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quinta-feira, 18 de abril de 2013

ESTILHAÇOS DE MADEIRA NOVA


'VAGRANT': MALDIÇÃO DO VENTO SUL


Polícia logo de manhã para proteger o desmantalemento do restaurante.


O 'Vagrant' apercebeu-se das primeiras marteladas ao romper do dia. As máquinas, protegidas pela polícia para o que desse e viesse,  apareceram de sul, do lado do aterro, e desataram a derrubar paredes, aliás muito batidas pelos anos, em pedalada glacial e constante. A eito. Começando pelas instalações do restaurante ribeirinho abaixo do 'Verdinho' e avançando ameaçadoramente em direcção ao famoso iate que pertenceu aos Beatles, mais perto do cais.

As máquinas avançam do mar para cima.


Naufrágio no Dia de Natal

Como que uma praga sulista. 
No Dia de Natal de 1977, flutuava o iate com bandeira panamiana, descansadinho da vida, as suas 238 toneladas brutas, ao largo da praia de Las Alcaravaneras, Grã Canária, quando a tempestade fustigou também de sul, partindo-lhe as amarras e encalhando-o por ali, a jeito de ser fustigado muitas horas. E o povo canário a ver, desde a avenida, sem nada poder fazer.

Quando, em 1941, encomendou aos estaleiros de 'Bath Iron Works', em Maine, EUA, a construção do pomposo 'Vagrant', em linhas que fariam dele um dos 10 iates mais luxuosos do mundo, o multimilionário Horace Vanderbilt certamente sabia que, às garras de um mar abespinhado, um iate com 38,6 m de comprido, 8,25 de largura e 3,40 de pontal - como era o caso - não passaria de uma casquinha de noz facilmente triturável e à mercê das rochas. Óbvio.

Além dos Beatles, outra vedeta da canção teve o 'Vagrant' na sua posse: Donovan.

Seguindo o destino habitual dos navios, o 'Vagrant' foi mudando de proprietário. Em 1966, enquanto a Inglaterra organizava um Mundial de Futebol de boas recordações para Portugal, os Beatles compraram aquele recreio, ainda com o seu motor de 600 HP, geradores eléctricos, radar e uma lancha rápida de apoio. E foi daí que nasceu a fama do... 'Iate dos Beatles', não obstante este haver pertencido a outro mito da música mundial, o britânico  Donovan, por sinal amigo dos 4 de Liverpool, com quem chegou a colaborar no plano musical.
O iate pertenceu ainda a outra figura mediática internacionalmente, o magnata grego Goulandris.

Em mãos madeirenses


Qual 'Tollan' alapado ao fundo do Tejo, o Iate dos Beatles ficou encalhado durante dois anos na praia grancanariana de Las Alcaravaneras. Em Agosto de 1979, após trabalhos de reconstrução e remoção, conseguiram safá-lo do local. Mas que fazer com ele?
Por esse tempo, um empresário madeirense ligado ao mar, João Bartolomeu de Faria, demandara mares canarianos com o seu 'Blue Bird', a fim de explorar o turismo costeiro. E foi esse madeirense quem meteu ombros à empresa de recuperar o que fosse preciso do famoso iate para o trazer até ao Funchal, a fim de o usar também ao serviço do turismo comercial.

Já em 1982, com muitas dificuldades operacionais, o 'Vagrant' era instalado no seu futuro habitat, junto ao cais do Funchal. 
Feitas as obras necessárias, a inauguração de um novo restaurante conhecido por 'Iate dos Beatles' seria inaugurado pelo presidente do governo regional ainda hoje em funções.

Obras inauguradas e já desaparecidas

- Ele (presidente do governo) fez 3 inaugurações nesse dia, o campo de futebol do Porto da Cruz, a bomba de gasolina do Agostinho, chaufer do governador, na Cancela, e aqui o Vagrant - recordavam jornalistas antigos que apareceram esta manhã para ver os acontecimentos na Avenida - Pois dois desses melhoramentos inaugurados já não existem e agora este também se vai!
Enfim, a constatação de que a Madeira Nova está ficando velha.
- O Quintal (chaufer do presidente do GR na altura) tinha ficado na Cancela tomando uns copos na inauguração da bomba e quem trouxe o Mercedes para o Vagrant foi mesmo o Alberto João, se não me engano - conta um funcionário do iate que ali se empregou à primeira hora.

José Manuel de Abreu, popular figura funchalense que trabalhou desde os primeiros tempos no 'Vagrant'.

Outro funcionário que também trabalhou com João Bartolomeu de Faria já nos anos 70, José Manuel de Abreu, compareceu esta manhã, pesaroso, junto do Vagrant. Desceu para o local ao saber das novas. 
Conta histórias daqueles tempos. 
Tonecas, maquinista das antigas lanchas de Bartolomeu de Faria, discute com José Manuel alguns pormenores de outrora, para suspirar finalmente:
- Um patrão (Faria) que nunca me falhou com um tostão que fosse!

O 'Caranguejo', o 'Zeca, Luís 'o Calafate'...

José Manuel de Abreu, personagem funchalense muito vivida e popularizada pelos muitos anos em que trabalhou na extinta casa de bordados 'Arte Fina', à Latino Coelho, conheceu as actividades comerciais de Bartolomeu de Faria desde os tempos em que o empresário explorava o ramo das excursões marítimas - agência 'Amigos do Mar' - com lanchas várias ao serviço, incluindo as que faziam a ligação cais-Pontinha e cais-navios, como a D. Lúcia e a Gago Coutinho, devidamente adaptadas. 
Diz José Manuel que se Bartolomeu de Faria, em tempos também ligado ao engenho do mel, começou a ganhar bom dinheiro, foi exactamente com as lanchas. 
- Mas havia muito mais - conta ele, ajudado pelo antigo colega que foi maquinista da 'Orquídea' - Havia a 'Deserta', a 'Milano'. A 'May' naquela altura tinha um piso mais alto, no convés, onde o folclore actuava para os turistas. A lancha andava entre o Reid's e o Garajau, excursões à noite aí de uma hora e meia... bailinho, bolo de mel, vinho Madeira... e boas receitas garantidas. 
Havia ainda excursões por mar até Machico, onde esperava os turistas o tradicional almoço de filete de espada, no Mercadinho. Organização de José Manuel de Abreu.
O pior era quando o motor da lancha não pegava! Grandes aventuras! O que passaram marinheiros dessas lanchas como o 'Caranguejo' (irmão do Salinhos do CF União), o Zeca (jogador do Marítimo e do Lazareto). Sem esquecer os méritos do machiquense Luís, 'o calafate', que fez aqueles barquinhos quase todos da esplanada 'Vagrant'.

'Madeira', 'Skotia', José da Trindade, Sinatra, sarilhos com Arsénio...

Faria tratou de mandar construir lanchas. José Manuel aponta: a 'Madeira' e a 'Skotia'. Foi mesmo?
A primeira, que levava uns 70 passageiros, servia para os turistas que gostavam da pesca.
Mas, apesar dos investimentos e dos êxitos, há sempre um dia. 
José Manuel lamenta hoje que os negócios de Bartolomeu Faria estejam a chegar ao fim. 
- Houve fases altas - recorda - A McDonald queria instalar-se no Vagrant. E houve um alemão que queria comprar isto tudo. Até o mastro mais alto quiseram comprar, mas o sr. Faria, nada.
Nos tempos áureos, José Manuel funcionava como um relações públicas no 'Vagrant'. Arranjou cozinheiro, empregadas. E até fez de empresário no show business.
- Ainda arranjei um sarilho com o Arsénio por causa disso - contou esta manhã - O sr. Faria quis animar o 'Vagrant' com música e disse-me que seria bom encontrar alguém que tocasse harpa. Fui contra. Harpa?! Melhor era pôr ali o José da Trindade a cantar fados e aquelas músicas do Sinatra e do Dean Martin. 
E José da Trindade, muito popular à época, foi mesmo contratado. 
- Veio ganhar 10 contos! Uma fortuna para esse tempo. O sr. Faria também ficava acolá naquele barquinho, com os seus amigos, a ouvi-lo. E o povo ficava no cais, para seguir o espectáculo de graça. O Arsénio aborreceu-se comigo, porque lhe tirei a principal atracção do 'Marcelino'. Mas depois compreendeu.

7 já no Desemprego e mais 6... sem emprego

Trabalhadores à porta. O camartelo chegou sem aviso.

José Manuel de Abreu passa junto do 'Vagrant', onde prossegue o desmantelamento das instalações junto do iate propriamente dito. Conversa com as 6 trabalhadoras, postadas à porta, ainda perplexas com o 'ataque' de surpresa. Ainda conhece algumas. São mais 6 para o desemprego, a juntar a outros 7 elementos que, perante o atraso de pagamentos, se anteciparam há tempos, recorrendo ao Desemprego.

Os transeuntes param normalmente alguns instantes, a tentar perceber bem o que se passa na Avenida. Um comentário:
- Nunca fui grande apreciador do 'Iate dos Beatles'... mas acho que ainda ficava melhor aí do que as obras que andam a fazer nesse aterro. 

O 'Vagrant' se calhar nunca teve tantas atenções como nesta quinta-feira do destroço!

Muitos elementos da classe política também marcaram presença. Aqui, o socialista Jaime Leandro.


Painel com histórias do 'Vagrant'.

Muitos dos barquinhos feitos há décadas por Luís, 'o Calafate', ficam em fanicos.




A 'Deserta' ainda ali estava...

José Manuel evoca as noites musicais no 'Vagrant' com José da Trindade. O palco e a pista de dança eram acanhados, mas o sentimento enorme.


Há meses, as máquinas 'enganaram-se' e derrubaram um bocado de esplanada, a ver se o proprietário saía mais depressa. Como não resultou...

No meio da relativa nostalgia que rodeava o desmantelamento à beira-mar, ironizava-se com aquele aviso  numa parte do restaurante: "O Jardim pré-pagamento". "Nem pré nem nunca", zurzia-se a reputação caloteira de sua excelência. 

2 comentários:

Anónimo disse...

Terminou o contrato. O empresário não teve licença renovada. Foi avisado com prazo. Empreendimento degradado. Mesmo sem renovação da frente mar já era uma imagem negativa para a cidade. O Vagrant já foi. Lá foi o tempo das suas festas com as fãs da grande banda histórica. Nem Liverpool o quis. Todos temos os dias contados. O Vagrant também!

Anónimo disse...

concordo absolutamente com o comentario , até diria mais tambem o velhinho das angustias tem os dias contados! as eleições é que tardam.