2.ª VOLTA AO LARANJAL

ALBUQUERQUE E MANUEL ANTÓNIO

JÁ TRABALHAM NO TERRENO

Mal se suspira de alívio pelo fim da corrida que acabou sexta-feira e os dois finalistas já pedalam freneticamente a caminho da segunda volta.

Miguel Albuquerque andou de manhã na baixa do Funchal, meteu-se depois pela Madeira fora (na foto) e mais tarde estará em São Vicente para a Noite do Mercado. Foi ganhar as eleições e andar.

Não era senão Miguel Albuquerque a personagem que andava esta manhã falando com gente aqui e ali, num Funchal agora com cores da Festa. O vencedor das eleições de ontem no PSD-M não descera tão cedo à baixa para ouvir os grupos musicais interpretando temas de Natal ou para fazer fotografias dos presépios montados nas avenidas. Albuquerque já pedalava em serviço. Em campanha para a segunda volta que começou logo ontem à noite, uma vez conhecidos os resultados que lhe deram quase uma maioria absoluta. Quase. Com mais cento e tantos votos, evitava o tremendo trabalho que terá de desenvolver na quadra natalícia, incluindo as três oitavas da Festa.

Esta manhã, o assédio dos populares àquele que afastou Jardim da política agradava-lhe sobremaneira, a ele, Albuquerque. Alguns dos que o felicitavam e encorajavam para a segunda volta confessavam-se militantes do PSD. Mas o Delfim vencedor não disfarçava quanto lhe agradavam outros incentivos. "Não são apenas filiados nossos, muitas pessoas sem partido ou de outros partidos pedem-me que mude a Madeira, que acabe com este regime apodrecido", explica o próprio candidato. Uma compra aqui, jornais acolá... "Noto que as pessoas são sinceras quando se dizem fartas destes anos todos de pensamento único."

Albuquerque já tem motivos de satisfação: a liberdade dos militantes para "votarem massa" e o à-vontade dos candidatos a fazer campanha, a debater, a formular críticas, só aí "encontramos comportamentos novos de grande importância tanto para o partido como para a Madeira".

Miguel Albuquerque não descansa enquanto não considerar instalada na Região "uma democracia normal". 

"Independentemente de os militantes preferirem o Sérgio, o Manuel António ou quem quer que seja, o que exigimos é trabalhar num partido aberto, onde todos se exprimam sem receio de contrariar o pensamento exclusivista do chefe." Eis a batalha de Miguel Albuquerque. 

Sim, ele também integrou um partido onde não havia "democracia normal", mas... "Antigamente, falávamos todos, sem receios, na comissão política, no conselho regional. O prof. Virgílio dizia o que sentia, eu falava à vontade, outros também. Mas aos poucos passou a imperar a voz do líder. O partido fechou-se. Foi quando eu comecei a manifestar a minha discordância."

Miguel Albuquerque falou com muitas pessoas na baixa, esta manhã. Mas o dia não está ganho. Ainda há muitos contactos para fazer, pela Madeira fora. A esta hora da tarde, dirige-se para a Calheta. Mais tarde, lá estará ele na 'Noite do Mercado' em São Vicente. Não há tempo para tréguas. "Eu de qualquer maneira ia a São Vicente, já tinha decidido. Aliás, mesmo que tivesse ganho com maioria absoluta, os contactos continuariam."

Ou seja, mesmo eleito líder, não meteria férias. Colaboradores seus rejubilam: a maioria absoluta não veio agora, virá dia 29. "O Manuel António não tem qualquer hipótese", ouvimos dizer. Não só a miguelistas mas até a candidatos já afastados da corrida.

Equipa de Manuel António: o dia seguinte foi para trabalhar.

Quem discorda dessa presunção é Manuel António Correia e são os seus quadros de candidatura. É verdade que a Miguel Albuquerque faltam teoricamente uns 3% e a Manuel António para aí 21%. Por isso mesmo é que o secretário do Ambiente também não agendou dia de descanso para hoje. Pelo contrário, toque a reunir. Toda a gente. Candidatos à comissão política, secretariado e demais operacionais. Em cima da mesa, a discussão sobre estratégias para mobilizar as massas do Laranjal rumo à eleição de 29 deste mês. 

O adversário está muito perto dos 50%. Todavia, sendo muito difícil, não é impossível inverter a votação, dizem os manuelistas. Os militantes mandaram tudo para uma segunda volta. Então, ainda não decidiram em definitivo. Está tudo em aberto. É assim que se raciocina entre os quadros da candidatura de Manuel António. "Vamos continuar a trabalhar afincadamente", prometiam, há poucas horas. "E vamos trabalhar cada vez mais motivados, porque os resultados legitimam claramente essa motivação. A nossa convocação para a segunda volta ajuda-nos a acreditar que... é possível!"

"É possível". Palavra de ordem da candidatura do governante. Mas justificar esse optimismo passa por neutralizar o ataque de campanha que Albuquerque certamente privilegiará de princípio ao fim: Manuel António é a reencarnação de Jardim; a continuidade do sistema que os militantes social-democratas e os madeirenses em geral resolveram enterrar para sempre.

Ora, nesse capítulo Miguel Albuquerque está equivocado, segundo os manuelistas. A candidatura mais reformista não é a de Miguel, mas exactamente a de Manuel António. Com provas para mostrar, como a do famigerado caso da Meia Serra. E outras medidas onde foi preciso empregar muita coragem. Mudar o sistema é isso. 

Conhecemos outra palavra de ordem de Manuel António: "Não há um partido do passado e um partido do presente. Há um partido do futuro." 

Se existe mesmo, porém, vontade para reformar o regime, convém que a mensagem chegue ao eleitorado, que é quem decide. No panorama actual, como é consabido, quem começou a combater internamente o regime e o seu mentor foi Albuquerque. Portanto, os militantes precisam de se convencer de que, afinal, Manuel António também está determinado à mudança. Essa é uma tarefa mais importante do que parece.

Impõe-se outro trabalhinho ainda, para bem de Manuel António: impedir o ainda líder de meter a 'colherada' na corrida. Pela sua saúde. 

Albuquerque fez o brilharete que fez em 2012 porque o eleitorado laranja quis castigar o 'eterno chefe'. As coisas não se alteraram daí para cá. Receber apoio do chefe é receber castigo dos eleitores. 

Sem ironia: se Jardim se apresentou às eleições de 1988 com o slogan "ajudei, ajude-me", Manuel António deve procurar inspiração no apelo e pedir encarecidamente ao chefe: "ajudei, não me ajude". 

Só que o processo, nesse capítulo, não começa da melhor maneira. O chefe não consegue estar quieto, sem perturbar os que o correram do palco. Aliás, afirmou há dias que entraria na campanha com os seus direitos de militante. E já recebemos a denúncia de que ele mandou telefonar a apoiantes de João Cunha e Silva com a mensagem de que devem votar Manuel António.

Mau para o candidato do Ambiente. Péssimo. Rumores que devem ser dissipados logo à nascença.

Manuel António sabe disso, apostamos.

Cabe aqui observar que, nesta história, Miguel Albuquerque teve tudo para se ver livre de mais batalhas eleitorais logo à primeira volta. Jardim ofereceu-lhe de bandeja uma maioria esmagadora, com aquela guerra diária no JM e nas intervenções enquanto líder partidário e até como presidente do governo. Chefe achincalhou o Delfim até à exaustão. Todos os dias, a toda a hora. Revoltando militantes e anti-PSD's. Mas o Delfim lidou mal com o assunto. Ou melhor, desaproveitou a dádiva. Entendeu que, correspondendo ao combate, estaria a dar importância a uma 'letra vencida'. Fez mal. Devia dar-lhe essa importância. Insinuar-se em posição de combate estrondoso. Levar o chefe a intensificar ainda mais as rajadas de ofensas, calúnias, aqueles horrores boçais do costume. Albuquerque devia centrar atenções no ex-chefe e atrair as atenções gerais para esse combate. Dando importância a Jardim, retirava o foco da campanha eleitoral dos concorrentes. Estes perderiam importância e o eleitorado premiaria aquele que mais uma vez ousava defrontar o ditador.

Mas isto somos nós a divagar.

Delfins vítimas do 'voto útil'

Com maioria relativa, Miguel Albuquerque está obrigado a prolongamento. Mas sim, encontra-se em posição privilegiada para vencer. Ao passo que Manuel António precisa do voto de todos os adversários para pensar em disputar o resultado. Como estarão a reagir os Delfins postos fora da corrida, para mais com resultados incrivelmente baixos?

Sérgio Marques ainda está a digerir os 5,29%. Foi vítima do 'voto útil' adoptado pela maioria dos eleitores, desejosos de acabar o longo processo logo ontem. Sérgio vale muito mais na família social-democrata do que a escassa percentagem que recebeu nas urnas. A bipolarização que bafejou Albuquerque e Manuel António, mais a ausência da Madeira e do partido a que teve de se sujeitar, enquanto eurodeputado, tudo isso prejudicou este Delfim. 

Sérgio vai pensar no que fazer. Antes de 29, falará com Albuquerque e com Manuel António. Qualquer um deles precisará dele na nova vida do partido e do governo, em caso de vitória nas regionais. Poderá haver acordo com algum. Ou não. Sérgio pode resolver manter-se como reserva para avançar dentro de 2 ou 4 anos, conforme o 'toque'. Uma incógnita, para já.

Caso parecido é o de Miguel de Sousa. Depois de um cargo de secretário regional (começou aos 27 anos), de vice-presidente do governo, de parlamentar e vice da ALM, depois de tanta intervenção pública no processo recente, o Laranjal decide reduzi-lo a 2,27% dos votos numa eleições internas! Depois de 30 anos, a humilhação? Julgamos que não era esse o recado. Estamos em presença de mais uma vítima do 'voto útil'. Se vissem que no contexto actual Miguel de Sousa poderia disputar o resultado aos mais adiantados, evidentemente que muitos militantes acorreriam com o seu tributo eleitoral à indesmentível competência, criatividade, domínio da ciência financeira e capacidade de leitura política de Miguel de Sousa. Neste pé, irá ele apoiar um dos finalistas? Podemos arriscar o nome de quem 'não' apoiará: Manuel António Correia. A menos que não seja coerente com as suas acusações àqueles que, dentro do governo, em seu entender "afundaram a Madeira" de 2000 para cá.

Já no caso de Jaime Ramos, o ainda secretário-geral sabia ao que se expunha: expunha-se a pagar sozinho, pela medida grande, a antipatia votada a um velhíssimo regime protagonizado por ele e pelo seu 'eterno chefe' Jardim. Mas Jaime foi coerente. Explicou aos mais próximos que "o poder não se entrega". Que é preciso lutar para o conservar, dê por onde der. No caso, o atrevimento deu zero votos em 38 freguesias. Uma freguesia com zero por cada ano de poder. 

O candidato não se deve ter incomodado muito. Fez o que tinha a fazer, já que não lhe faltava legitimidade para se candidatar. Afinal foi ele, com expedientes bons ou maus, que conseguiu alimentar o fausto político-partidário que se traduziu em 40 vitórias do PSD-Madeira. Proporcionando carreiras políticas douradas a tantos inscritos no partido. Logo, achou que devia lutar para manter o poder. Não aconteceu, como ele mesmo previa. A luta continua. Fora do palco.

Finalmente, a derrota de uma carreira: João Cunha e Silva. O vice tem-se queixado, com alguma razão, da entrada de mais de mil militantes, sem opção política conhecida, pela mão de Manuel António. Mas não há nada de ilegal nesse comportamento do secretário. Imoral também não é - deixemo-nos de infantilismos políticos.

Na verdade, João Cunha e Silva detém capacidades de liderança. Muita experiência partidária, ganha desde muito jovem. Reputação de bom parlamentar. Mas está marcado por um jardinismo exacerbado de que, já em plena campanha e depois de traído pelo chefe - que lançou Manuel António para a corrida - não conseguia disfarçar. Nem queria, o que é pior. Cunha e Silva carburava em contra-ciclo. Pois se, por submissão aos devaneios do chefe, arcara com as responsabilidades das diabolizadas sociedades de desenvolvimento! 

Não se livrou da cruz que é a acusação de 'antipático' e 'mau feitio' que se impregnou na praça. Insinuações muito injustas e falsas, testemunhamos nós sem a menor hesitação.

O seu problema vem de trás.

João Cunha e Silva tem uma semelhança com Miguel de Sousa: ambos apostaram em ser o Delfim que Jardim havia de apoiar quando chegasse a hora da sucessão. Chegaram a sê-lo, cada qual na sua época. Mas foram destituídos do título. 

Nunca quiseram demarcar-se, caminhar pelo seu pé. Receberam a paga. Tantos anos na política partidária e não conheceram o carácter egoísta e insensível do chefe com quem lidaram tantos anos!

É irónico: ambos queriam ser lançados por um líder que hoje só dá derrota!

João Cunha e Silva indicará aos seus apoiantes voto em algum dos finalistas? Julgamos que em Manuel António é que não, por mais que chefe Jardim mande fazer telefonemas. Isto se avaliarmos pelo relacionamento frio Cunha-Manuel António dentro do governo. Ou não é assim?

Em cima do arame

Enfim, 9 dias tremendos para Manuel António Correia. Que Natal! Ao menor erro, empurrará o adversário para o lado da vitória. Marcelo Rebelo de Sousa, em relação a António Costa, equacionou: "Se ele ganhar com Sócrates às costas, é um génio". 

Por acaso, até achamos que Costa será mesmo um génio. Mas a Manuel António convém trabalhar a campanha sem nenhuma figurinha às costas.