OBRAS DO NOVO CAIS DO FUNCHAL
ARRANCARAM SEM O VISTO DO TC
A
polémica obra, financiada com verbas destinadas à reconstrução pós-temporal de
2010, arrancou antes da adjudicação e ainda sem visto do Tribunal de Contas
As
obras do novo cais de cruzeiros do Funchal, em construção no depósito de inertes do temporal de 2010, arrancaram
antes do anúncio da adjudicação da empreitada e ainda aguardam o obrigatório
visto prévio do Tribunal de Contas.
O processo a
solicitar a fiscalização prévia foi devolvido pelo Tribunal de Contas que
solicitou informações complementares para poder proceder ao exame da legalidade e do
cabimento orçamental do contrato de adjudicação assinado pela Administração dos
Portos da Madeira (APRAM) com o consórcio
entre a Somague e a Etermar. Por
se tratar de uma obra com custo de 17,8
milhões de euros, portanto superior ao tecto de 317 mil, carece de controlo
prévio do Tribunal de Contas que se exerce
mediante a concessão ou a recusa de visto.
“É
possível que o tribunal não decida antes de Abril”, admitiu ao PÚBLICO um
assessor do governo regional, confirmando que o “processo foi devolvido com
pedido de mais informações sobre o contrato”. Desconhece-se se a insuficiência
de documentação está relacionada com o financiamento do projecto que não estava
previsto no plano director do porto.
A
canalização de verbas previstas pela lei de meios, destinadas às obras de
reconstrução de habitações e equipamentos públicos danificados pelo temporal e
ao apoio às vítimas, para o polémico cais tem sido contestada por todos os
partidos da oposição que questionam a prioridade e urgência da obra considerada
“megalómana”, quando há ainda por realojar mais de 150 pessoas cujas habitações
foram destruídas pela intempérie de 20 de Fevereiro de 2010.
O
projecto foi também rejeitado por ambientalistas que promoveram uma
concentração de protesto sobre o aterro e apresentaram uma petição pública à
Assembleia da República a propor a revisão da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de
Junho, que fixa os meios que asseguram o financiamento das iniciativas de apoio
e reconstrução na sequência desse temporal, de modo a evitar que tais verbas
sirvam para a destruição da baía do Funchal.
A elaboração do projecto
tinha sido adjudicada, em ajuste directo, por 1,5 milhões à Norvia Prima,
originariamente formada por governantes regionais. Posteriormente a empresa –
de que são sócios Luís Miguel Sousa, concessionário exclusivo das operações
portuárias, e Avelino Farinha (AFA/AFAVIAS), maior adjudicatário de obras
públicas na região e dos ajustes directos da reconstrução – subcontratou a
WW-Consultores de Hidráulicas e Obras Marítimas, responsável pela polémica
marina do Lugar de Baixo, encerrada desde a inauguração em 2004 por questões de
segurança.
À AFA foi adjudicada, em
Junho de 2012, a intervenção nos troços terminais das ribeiras de Santa Luzia e
de João Gomes, na sequência do temporal. Incluindo o novo cais, estas
empreitadas estão orçamentadas em cerca de 80 milhões de euros e são suportados
pelo Estado. Estranhamente estas mesmas intervenções estão incluídas numa
candidatura ao Programa Operacional Temático Valorização do Território, do QREN
2007/13, numa operação com o mesmo valor daquelas intervenções já financiadas
pela lei de meios para a reconstrução pós-temporal.
A
decisão de construir o cais de cruzeiros que não está previsto no plano
director do porto, partiu do presidente do governo regional que, por resolução
de 20 de Julho de 2010, incumbiu a APRAM da sua construção. Alberto João Jardim
- que nas eleições internas para a liderança do PSD venceu Miguel Albuquerque
por 51 contra 49% - deixou fora do processo a câmara do Funchal que também não
foi envolvida na remodelação portuária, apesar das suas grandes implicações no
quotidiano da cidade.
Câmara colocada à
margem
A
autarquia presidida por Albuquerque
emitiu um parecer desfavorável ao novo cais, considerando que a solução
preconizada pelo governo para o aterro "tem grandes limitações em termos
de operacionalidade e segurança em todos os seus aspectos". Fundamentou-se
em pareceres de especialistas nacionais, designadamente da Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
da Universidade de Lisboa, que apontam
grandes fragilidades ao projecto, levantam dúvidas sobre as implicações do
movimento de marés no escoamento dos inertes na saída das ribeiras e sobre a
operacionalidade da infra-estrutura portuária.
Por colocar
em causa tal projecto, fundamentado nestes pareceres, o conselho de jurisdição regional
do PSD decidiu expulsar o militante Henrique Costa Neves, vereador responsável
pelo pelouro do Ambiente na câmara do Funchal. "Prevejo que esta obra não
vai resultar. Vai redundar num fiasco. O Funchal ficará afectado
irreversivelmente. Depois vai acontecer o costume: ninguém é responsabilizado,
ninguém é demitido, ninguém é preso", disse.
O plano director, aprovado pelo
governo regional em 2004, com um
financiamento do Fundo de Coesão (EU) de 62,9%, transforma o porto numa
infra-estrutura exclusivamente de apoio à navegação turística e de recreio e
parte activa da capital madeirense. O plano previa o prolongamento do cais da Pontinha (actualmente com 920 metros) em
170 metros, opção apoiada pela câmara em alternativa ao cais no aterro, mas que
o governo abandonou.
Sem seguir o
plano global, o executivo de Jardim optou
por concretizar projectos
parciais geridos por entidades públicas diferentes. A Sociedade Metropolitana
de Desenvolvimento (sob a tutela da vice-presidência do governo) procedeu à
remodelação, a norte, do porto e da zona da
marginal, com um custo de cerca de 20 milhões, construindo um cais de 260
metros. No cais sul, sob a direcção da APRAM (na dependência da Secretaria do
Turismo e Transportes), foi construída a gare marítima, inaugurada há dois
anos, com um custo
de 13 milhões.
Em
2012, o porto do Funchal alcançou o seu recorde ao movimentar 592 mil
passageiros e um total de 336 escalas, numa média menos de um barco por dia,
quando podem atracar cinco simultaneamente. No ano passado liderou o movimento nacional de passageiros e de
escalas de navios de cruzeiro, registando um aumento de 10% e 11%,
respectivamente, face a 2011.
1 comentário:
será que o arranque de surpresa da obra do estadio dos barreiros tem alguma ligação a esta obra?
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