O mês dos cravos chega ao fim. Mas não os ventos de liberdade que sopram desde há pouco tempo na Madeira.
A Câmara do Funchal festejou a Revolução de 74 abrindo antena às vozes diversas que integram o parlamento municipal. Muito diferente de órgãos que devem a sua existência à madrugada libertadora de há 40 anos mas odeiam a democracia que o MFA veio implantar.
Deixamos registado aqui o discurso de Paulo Cafôfo, presidente da Câmara, na sessão solene de 25.
INTERVENÇÃO DE CAFÔFO
NA COMEMORAÇÃO MUNICIPAL
DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Este é um dia de significados. Pessoais e colectivos.
Sentidos com a intensidade dos grandes momentos que marcam e ficam.
Não posso deixar de referir a emoção pessoal que sinto, por há um ano,
neste preciso dia, na Praça do Município, ter apresentado a candidatura que deu
corpo a este projecto para a cidade que hoje gere esta Câmara.
Proferi na altura palavras que continuam a fazer todo o sentido. Disse que
«a felicidade é redobrada porque hoje celebramos Abril, festejamos a liberdade
e saudamos a mudança de regime ocorrida em 1974 e que nos trouxe não só a
democracia para o nosso país mas também a Autonomia para as nossas ilhas, a
Autonomia que tanto sonhávamos e tanto precisávamos, a Autonomia que nos
permitiu ter, nas mãos, a capacidade de decidir o bem-comum de todos nós».
Hoje posso afirmar que o povo cumpriu Abril e decidiu em nome do bem-comum,
correspondendo ao desafio de alguns partidos políticos, o PS, BE, PND, MPT, PTP
e o PAN, que souberam entender-se e negociar em nome dos interesses da cidade,
pondo nas mãos do povo a mudança que se sonhava e necessitava.
É por isso que temos nesta autarquia uma grande responsabilidade, de
relançar a esperança e de dar uma resposta aos gravíssimos problemas sociais,
fruto da herança que recebemos, fazendo não apenas a gestão do que está, mas
utilizar a mudança como instrumento de transformação da sociedade madeirense.
E temos de ousar e acreditar, como fizeram os cidadãos no passado dia 29 de
Setembro, e completar a mudança que falta fazer na Região Autónoma da Madeira.
E não tenhamos dúvidas que mais cedo ou mais tarde vai acontecer.
Terão outros actores políticos de concluir a mudança que iniciamos e
quebrar esta monotonia política a nível do poder regional, de pensamento único,
pondo fim à indiferença e descrença perante a política, atitudes que só
prolongam o estado de dor em que nos encontramos.
E isto não se resolve com uma alteração da constituição como alguns
preconizam.
Resolve-se dando à política uma dimensão humanista e uma perspectiva de
transformação da sociedade. É este o projecto do 25 de Abril.
“Liberdade feita dia”, assim chamou Eduardo Lourenço ao dia da Liberdade. E
é neste dia, passados 40 aos, que depois da vitórias nas últimas eleições
autárquicas, o primeiro de um conjunto de factos políticos que anunciam uma
nova época, que aqui, neste salão nobre, a nova Câmara tira o 25 de Abril da
clandestinidade que durante anos foi obrigado a refugiar-se por ordem de muitos
que aqui se intitularam e intitulam de grandes democratas, mas nunca
comemoraram a Revolução dos Cravos.
É também por este ato que aqui se realiza, que passa a reabilitação da
política e a reconstrução da esperança.
O que se vive aqui é a liberdade com a capacidade real de ouvir e ser
ouvido, de debater, protestar e construir. Aqui nesta autarquia vive a
Liberdade.
Mas não devemos celebrar a Liberdade só no dia de hoje, mas em todos os
dias das nossas vidas e, em cada momento e naquilo que fazemos neste país,
nesta região e nesta cidade.
Comemorar a história é também fazê-la. E aqui a fazemos comemorando pela
primeira vez a revolução dos cravos.
As razões para o Funchal se “associar”, com um programa próprio, às
comemorações do 25 de Abril, são, obviamente, a importância histórica da
“Revolução dos Cravos”, já que Abril significa uma data de esperança, que exige
das instituições e dos cidadãos participação na continuação da construção de
uma sociedade melhor e mais justa.
Permitam-me que agradeça, neste momento, ao Sr. Coronel Sousa e Castro, um
dos mais destacados protagonistas do ciclo de mudanças políticas, militares e
sociais que Portugal viveu entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, a sua
presença nesta cerimónia e o seu papel durante a revolução.
Integrou em 1973 a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, na
clandestinidade. Participou na elaboração do documento O Movimento das
Forças Armadas e a Nação, verdadeiro programa político do Movimento dos
Capitães, bem
como na organização e desencadeamento da operação militar de 25 de Abril de
1974. Aqui reconhecemos na sua pessoa a importância dos Capitães de Abril.
Muito obrigado!
Foram os militares que fizeram Abril, mas a democracia fez-se na sociedade
e com a sociedade, com as pessoas.
Abril não se esgotou em 1974, faz-se todos os dias e com todos nós, a que
se junta o facto do poder local, como o conhecemos pós-25 de Abril, ser não só
democrático e com sufrágio, que até permite que listas de cidadãos concorram
nas eleições autárquicas, herdeiro e “filho” da “Revolução dos Cravos”, mas
também guardião dos princípios e valores de Abril, devido à sua proximidade com
as pessoas.
O 25 de Abril é história, mas não pode ficar nos manuais ou compêndios, ou
como agora, na wikipédia.
O 25 de Abril tem de ser activado politicamente no presente na sociedade
portuguesa.
Não devemos olhar para a revolução dos cravos numa perspectiva de passado,
mas com os olhos postos no futuro, recuperando e reinventando o espirito da
revolução, do que aconteceu, mas acima de tudo do que ainda não aconteceu.
Temos simplesmente de ousar o possível. Ousar o possível é não aceitar que
existe um sentido único, uma única alternativa, ou uma alternativa que venha de
um único partido.
Pensar assim é também uma forma de colonialismo e totalitarismo. Formas
combatidas e que deram azo ao 25 de Abril e à razão por aqui estarmos todos.
Mas há nos tempos que correm, para além de tentativas deste colonialismo
político, um outro tipo de colonialismo, o financeiro, o dos mercados.
A crise actual, resultado da falência de um sistema, exige uma nova lógica
na economia, outra dimensão na política, outra perspectiva global que tenha a
pessoa como razão de ser.
Ousar o possível é também fazer ouvir a nossa voz, e numa altura em que se
aproximam as eleições europeias, desejando que uma visão meramente economicista
dê lugar a uma Europa mais social, mais democrática e participada.
No fundo o que está em causa na Europa, e não nos esqueçamos que somos
Europa, é um modelo de civilização.
“O dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, nas
palavras de Sophia de Mello Breyner, é este o dia de motivo de orgulho para
todos nós, acima de tudo pelo legado social que nos deixou, alicerce do Estado
Social que se edificou em áreas como a habitação, a educação e a assistência
médica. Todos estes legados estão hoje ameaçados. Temos de combater o
desemprego e as desigualdades.
Temos de preservar o Estado Social e não reduzi-lo a um Estado mínimo.
Abril está ameaçado com os atuais níveis de desemprego, pobreza e miséria.
E é por isso que hoje devemos gritar por Abril.
É por isso que o poder local, particularmente a Câmara Municipal do
Funchal, pelo projecto politico sufragado nas urnas e que tem como eixo
principal a cidadania e o envolvimento das pessoas na solução dos problemas que
são de todos, pela proximidade que este poder local tem com os cidadãos, que o
mesmo deve ser o guardião das políticas públicas e da defesa dos cidadãos.
Precisamos de políticas públicas fortes que produzam efeitos duradouros.
Vivemos dias em que querem virar a História do avesso. Querem inverter o
sentido das conquistas de Abril. Os filhos de Abril estão em retrocesso em
relação aos seus pais. Há uma outra revolução em curso que quer mudar tudo ao
contrário do que foram os ideais nascidos em 1974.
O sistema dominante modificou a relação dos trabalhadores com o trabalho, a
relação dos cidadãos com a cidade, a própria relação das pessoas entre si.
Destruição tem sido a palavra dominante. Destruição da economia, de
empregos, de famílias, de pessoas, de vidas.
Por isso comemorar o 25 de Abril é também um ato de inconformismo.
Mas comemorar o 25 de Abril deve ser também um ato de esperança. Esperança
e confiança na democracia, num futuro livre, num Portugal mais humanista e
progressista. Falamos da revolução com saudade quando se devia falar com
esperança. Não devemos falar só sobre o que aconteceu nesse dia, mas sobre o
que esse dia permitiu a um país que saiu de 48 anos de ditadura. Esse foi o dia
do começo. Esse foi o dia do resto das nossas vidas. Mesmo daqueles que não o
viveram e nasceram depois.
Abril não se esgota na liberdade, estende-se ao desenvolvimento económico e
à justiça social. Temos de provar que é possível outras políticas, que é
possível pagar as dívidas e não violar direitos que devem ser respeitados e não
retirados.
Temos de tender para a banalidade do bem.
Tudo vai mal quando não se sente esperança, porque não se sente futuro. Mas
o 25 de Abril existe para nos lembrar que o futuro é uma alternativa em aberto.
Este estado de coisas não serve e, colectivamente e sem heróis, como é
próprio das democracias, vamos sair disto.
A democracia não nasceu por decreto e tem, por isso, de manter-se por
vontade do povo.
É o que aqui fazemos e reforçamos.
Viva o 25 de Abril.
Viva o Funchal.