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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Caro Leitor, preste atenção a este artigo publicado num dos blogues do PÚBLICO.




Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral


20 de Janeiro de 2015

Por

Desistir da Madeira para dar a vitória ao pós-jardinismo?


A Madeira tem sido a parte mais excepcional de Portugal: trinta e sete anos de tutela unipessoal, um delírio orçamental que criou uma imensa corte de beneficiários, a demagogia a rodos e um populismo vertiginoso. Esses foram os pilares do poder do PSD de Jardim.
Dada essa excepcionalidade, eram precisas respostas notáveis. Há mais de uma dúzia de anos, quando tinha responsabilidades políticas no meu partido, discuti o assunto com Jorge Coelho, então o número dois do governo e do PS, sugerindo um acordo para uma lista cidadã à Câmara do Funchal, onde se poderia abrir a primeira brecha na muralha. Se envolvesse toda a esquerda e o centro junto com independentes e tivesse um programa empenhado e claro, era possível. Não foi.
Esse acordo só foi celebrado uma década depois e, embora com faltas de comparência (a CDU), foi o suficiente para ganhar a Câmara do Funchal com um candidato independente e um programa virado para relançar a democracia municipal. Essa vitória ensinou pelo menos que o jardinismo não é imbatível e que um programa popular pode ser construído à escala local.
Foi por isso com expectativa que acompanhei, à distância, as negociações para um acordo para uma lista coligada nas próximas eleições regionais, mas sem surpresa verifiquei o seu fracasso. Nele se sentiram dois problemas que só poderiam ser superados por um empenho inventivo e por um compromisso popular, que faltou.

Enganar os outros não é opção: a Madeira não pode ser um offshore
O primeiro obstáculo é o mais expressivo. O PS não aceita qualquer mudança no offshore do Funchal e só celebrará uma coligação que defenda a continuação da praça financeira: é o seu presidente, Vitor Freitas, quem o reafirma categoricamente. O pretexto é este: se Portugal continuar a abrir a porta à evasão fiscal de outros países, a Madeira ganha 130 milhões por ano.
Fraca conta e, sobretudo, cálculo político errado. A conta é infundada porque, se a Madeira recebe 5% de IRC pelas empresas que nela ficticiamente registam alguns ganhos, também aumenta contabilisticamente o seu PIB pelos 100% desse registo e, assim, perde apoios comunitários e outros. No balanço, a Madeira fica a perder.
E, mais ainda, é um cálculo curto: Portugal não pode incomodar-se com Juncker, que convidou empresas multinacionais a aproveitarem o offshore do Luxemburgo para assim pagarem menos impostos nos países onde operam (incluindo Portugal, que assim perdeu receitas devidas e legítimas), e fazer o mesmo na Madeira. Ao contrário da zona industrial, em que o estímulo fiscal tem uma contrapartida em criação de postos de trabalho, a praça financeira, como todos os offshores, é por isso geradora de problemas infindáveis.


João Pedro Martins investigou estes offshore e chegou a conclusões impressionantes (por exemplo, no seu livro “Suite 605″): 2435 empresas sem um único trabalhador, só 51 pagavam IRC (e pouco), apesar de terem, no ano a que se refere o estudo (2010), 3737 milhões de euros em resultados líquidos. Em 2007, uma destas empresas era o maior exportador português: a Wainfleet tinha sede na Avenida Arriaga, nº75, e era simplesmente uma representação ficcional do maior fabricante russo de alumínio, uma empresa de Oleg Deripaska, um milionário proibido de entrar em vários países por acusações de associação mafiosa.
No mapa em cima (clique para ampliar), que inclui num livro que publiquei 2011 (“Portugal Agrilhoado”), estão as principais localizações de empresas offshore no Funchal. Mas, se bater à porta destas moradas, ninguém abrirá, porque não há lá ninguém. Não é para espantar: como demonstrou João Pedro Martins, na Rua das Murças, nº88–3º estão ou estiveram registadas duas mil empresas, na Avenida Infante nº50 estão 1500 e na Avenida Arriaga, nº77, ao lado da Wainfleet, mais mil. Com isto, a Madeira perdeu 900 milhões de euros em impostos nos últimos anos. E, todos os anos, o Orçamento de Estado regista à volta de mil milhões de euros em benefícios fiscais na Madeira (já foi o dobro).
É portanto um mau negócio, um péssimo negócio. Favorece empresas que ninguém viu na Madeira (a Pepsi, a Swatch) mas não favorece nem os madeirenses nem a responsabilidade fiscal. Entendamo-nos bem: um regime económico suportado em dinheiros que circulam por offshore é sempre o mais vulnerável à corrupção. Devia-se aprender alguma coisa com os quase quarenta anos de jardinismo e evitar tentar imitá-lo.
Por tudo isso, qualquer partido que insista em manter esta situação pode fazer muitas declarações agradáveis, mas não pode apresentar um governo alternativo ao jardinismo. Ora, não será tempo de por a política no comando, de exigir a cada partido que apresente alternativas consistentes e que mostre o que vale?

Uma coligação tem que coligar
O segundo obstáculo, o menos importante mas não irrelevante, terá sido o dos protagonistas: uma lista coligada teria que procurar todas as melhores forças e personalidades independentes, e não ficar limitada a partidos que, na Madeira, são todos pequenos e pouco expressivos. Para tornar uma solução ainda mais difícil, o PS terá afirmado simplesmente uma concepção fechada, reduzindo os outros partidos a satélites do seu presidente, e portanto só conseguiu agregar os partidos regionais mais próximos (pelas notícias, serão o PTP, PND, MPT e PAN). Pouco acrescenta pouco a pouco, e assim a derrota fica escrita.
Faltou ousadia e rasgo. Faltou o princípio de tudo, um programa para mobilizar uma mudança credível. E faltou juntar quem era preciso para isso. Era escusado dar a vitória a Miguel Albuquerque e, no entanto, foi isso que o PS decidiu, desistindo da Madeira.

3 comentários:

Anónimo disse...

Esta malta não quer ser governo, quer ser oposição, porque assim não tem que se matar a resolver os problemas. Estar na oposição é mais fácil, é só mandar uns bitaites de vez em quando, e o ordenado de deputado vem ter ao bolso sem esforço. Além disso, mesmo que quisessem ser governo, não tinham ninguém com capacidade, basta olhar para esta "mudança" do Funchal para tirar as devidas ilações: zero !!!

paulo disse...

Estou de acordo com este texto e com as historias do Vitor e Iglesias, nao vai ser desta que o Jardinismo acaba, infelizmente.

Anónimo disse...

Faltou o Dr. Louçã apontar a alternativa para Madeira, caso esta decida fechar, como proposto por ele, o offshore.
Ou ele também não tem solução???