3 de Março 2019

A moda de cabelo popularizada pela estrela de futebol Arturo Vidal foi inventada pelo nosso Fernandinho há 50 anos.

Fernando, o Louco da Saúde

Os entradotes do burgo lembram-se bem de 'Fernando o Louco'. Costumava percorrer as ruas do Funchal nos anos 60 e inícios dos 70 com adereços estranhos, como o arco de brincar, um carro de verga, vestuário que não lembrava ao diabo e, nos seus últimos tempos, um corte de cabelo que só agora pegou em moda, curiosamente no futebol, tantas décadas depois. 

O traço comum das suas aparições na baixa era porém um ornato de enfermaria: um dia cabeça ligada, outro dia simulação de braço engessado, depois canadiana, enfim, sempre uma história para contar criada pela sua fértil imaginação, com muitas queixas dos enfermeiros e doutores. 

Ao domingo - como hoje - contávamos com o Fernando depois do futebol, à noitinha na 'Concha', onde ele começava por uma intervenção de fundo numa espécie de debate potestativo sobre o estado da saúde que encontrava no hospital, à época. Uma vez, deram-lhe alta com o pé esquerdo partido e, quando aterrou na baixa, depois do percurso apeado até à cidade, a grave fractura tinha passado misteriosamente para o pé direito. 

Quando apareceu com um olho tapado por uma compressa ensanguentada, explicou que voltou das Urgências sem tratamento porque o médico desmaiou ao ver a ferida.   

Depois de o internarem como doido lá em cima, 'Fernando o Louco' tinha direito ao fim-de-semana em liberdade, que aproveitava para contar histórias na baixa da cidade, comparecendo sempre no snack-bar 'Concha' para dar continuidade ao debate potestativo, empolgando o ambiente com as suas piadas brejeiras.

Uma vez, chegou muito preocupado à tasquinha, porque durante a semana tinha engolido uma moeda de 2$50 no Trapiche e, levado de urgência ao hospital, o médico de serviço só lhe conseguiu recuperar 17 tostões. 

Noutro dia, dizia-se alarmado por causa de uma epidemia que lhe atacou os bolsos todos.

E houve a vez em que se queixava de mazelas físicas e fisiológicas: tendo adormecido dentro de um dos carros do Monte que estacionavam de noite na Avenida, acordou sobressaltado porque o bilheteiro o violava com um 'bilhete para as Babosas'.

E mais a outra vez em que foi atacado de papeira nos intestinos. 

A audiência da 'Concha', no mar de imperiais e petiscos a correr, sublinhava os contos do Fernando com tal ruído de gargalhadas que se ouvia no 'João da Corte', a adega do vinho tratado que se celebrizou no outro extremo da Rua dos Murças. 
Há duas grandes conclusões a retirar destas aventuras do Fernando. Primeira conclusão: o Fernando contava as suas tretas sempre a comer e a beber, pisgava-se e depois alguém havia de pagar a conta. Segunda conclusão: todos nós percebíamos os objectivos do malandro, mas caíamos sempre na ratoeira, anestesiados pela banha-de-cobra do peste. Ríamos com as rábulas e depois pagávamos a dolorosa.  

Estas memórias, que já usei como tema em crónica velha do tempo, avivaram-se cá na cabecinha com o debate potestativo requerido esta semana pelo PS-M na Assembleia Regional, na sequência de uma reportagem da TVI sobre a saúde nuclear. Pedro Ramos não caiu do cargo, mas atenção que há outras reportagens para sair com os respectivos debates potestativos a fazer tremer o mundo.

Sobre o potestativo do PS, Victor Freitas interveio e lavrou um decreto categórico: "Em Setembro vamos resgatar a Madeira!" Querendo dizer que o péssimo estado da saúde na Região vai acabar porque os socialistas e Cafofo ganharão as eleições de Setembro e, em matéria de saúde, os vencedores até vão levantar os mortos da cova, com efeitos retroactivos, pois. 

Para manter a saúde em agenda, os pretendentes ao poder têm os seus 'Fernandos, os loucos'. Só que estes, os modernos, estão a gastar as pastilhas à louca e começam a padecer de falta de situações na saúde para denunciar. Dentro em pouco, haverá manchetes de jornal a vincar que o número de pessoas na Madeira com unhas encravadas triplicou em relação à semana homóloga de Janeiro de 1847. E mais alguma manchete a proclamar a revolta geral na saúde, porque duas famílias reclamaram contra a falta de lenços para a constipação.

Victor Freitas diz que o Cafofo vai resgatar a Madeira da peste negra que ameaça de morte a população sequestrada pelo PSD. A gente alinha nisso, como sempre alinhou. Sabemos que, se os novos trapicheiros da saúde ganharem, a tragédia da falta de pensos na Cruz de Carvalho e de esfregonas nos Marmeleiros vai acabar em Setembro, à luz da teoria de McLuhan. A partir daí, não se falará do assunto, o assunto não será assunto. Mas, para não nos levarem por tontos, que fique assente aqui já: 'Fernando o Louco' fazia o teatro muito mais baratinho do que o futuro doente que nos estão a preparar. Isto vai-nos sair tão caro, oh Victor dos potestativos. Mas vá lá, a gente paga isto tudo, comam, bebam e passeiem à vontade. O povo gosta de ver as selfies nas redes e as manchetes da ordem. 
Só mais um reparo: 'Fernando o Louco' tinha muitíssimo mais graça. A gente pagava a dolorosa com um sorriso nos lábios e sempre com uma para a estrada.