A ver passar os comboios
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Foto JM |
Rui Barreto, apesar das qualidades para ser uma das estrelas da política regional, continua a pôr a sua ingenuidade ao serviço do situacionismo decadente no partido
A menos de um ano das eleições autárquicas, nunca os partidos políticos na Região padeceram de tanto desnorte, tanta falta de mobilização, tanta carência de popularidade. É transversal. Na verdade, pelas vozes da rua, tanto se dá como se deu a cara que cada partido apresente para concorrer às câmaras, com saliência, imagine-se, para a do Funchal.
Ninguém tem paciência para os partidos.
Rui Barreto acaba de se pré-candidatar à principal autarquia regional. E daí? O PSD preocupa-se com a ameaça de votos à direita que Barreto possa representar? O PS temerá que a temperança política do candidato popular lhe entre pelo eleitorado socialista dentro? E mesmo os partidos mais à esquerda, estilo geringonça, acharão que, tendo o povo mandado as ideologias às malvas, desta vez tenham de se preocupar com um nome anunciado na ala direita?
Os partidos estão condenados. Não quiseram ouvir os avisos, pelo contrário: em vez de deitarem sentido à debandada, agem de forma a desmobilizar ainda mais os seus adeptos... a começar pelo próprio CDS, por razões já badaladas, tendo a ver com o recuo de Rui Barreto, há tempos, na hora de discutir a liderança do partido. O anúncio da sua candidatura ao Funchal entusiasmou simpatizantes e militantes? Nem por isso. O anúncio de candidatura foi feito - a que ponto chega a ciência política tabanqueira - num ambiente de jantar em que ele, candidato a catapultar, não passava de figura de segundo plano, ofuscado pela presença da líder nacional. São erros que marcam indelevelmente um político, e Rui Barreto, pelo que já sofreu na pele por erros crassos, devia recusar a desmotivante encenação.
O actual deputado popular não aprendeu com a famosa reunião magna do partido em que ele mesmo, favorito que era, fez a péssima figura de não disputar a liderança até ao último minuto.
Nessa altura, mesmo que Lopes da Fonseca tivesse o congresso minado e armadilhado, e ganhasse a presidência, porque estava no direito de a disputar também, Barreto ficava de mãos livres e coluna vertical para arrasar na oportunidade seguinte e chegar a chefe - provavelmente já nas próximas autárquicas. Depois dessa insegurança, que o fez aceitar a secundarização à sombra de Fonseca, ei-lo novamente a simular 'pêlo na venta' na sessão gastronómica de candidatura, mas protegido (e eclipsado) por uma madrinha de nome feito, Assunção Cristas.
Que terá levado Rui Barreto a decidir - ou aceitar - a candidatura à Câmara do Funchal? Ganhar as eleições? Não. Para sonhar com uma empreitada triunfante desse jaez, só se concorresse fora do partido, a solo, apoiado por cidadãos. Aí ninguém lhe negaria o direito de sonhar. À frente da lista de um partido - PP - cinzento como nunca, agitando nas mãos um projecto cinzentão, conseguirá o quê? Talvez imitar Zé Manel e ganhar um assento de vereador. O que inclusive lhe traria problemas, já que na campanha será obrigado a dizer se, caso seja eleito, entra na Câmara deixando o assento no Parlamento regional.
Decididamente, Rui Barreto deitou a perder o seu acertado trabalho em São Bento. Já ninguém se lembra dos votos corajosos contra os ditames de Portas. Apagaram-se as suas intervenções, raras mas bem fundamentadas, em timbre convincente. Rui Barreto é visto hoje como um político com potencialidades, mas sem ambição nem nervo. Até o anúncio da candidatura, mais a mais esvaziado pela antecipação na imprensa - até esse momento do anúncio lhe saiu mal, sem conseguir mostrar convicção no que estava a dizer.
Com esta candidatura ingénua, o ainda jovem quadro do PP só vem dar mais uns tempos de vida ao actual establishment no seu partido. Outro erro de palmatória. Depois do que se passou no congresso, e por mais mansas que sejam as falinhas na Rua da Mouraria, Rui Barreto devia recusar envolvimento directo nestas autárquicas. Para, na segunda-feira pós-eleições, dar uma conferência de imprensa demarcando-se dos maus resultados - não é preciso ser Zandinga para os adivinhar -, exigindo um congresso imediatamente e pré-anunciando a sua candidatura à liderança do PP-Madeira, com o objectivo expresso de fazer estragos nas legislativas de 2019.
Concorrendo agora pelo partido, oferece-se à liderança para bode expiatório do descalabro. Como o cordeiro sacrificado ao deus.
Mas Rui Barreto prefere andar de boas relações dentro do partido, amparar Lopes da Fonseca e outros barões, fingindo que se contenta com a liderança do grupo parlamentar. E agora com uma anacrónica candidatura à Câmara.
Pior do que se considerar que errou é a sensação de que não fez bem nem fez mal. Indiferença.
Rui Barreto não vai perder as qualidades que tem para a política. Tem ainda muito tempo pela frente para ganhar um pouco da malícia política 'sine qua non'. Mas não só os anos passam irremediavelmente. O comboio também.