DOMINGOS SEM FUTEBOL
Um perigo! Pelo menos enquanto durar este governo...
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Sempre detestámos chegar ao domingo sabendo que a bola não vai saltitar, como aconteceu neste último. Ontem jogaram os aguerridos Marítimo B, União e Camacha, é verdade, mas referimo-nos principalmente à mais alta competição, aquela que nos enche as lacunas do cérebro com relatos e rondas para tempos e resultados, gritos de golo, penaltis forçados, foras-de-jogo inexistentes, enfim, os 'roubos de igreja' próprios do sistema.
Mesmo quando o campeonato, já perto do Verão, dá os últimos suspiros, com os jogadores a se arrastarem em campo à espera de férias e os jornais denunciam nos títulos aquele maçador futebol de fim de estação, mesmo aí tememos o vácuo das semanas seguintes.
Podemos estar saturados de jogos sem músculo nem criatividade. Mas, no primeiro domingo de defeso, apesar de na praia ouvirmos falar em transferências milionárias, é fatal aquela nostalgia teimosa das primeiras horas da tarde sem os cachecóis e as camisolas garridas do Glorioso polvilhando ruas da cidade e arredores do Estádio.
Mesmo que não possamos comparecer nos Barreiros ou sequer assistir pela TV ao Real e ao Barça, mais à noite, é importante sabermos que há festa desportiva no relvado à nossa disposição e que, a um simples clique, temos livre de Ronaldo e drible de Messi.
Pois muito mais valor demos ao futebol domingueiro ontem à tarde, sempre que víamos na TV um repórter a 'encher chouriço' à entrada do edifício onde corria o conselho de ministros extraordinário. Os 'roubos de igreja' que não se estariam a planear naquele salão para esvaziar o resto do bolso aos portugueses!
Se era! Boa razão para preferimos ver o Olegário Benquerença anular um golo limpo, a tomar conhecimento de nova patifaria da ministra das Finanças no Orçamento do Estado - aliás feito à carreira no conselho extra. Naquele caso, Olegário arrisca-se a ficar uns tempos sem pegar no apito. Neste, a ministra ainda recebe elogios da Troika, porque ninguém avança com moções de censura estando o erário como está.
Nos domingos de futebol, a malta chateia-se de ouvir as desculpas esfarrapadas do Jesus na zona mista, para justificar outra tarde negra das Águias. Mas, dois dias depois, a péssima exibição e a lengalenga estão esquecidas e debruçamo-nos sobre as opções do treinador para o jogo seguinte.
Já nos domingos de conselho de ministros, esperamos pelo 'flash interview' a cargo do endiabrado Paulo Portas, ladeado pelos adjuntos Mota Soares e Maria Luís Albuquerque, e o que vamos ouvir é o anúncio de novos cortes nas reformas de sobrevivência, grave antecedente para cortar a direito nos beneficiários do sistema contributivo, aquele para o qual a vítima se fartou de descontar a p... da vida toda. Dois dias depois, o inchaço não passou, pelo contrário, vai é perpetuar-se para desgraçar o resto da vida dos velhotes.
Nos domingos de futebol, Pinto da Costa baralha os adeptos e consegue transformar um árbitro decente num Al Capone, porém sem consequências para o diâmetro da Terra.
Nos domingos de orçamento de Estado, Portas mistura subtilmente essas pensões contributivas com pensões assistenciais, e o resultado é Zé Povo habituar-se à ideia de que ou há democracia ou comem todos. E não pia.
No caso em apreço, lembremos que o pior não está no corte das pensões de sobrevivência, mas aquilo que o governo esconde enquanto nos distrai com esses cortes "que afinal não são tão graves como a fuga de informação dizia".
Ainda bem que a temporada mal começou e teremos muitos domingos de futebol para distrair - enquanto Passos e Portas ora cortam nas pensões gerais e vencimentos da Função Pública, ora aumentam impostos - quando não ambas as medidas em simultâneo.
Assim, até nós governamos aquela faixa ocidental de Espanha e respectivas adjacências insulares.
Por outro lado, é muito mais inofensivo assistir àqueles debates televisivos sobre a jornada, em que gastam meia hora de TV em torno das imagens de um fora-de-jogo que passou em claro, do que apanhar com as interpretações nuas e cruas de Marcelo e Sócrates sobre o que a malandragem executiva faz à remuneração do nosso trabalho.
O Leitor corrige-nos: homem, se o governo abusar no Orçamento, se Portas nos tramar com mais cortes fora-da-lei, podemos 'protestar o jogo', recorrendo ao Tribunal Constitucional.
E tem razão.
Assim como é certo que o TC já chumbou ideias baixas daqueles cavalheiros.
Mas, como se sabe, o governo tem sempre um plano B para chegar ao défice que a Troika exige.
...E não são Passos, Portas e Maria Luís Albuquerque a pagar.
Que tal obrigar os ministros a irem à missa - ou ao futebol - nos domingos de Outono?
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