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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

 

ESTÓRIAS 


JUVENAL XAVIER                                                                                  





VOO SEM ASAS 



Habitamos profundos silêncios que povoam as terras abundantes da memória. Ontem nem me importa (um dia passou, apenas), mas quando foi há tanto tempo, não me esqueço. (E passaram anos e anos). Não me lembro só do que me quero lembrar. A memória é bem maior do que eu. O tempo, insensível, não espera um breve segundo e parte sempre à hora marcada. Então, ficamos sós na estação, com as mãos remexendo nos bolsos vazios, praguejando a pontualidade inflexível da vida. Uma e outra vez, ficamos para trás, engolindo a custo a inveja pela viagem quem sabe quando.  

"O destino”, disse, certa vez, o filósofo alemão Schopenhauer (1788/1860), “baralha as cartas e nós jogamos." Partilhando o encontro de outros pensadores, Flaubert (1821/1880) sublinha que "o futuro tortura-nos e o passado encandeia-nos”. O autor do romance Madame Bovary entende que “é por aí que se nos escapa o presente." Escapar no sentido de não ser compreendido? De ser esquecido?  

A memória é mais do que a luz do passado; rasga-se na pele do presente; do tempo que é, somente, hoje. Não quero que seja “inimiga mortal do meu repouso” como era para Cervantes. Trago-te comigo com o teu leve peso de uma saudade. O sonho é um voo sem asas, sem destino. No Poema do Futuro, António Gedeão (1906/1997) revela-se: “Conscientemente, escrevo e, consciente, medito o meu destino.”  

Há pedaços de vida por acaso? Sorte, azar, fatalidade? Um dia, hão de vir as ondas com a resposta dos segredos que tinha levado o mar. 

Também, como Fernando Tordo (Adeus, Tristeza), “na minha vida fiz viagens de ida e volta.” 

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