através da acta de votação acerca do
documento aprovado e submetido a votação.
Posteriormente, veio ainda informar que o plano junto aos autos pelo senhor administrador
judicial provisório não foi o plano que lhe foi apresentado.
Por último, alegou ainda que, com a aprovação do plano de recuperação ora em causa, a sua
situação fica numa posição mais desfavorável.
Respondendo a este requerimento, a devedora impugnou os factos relativos à situação do
Banco Espírito Santo, S.A. quanto ao facto de ficar numa situação mais
desfavorável.
Em relação
ao facto do plano apresentado não ser aquele que lhe foi apresentado, limita-se
a devedora a alegar que o ora requerente foi o único a queixar-se de tal,
tendo, os restantes credores, colaborado na adaptação do plano às necessidades.
Cumpre
apreciar.
O processo
especial de revitalização, criado pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, tem como
principal objectivo a prossecução do interesse público de defesa da economia,
assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo
apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico
português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que,
dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”, conforme
exposto na Proposta de Lei n.º 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros.
Tal processo
privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo
plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua
recuperação. Trata-se de um processo com vista a propiciar a revitalização
célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de
“pré-insolvência”.
Conforme
decorre dos art. 17.º-A a 17.º-I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas,
este processo apresenta um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial.
Assume
especial primazia a vontade dos intervenientes (devedor e credores), sujeita porém,
nos termos do art. 17.º-F, n.º 10 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas,
a limitações decorrentes do dever de respeito dos seguintes princípios
orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de
25 de Outubro:
“Primeiro
princípio - o procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido
entre o devedor e os credores envolvidos e ( e não a um direito) e apenas deve
ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser
ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade
após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores;
Segundo
princípio - durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na
busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos;
Terceiro
princípio - deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores,
que melhor sirva os interesses de todas as partes;
Quarto
princípio- os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo
a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda
ainformação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os
seus problemas financeiros;
Oitavo
princípio - toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que
efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por
estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se
estiver publicamente disponível;
Nono
princípio - As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento,
incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente
e a posição relativa de cada credor;
Décimo
princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de
negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar
fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o
mesmo não é apenas um
expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha
informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a
ultrapassar os seus problemas financeiros;”
No presente
caso, consta dos autos a proposta apresentada aos credores pela devedora (fls.
720 e 721), com data de 27 de Novembro de 2012, onde, relativamente ao
requerente, entidade bancária, se refere apenas que: “O passivo financeiro existente com a Banca foi
acordado com a gerência da empresa SW, em determinado enquadramento económico e
financeiro, tendo em conta uma determinada maturidade e serviço de dívida, que
no momento presente não será possível suportar, uma vez que a actividade da
empresa sofreu uma retracção de 95% pelo que estimamos, um período mínimo de
dois anos para poder voltar a ter capacidade de liquidação do serviço de dívida
e encargos financeiros.
Por esse
facto, parece-nos indicado um pedido de período de carência de capital e juros,
a ser solicitado aos bancos credores, sendo que findo o referido período, a
empresa iniciará a liquidação do serviço da dívida e encargos financeiros.
(…)
Aguardamos
pela vossa apreciação desta proposta de acordo, sendo que agradecemos
que a vossa intenção de aceitação seja remetida dentro de 5 dias úteis a contar
da data da recepção desta comunicação.”
Conforme
consta de fls. 723 e 724, por requerimento de 9 de Janeiro de 2013, o requerente
votou contra o plano de recuperação apresentado, que mais não é do que aquela proposta.
Tal é
corroborado pelo requerimento com a referência 12400840, apresentado pela devedora,
onde esta solicita a repetição da votação, juntando as notificações enviadas
onde, expressamente consta que o que é submetido a votação é a “proposta de
acordo para o Plano de
Revitalização.”
Em 6 de
Fevereiro de 2013, uma vez que se encontrava findo o prazo das negociações, foi
o senhor administrador judicial provisório notificado para informar do estado
do processo.
Por
requerimento de 28 de Fevereiro de 2013, foi pela devedora junto aos autos a
acta de abertura e contagem de votos, o mapa de votação e as respectivas cartas
de voto.
Nesta acta,
nada de concreto é referido acerca do documento aprovado, contudo, extrai-se
das cartas de voto recepcionadas, onde consta junto a algumas delas apenas a
cópia da mencionada proposta que, foi esta que foi submetida a votação. E, se
dúvidas existissem acerca do documento que foi votado, as mesmas seriam desde logo
dissipadas pela data constante do plano de revitalização junto a fls. 886 e
seguintes, ou seja, Março de 2013.
Daqui se
conclui apenas e tão só que o plano de revitalização foi elaborado já após a votação
da proposta do mesmo, que mais não era do que isso mesmo, uma proposta. E,
comparando o conteúdo do plano de revitalização e daquela proposta, não podemos
deixar de salientar que o mesmo para o ora requerente, configura um autêntico
plano surpresa, uma vez que,
naquela proposta, nem qualquer prazo de pagamento da sua dívida constava, mas
apenas e tão só um período de dois anos de carência de capital e juros.
Iniciado o
processo especial de revitalização, encontra-se previsto no Código de Insolvência
e Recuperação de Empresas, art. 17.º-D, n.º 5, o prazo de dois meses,
prorrogável por uma única vez e por uma só vez, para a conclusão das
negociações.
Esta é a
fase primacial do processo, devendo ao longo da mesma, conforme decorre do n.º
6 daquela norma, ser pelo devedor prestada toda a informação aos credores, apenas
com um fim, negociar com vista à realização de um plano de revitalização que
mereça a aprovação de todas as partes.
E, o documento
que vai ser votado, tal como acontece com o plano de insolvência, é apenas e
tão só o documento final, elaborado após as negociações levadas a cabo entre o devedor
e os credores. Aliás, as negociações destinam-se a isso mesmo, apresentar
propostas e contrapropostas até se alcançar o tal plano final. Ora, no presente
caso, sem dúvida que o que foi votado e posteriormente aprovado, não foi de
forma alguma o plano final, mas uma mera proposta. Proposta essa que, ao invés
de ser submetida a votação deveria, isso sim, ter sido objecto de negociações
entre devedor e credores e, com base na qual, após as mesmas, deveria ter sido
elaborado o plano final, esse sim submetido a votação.
É que aquela proposta, e atendo-nos por exemplo ao requerente, que se veio pronunciar, no seu caso
nenhum plano configura. Não consta da mesma nem o prazo de pagamento, nem as
condições do mesmo, limitando-se a tecer algumas considerações genéricas que
obstaculizam completamente a que o credor exerça o seu direito de voto.
E o mesmo
até podemos referir acerca dos restantes credores. Com efeito, são apenas tecidas
uma série de considerações genéricas, sem que nada de concreto ali conste.
Aliás, podemos mesmo concluir que o plano acaba por ser uma real surpresa para
qualquer credor (veja-se que na proposta não constam quaisquer valores, nem
prazos de pagamento, o que apenas é efectuado no plano junto a final).
Do exposto,
outra conclusão não se pode retirar de que, o procedimento levado a cabo, violou
manifestamente o regime atinente à aprovação do plano de revitalização,
omitindo um acto fundamental (foi votada uma mera proposta e não o plano
final).
Atentas as
considerações efectuadas supra, tal mais não configura do que uma violação “não
negligenciável” de regras procedimentais relativamente ao modo de elaboração e
apresentação do plano e, até, do próprio espírito subjacente a todo este
processo, o que veio inclusive a ditar que os prazos para a conclusão das
negociações e despacho de aprovação do suposto plano não fossem de todo
observados.
Para além
disso, foi descurada a colaboração com o requerente, o qual, conforme resulta
inclusive dos requerimentos que foi apresentando no processo, foi totalmente
ignorado neste processo.
*
Face ao
exposto, nos termos do art. 215.º ex vi art. 17.º-F, n.º 5 ambos do Código de Insolvência
e Recuperação de Empresas, decido não homologar o plano de revitalização apresentado
relativamente à devedora Strawberry World – Agência de Viagens, Lda.
*
Custas pela
devedora, nos termos do art. 17.º-F, n.º 7 do Código de Insolvência e Recuperação
de Empresas
*
Registe,
Notifique e Publicite, nos termos do art. 17.º-F, n.º 6 do Código de Insolvência
e Recuperação de Empresas
*
Após,
conclua, para fixação da remuneração devida ao senhor administrador judicial provisório.
*
Notifique o senhor administrador judicial provisório, para, no prazo de dez dias, dar cumprimento
ao previsto no art. 17.º-G, n.º 4 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
*
Funchal, 14
de Maio de 2013
2 comentários:
quem sera o Gestor de Insolvencia não me digam que o amigo do Lino do cds , cheira-me que aqui a panelinha
O MOLHE também vai pela mesma jogada...
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