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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Politicando


Enviaram-nos os seguintes textos que, com a devida vénia, reproduzimos na 'Fénix'. Com este comentário prévio: quem vê as barbas do vizinho a arder...



A resposta da Islândia à crise “económica”: a invenção democrática


Por João Telésforo Medeiros Filho

O povo islandês tinha dois caminhos a seguir, diante da forte recessão económica que atingiu o país: abrir mão de direitos sociais e manter intocada a estrutura económica da nação (como se tem imposto a países como Grécia, Portugal, Espanha, enfim, ao mundo inteiro); ou proclamar a soberania democrática sobre a economia, a apropriação comum das riquezas produzidas em comum pelo povo, para garantir a todos uma existência digna. Escolheu o segundo, mostrando ao mundo que existe uma alternativa – democrática, inclusiva e transformadora – ao receituário de precarização que costuma se apresentar como o único caminho.




A Islândia nos mostra que a crise económica é, antes de tudo, uma crise política. Vivemos, no Brasil, em estado permanente de crise, pois somos uma das nações mais desiguais do planeta, enorme parte da nossa população não se apropria de quase nada da riqueza que produz e praticamente não é ouvida na definição dos rumos da nossa economia. A mudança desse cenário de exclusão estrutural, tal como aponta a Islândia, não virá de receituários pré-moldados que reforçam o sistema econômico como mundo separado das necessidades e aspirações sociais, mas da transformação política da economia, da democratização do sistema produtivo e de apropriação de riquezas.
Merece destaque ainda a grande e promissora inovação da forma como a intensa participação popular ocorreu no processo constituinte islandês, conforme apontam Deena Stryker e Daily Kos, no texto “A revolução popular na Islândia”:

“Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu vinte e cinco cidadãos entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político, mas recomendados por pelo menos trinta cidadãos. Esse documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na Internet.
As reuniões dos constituintes foram transmitidas online, e os cidadãos podiam enviar seus comentários e sugestões vendo o documento, que ia tomando forma. A Constituição que eventualmente surgirá desse processo democrático participativo será apresentada ao Parlamento para sua aprovação depois das próximas eleições.”
Para uma visão mais aprofundada da Islândia e dos impactos da crise econômica nela, vale a pena ler um dos melhores trabalhos jornalísticos que já li na vida, de autoria de João Moreira Salles, na revista piauí: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-28/carta-da-islandia/a-grande-ilusao



A REVOLUÇÃO POPULAR NA ISLÂNDIA.

Deena Stryker
Daily Kos

Um programa de rádio italiano falando sobre a revolução em andamento na Islândia é um exemplo impressionante do pouco que os meios de comunicação nos dizem sobre o resto do mundo.
No início da crise financeira de 2008, a Islândia declarou-se literalmente em falência. As razões são citadas apenas superficialmente, e desde então, esse membro pouco conhecido da União Européia voltou a cair no esquecimento. Como os países europeus vão caindo um após o outro, colocando o euro em perigo, com repercussões para todo o mundo, a última coisa que os poderes desejam é que o caso da Islândia se transforme em um exemplo. A seguir, eis por quê.
Cinco anos de um regime puramente neoliberal fizeram da Islândia (população de 320 mil pessoas, sem exército), um dos países mais ricos do mundo.
No ano de 2003, todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair investidores estrangeiros, ofereceram empréstimos em linha, cujos custos mínimos lhes permitiram oferecer taxas relativamente altas de rendimentos. As contas, chamadas de “icesave”, atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses; mas, à medida que os investimentos cresceram, isso também aconteceu com a dívida dos bancos estrangeiros. Em 2003, a dívida da Islândia era igual a 200 vezes o seu PIB, mas em 2007 ela chegou a 900 vezes. A crise financeira mundial de 2008 foi o golpe de graça. Os três principais bancos islandeses, Landbanki, Kapthing e Glitnir, quebraram e foram nacionalizados, enquanto que a coroa islandesa perdeu 85% do seu valor em relação ao euro. No final do ano, a Islândia se declarou falida.


[Contrariamente ao que se poderia esperar, a crise deu lugar à recuperação dos direitos soberanos dos islandeses, através de um processo de democracia direta participativa, que finalmente conduziu a uma nova Constituição, mas depois de muita dor]

Geir Haarde, o Primeiro-Ministro de um governo de coalizão social democrata, negociou 2,1 bilhões de dólares em empréstimos, aos quais os países nórdicos acrescentaram outros 2,5 bilhões. Contudo, a comunidade financeira estrangeira pressionava a Islândia para impor medidas drásticas. O FMI e a União Européias queriam assumir o controle da sua dívida, alegando que era o único caminho para que o país pagasse seus débitos com a Holanda e a Inglaterra, que tinham prometido reembolsar seus cidadãos.
Os protestos e os distúrbios continuaram e, finalmente, obrigaram o governo a renunciar. A eleições foram antecipadas para abril de 2009, resultando na vitória de uma coalizão de esquerda que condenava o sistema econômico neoliberal, mas que de imediato cedeu às demandas de que a Islândia deveria pagar de 3,5 bilhões de euros. Isso requereria de cidadão islandês 100 euros por mês (perto de 130 dólares) durante 15 anos, com 5.5% de juros, para pagar uma dívida contraída pelo setor privado. Foi a gota dágua.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro e que a toda uma nação deveria se impor o pagamento de dividas privadas se desmanchou, transformou-se a relação entre os cidadãos e suas instituições políticas e finalmente conduziu os líderes da Islândia para o lado de seus eleitores. O chefe de estado, Olafur Ragnar Grimsson, negou-se a ratificar a lei que fazia os cidadãos islandeses responsáveis pela sua dívida bancária, e aceitou os chamados para um referendum
Obviamente, a comunidade internacional só aumentou a pressão sobre a Islândia. A Grã-Bretanha e a Holanda ameaçaram com represálias terríveis e isolamento do país.
Como os islandeses foram votar, os banqueiros estrangeiros ameaçaram bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou congelar as poupanças e as contas correntes islandesas.
Como disse Grimsson, “nos disseram que se nos negássemos a aceitar as condições da comunidade internacional, nos transformariam na Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos aceitado, nos teriam convertido no Haiti do Norte”.
Quantas vezes tenho escrito que, quando os cubanos vem o estado lamentável do seu vizinho Haiti, podem considerar-se afortunados?
No referendum de março de 2010, 93% votou contra a devolução da dívida. O FMI imediatamente congelou seus empréstimos, mas a revolução (ainda que não tenha sido televisada nos EUA) não se deixou intimidar. Com o apoio de uma cidadania furiosa, o governo iniciou investigações cíveis e criminais em relação aos responsáveis pela crise financeira. A Interpol emitiu uma ordem internacional de detenção para o ex-presidente de Kaupthing, Sigurdur Einarsson, assim como também para outros banqueiros implicados que fugiram do país.
Mas os islandeses não pararam aí: Decidiu-se redigir uma nova constituição que libere o país do poder exagerado das finanças internacionais e do dinheiro virtual (a que estava em vigor tinha sido escrita no momento em que a Islândia se tornou independente da Dinamarca, em 1918, e a única diferença com a constituição dinamarquesa era que a palavra presidente tinha sido substituída pela de “rei”.
Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu vinte e cinco cidadãos entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político, mas recomendados por pelo menos trinta cidadãos. Esse documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na Internet.
As reuniões dos constituintes foram transmitidas online, e os cidadãos podiam enviar seus comentários e sugestões vendo o documento, que ia tomando forma. A Constituição que eventualmente surgirá desse processo democrático participativo será apresentada ao Parlamento para sua aprovação depois das próximas eleições.
Alguns leitores lembrarão do colapso agrário da Islândia no século IX, que é citado no livro de Jared Diamond, com esse mesmo nome. Hoje em dia, esse país está se recuperando de seu colapso financeiro de formas em tudo contrárias às que eram consideradas inevitáveis, como confirmou ontem a nova diretora do FMI, Chistine Lagarde, a Fared Zakrie. Ao povo da Grécia disseram que a privatização de seu setor público é a única solução. Os da Itália, Espanha e Portugal enfrentam a mesma ameaça.
Deveria se olhar para a Islândia. Ao negar a submeter-se aos interesses estrangeiros, esse país indicou claramente que o povo é soberano.
É por isso que ele não aparece nos noticiários.

Fonte: http://engajarte-blog.blogspot.pt/2011/09/revolucao-popular-na-islandia.html

2 comentários:

Anónimo disse...

O ser humano tem sempre necessidade de encontrar "bons exemplos" que lhe dêem esperança e isso é o que acontece àqueles que referem o caso da Islândia.

Na Islândia, que não pertence à UE como é dito abaixo, foi feito a 3 bancos o que foi feito em Portugal em relação ao BPN, foram nacionalizados.
Só que esses bancos tinham uma originalidade, tinham conseguido como seus depositantes grande número de ingleses e holandeses (pagavam juros altos como pagava o BPN) que os respectivos governos indemnizaram convencidos que depois seriam reembolsados pelo governo da Islândia. O problema é que o governo Islandês e os Islandeses em referendum dicidiram não reembolsar os governos em causa pelas perdas dos seus cidadãos. Houve ameaças da parte dos governos ingleses e holandês mas a Isândia não cedeu. A originalidade da Islândia é apenas esta, não indeminizou os aforradores estrangeiros e o resto é "pensamento mágico" de quem procura algo fora que não encontra no seu país.
Os países em crise não estão nesse estado apenas por causa dos seus bancos mas também por causa da dívida pública acumulada e os problemas económicos estruturais que tornam impossível continuar a individar-se a este ritmo.

amsf

jorge figueira disse...

O verdadeiro problema é o crime. São os estados falhados que geram negócios chorudos (droga e outros) altamente rentáveis que ao gerarem dinheiro tem de entrar nos circuitos do "dinheiro limpo". Lava-se o dinheiro em coisas esquisitas que nunca se pagarão a si próprias mas que, entretanto, por passarem para a dívida pública dos estados estamos todos nós comprometidos com a pagar. Têm razão os alemães quando dizem os países do sul são cigarras. Faz-lhes, porém, muito jeito, nem que para isso paguem luvas, que lhes comprem brinquedos caros como submarinos