O PSD-M ESFORÇA-SE
POR APRENDER ABRIL
O PSD bem tenta, o que é louvável, mas depois de tantos anos a delirar sobre 'comunas' e a cantar o 25 de Novembro, as vedetas da moderna vaga laranja precisam de muito treino para lidar com cravos. Reconheçamos, entretanto, que se está a respirar muito melhor do que no tempo das comemorações abrilistas incendiadas pelo inveterado agitador da Madeira Nova e seus obedientes jagunços
Fomos então por aí abaixo esta manhã, a horas frescas, tentar saborear o regresso do 25 de Abril anunciado com trompetas e flores. A Madeira despedira-se da democracia em 1926 e o reencontro estava marcado para hoje, depois daquela fugaz alegria em 1974.
Pela Rua 5 de Outubro abaixo, eis a sede de um partido nascido graças ao 25 de Abril e que tanto maltratou este tempo todo a imagem do acontecimento libertador há 41 anos.
...Há 41 anos, quando julgávamos que a movimentação repetia a pólvora seca do 16 de Março, um mês antes. Mas não. O 25 de Abril era a sério. Ao início da manhã, chegavam ao quartel de Tavira pelo RCP e EN notícias, marchas militares e comunicados do MFA pedindo serenidade ao povo e ordenando às forças paramilitares que se mantivessem nas unidades, a fim de se evitar derramamento de sangue. Manhã cedo, o povo enchia as ruas de Lisboa. O fascismo caíra. Os cravos pintavam lapelas, cabelos e tapa-chamas das espingardas G-3. Liberdade, liberdade.
Coisas que povoam a cabeça à descida para o 25 de Abril na cidade. Ao tentarmos guinar para a Rua Marquês do Funchal, raios, polícia e gradeamentos a impedir o avanço de carros para o lado do Colégio. Começamos, simbolicamente falando, a celebrar Abril condicionados por barreiras!
Barreiras em dia de Abril. A necessidade obriga, mas simbolicamente ficou mal. |
Devem ser os da Câmara que querem silêncio e solenidade na
parada do Largo do Colégio, antes da sessão nos Paços. Que ideia, uma cerimónia
no município à hora prevista para o 'grito do Ipiranga' no parlamento!
Pouco
depois, saberemos que o representante do PND na sessão municipal, Baltasar Aguiar, abandona a
sala precisamente por discordar dessa coincidência.
Pena que a obsessão pelo protagonismo, de alguma das partes, municipal ou parlamentar, ou das duas, impedisse o cidadão de
assistir a ambas as sessões. Ubiquidade, só Santo António.
Ainda arestas de Abril. Que não se comparam com velhas histórias de comemorações da Revolução nesta original terrinha. Num dos loucos
anos do PREC, o vermelho dos cravos do 25 de Abril misturou-se com o sangue de
democratas que tiveram de enfrentar provocadores da FLAMA à solta. Vadios contratados por
reaccionários capitalistas passeando livremente pelas ruas do Funchal, de
t-shirt flamista, nas barbas da polícia e dos militares - apesar de a 'Frente de Libertação' se tratar de uma organização ilegal e clandestina.
A reacção nessa altura estava na mó de cima, estribada
nas posições do PPD e do seu chefe, director do Jornal da Madeira, sujeito do
regime anterior que numa página do JM elogiava o bando de bombistas e noutra acusava
inquisitorialmente os signatários de um texto de apoio ao 25 de Abril,
apontando-os como se fossem perigosos cadastrados. Respirava-se medo, nessa
comemoração de Abril.
Apeados, descortinando um deputado além, vendo passar
ali um novo governante, todos de fato impecável para brilho da cerimónia
parlamentar, eis-nos no Largo da Restauração. Eduardo de Jesus passa na Placa Central, diante da secretaria que já dirige. Fala ao telemóvel. Indumentária clássica, em honra de Abril.
Cassete atrás.
Incidentes de antanho
Naquele 25 de Abril do PREC, os
filhos dos progressistas divertem-se numa sessão de pintura ao ar livre, no Largo da Restauração. Os
flamistas descem Golden abaixo com as suas camisolas brancas devidamente
identificadas. Apupam. Dirigem 'manguitos' para o lado dos 'comunas'.
Indignados, activistas de esquerda de cravo ao peito
decidem apresentar uma queixa ao ministro da República. O separatismo é proibido, passeia-se na cidade provocatoriamente, com distintivos da FLAMA,
então urge reagir.
O nosso Land Rover azul da RDP está equipado para
fazer reportagem. Alô Central, notícia para gravar, escuto! E segue a notícia: há ameaça de incidentes e um comunicado de protesto na forja.
A tensão cresce no centro do Funchal, com
manifestantes e contra-manifestantes a distâncias perigosas uns dos outros.
Hoje, cerca de 40 anos depois, era dia de reencontrar
Abril, depois do longo sequestro. Membros do governo e alguns deputados fazem hora no requintado
Café del Mar. Nestes dois anos, frequentaram mais os cafés populares logo acima
na António José de Almeida, mercado mais recheado de votos. Se Albuquerque se
lembrasse disso e fosse ao Apolo tomar café, como noutras situações, ouviria o orador acidental que
andava dentro e fora com a chávena na mão, fazendo rir ao dizer coisas sérias.
"Isto nunca esteve tão mal! No tempo de Salazar,
não tínhamos dívida! Para que é que queremos esta democracia?"
Albuquerque não ouviu, mas o seu mandatário Emanuel Rodrigues, primeiro
presidente da Assembleia, sentado a uma mesa do café, como habitualmente,
certamente apanhou aquelas verdades. O pregador imprevisto não matava saudades
de Salazar, simplesmente desabafava o seu desencanto, projectava a tristeza de
tantos desesperados.
O nosso programa é sentir o ambiente do novo Abril, e depois
seguir a cerimónia pela TV. Mas, maldição, para os lados da Assembleia não descortinamos carro de exteriores,
nenhuma azáfama que dê ideia do directo.
Não é possível! Não? Mas é.
Embora contrariados, por motivos sentimentais, temos de aprender que naquela televisão não há
impossíveis. Transmite-se directos de tanta palha e depois quando as pessoas querem assistir a um acto público com
o significado do de hoje...
Fixação estranha da RTP-Madeira (leia-se direcção)
andar constantemente de costas voltadas para os madeirenses que são a razão de
ser do centro regional. É por isso que em matéria de empatia popular - zero.
Se não há transmissão na TV, que ao menos a rádio nos
bafeje com esse serviço público - rezamos baixinho.
Na zona do Apolo, o pregador imprevisto não dá
tréguas: "Que raio de 25 de Abril é este?! Olhem bem: não
se vê ninguém sorrir. Estão p'raí tristes. Num 25 de Abril! Toda a gente infeliz! Portugal é um país de velhos! Não
se vêem crianças pelas ruas! Não há alegria! Coitadas das mulheres, não podem ter filhos,
porque não há dinheiro para criar filhos. As mães não conseguem comprar leite
para os filhos! O Passos Coelho leva tudo. Isto é um país de
velhos! E vai ficar pior!"
A RDP está no ar com a sessão parlamentar. Em directo. Na sua vez, Sílvia
Vasconcelos não se esquece do tema: "As mulheres continuam a usufruir de
salários discrepantes relativamente aos salários dos homens." Como o
homenzinho do povo, a deputada do PCP releva devidamente que "as mulheres
continuam a padecer de humilhações de género e retracção de direitos laborais
que, inclusive, condicionam a sua livre opção e pleno usufruto à
maternidade".
Na sua intervenção, Sílvia Vasconcelos enuncia a
situação dramática transversal a vários planos da vida regional: o desemprego,
a emigração forçada, a pobreza. Temas comuns a todos os discursos dos diversos
oradores da manhã. "Não foi para isto que se fez Abril", diz a
deputada, para citar a letra da conhecida canção: "Só há liberdade a sério
quando houver a paz, o pão, educação, saúde, habitação..."
Liberdade a sério! Em termos formais, respiramos neste 25 de Abril ares salutares. A presença do governo regional no parlamento, ficando a escutar críticas e avisos com
placidez, sem chamar nomes aos oposicionistas, é um bom prenúncio. Insistimos: a democracia não é apenas o sorriso de
que falava o homenzinho no Apolo. Mas há razões para saudarmos a mudança de
estilo. Carlos
Pereira discursa: "Não nos esquecemos do que passámos neste
parlamento, mas também fora dele."
Fora do parlamento, num ambiente político
perverso e antagónico à verdade democrática - precisa o líder parlamentar e futuro presidente do PS-M se não houver surpresas. Não se apagam sem mais nem menos "os longos anos de ofensas, de humilhações, de insultos, de
gritaria." E de violência verbal, conclui a ideia.
Comemorações para acabar mal
A bordo do jipe azul da RDP, a equipa de reportagem constata que aquele 25
de Abril acabará mal. Os grupos de apoiantes e de adversários da democracia abrilista movimentam-se pela Avenida do Mar, sob vigilância de agentes que vigiam
mais os democratas de cravo ao peito do que os flamistas provocadores. Vemos o arranque da carga policial. Quando os abrilistas tentam empurrar a mole de separatistas
para o leste da Avenida. Os cassetetes caem-lhes em cima, violentamente. Uma
professora conhecida apanha do agente caceteiro enquanto chora raiva dirigindo-se ao agressor:
"Estamos no 25 de Abril, eles andam com as camisolas da FLAMA e vocês
permitem isso, voltam-se contra nós."
Mas não há tempo a perder. Para os agentes, ou bem
dialogar ou bem desancar nos democratas.
Perdido no meio da multidão, vemos um homenzinho com o seu
fatinho e o cravo, mais o lenço apertado contra a testa de onde escorre um fio de sangue. Com a rapidez possível, o homem está dentro do Land Rover
azul. Entregue nas urgências, ouvimos a enfermeira, de olho no cravo à lapela
do ferido: "Vá andando nessas 'comunices' de Abril até aprender."
Torna-se difícil voltar com o jipe transmissor à
Avenida, pelo que, seguindo uma informação, subimos pela Conde Carvalhal até à
zona das bandeiras pintadas na parede. É verdade: lá estão dezenas e dezenas
de jovens com camisola da FLAMA que assumem a guarda à bandeira azul-amarela, pintada de fresco no muro da
então Escola Hoteleira. "Somos sim senhor da FLAMA, vamos tornar a Madeira
independente e pôr os comunas todos do mar para lá. Diga os nossos nomes bem
explicados."
Ainda ouvimos: "Digam lá em baixo para eles virem agora aqui borrar a bandeira!"
Ficou gravado, toca a zarpar para o centro dos
acontecimentos. De caminho, o aviso ao 27 da Rua dos Netos: "Alô Central, móvel 2
chama. Entrevista gravada com jovens separatistas, na Americana, dá para meter nos
noticiários de cá e de Lisboa às treze."
Expulsar 'comunas'
Expulsar os 'comunas' da Madeira para fora era mote das
intervenções do PPD, nessa altura. Entendendo-se como 'comuna' qualquer
simpatizante do 25 de Abril - esse sentimento tão maltratado ano após ano pela
maioria instalada no poder regional. Como recordou hoje Dionísio Andrade na
intervenção parlamentar, houve um tempo em que aos deputados que queriam
celebrar a data de Abril era cortada a luz - e de facto ouvimo-los cantar o Grândola às
escuras, na casa da democracia, num qualquer 25 de Abril. José Manuel Coelho recordou, também na sessão
de hoje, outro episódio, o de um deputado laranja que não gostou de ver um
cravo na tribuna onde ia usar da palavra e resolveu atirar o pobre cravo ao chão.
Abril nada pôde contra o Laranjal ultramontano que o chefe montou nas ilhas.
Ouvimos pela rádio vários intervenientes considerar
que só de há 10 anos para cá o 25 de Abril foi varrido do parlamento, na medida
em que as sessões desde então realizadas não admitiam discursos dos partidos lá
representados.
Discordamos: o 25 de Abril nunca recebeu homenagem
condigna por parte da sede da Autonomia, a não ser pontualmente por tacticismo cínico do líder agora
deposto, por objectivos eleitorais. Nunca houve celebração de Abril sem que se
dissesse o piorio do espírito abrilista, em contraponto com as virtudes do 25 de
Novembro. Era celebrá-lo a 26, a 27... Vergonhosos preconceitos, vestígios do regime salazarista.
Diabruras do PREC
Apoiamos José Manuel Rodrigues quando, como fez hoje, põe em evidência que "foram precisos uns longos 40 anos para chegar a este
dia em que o parlamento da Madeira assinala de forma solene e digna o momento
histórico do 25 de Abril". Afinal, como também faz notar o líder do PP, a
democracia e a autonomia são "conquistas maiores do 25 de Abril".
Não podemos, porém, deixar de pôr em causa o que vemos como
certo exagero na intervenção de Rodrigues, na sua abordagem aos defeitos do
processo revolucionário. "O que hoje, como ontem, rejeitamos é a revolução
que pretendia transformar Portugal num país marxista-leninista", discursou
esta manhã. Elogiando depois o 25 de Novembro que, a seu ver, recolocou o processo político
no seu caminho original.
O mesmo discurso que o anterior chefe da Madeira sempre
utilizou para condicionar eleitores. "Pelo meio, forças extremistas tudo
tentaram para implantar uma ditadura comunista", assusta-nos José Manuel
Rodrigues. Assusta-nos? Ditadura, mas de direita, foi o que o povo
madeirense permitiu imperar ao longo destes anos. Não achamos mesmo nada que o
totalitarismo marxista de que fala Rodrigues tivesse constituído ameaça para
Portugal e a Madeira.
"Tempos porcos e maus"
"Tempos porcos e maus" - eis como Adolfo
Brazão, por sua vez, classifica a época da ameaça comunista referida por Rodrigues.
O deputado social-democrata que falou de Abril
nesta sessão ilustrou com uma experiência pessoal os "tempos feios"
de 1975. Contou que, deambulando pela Avenida da Liberdade, se deparou com
"um bárbaro e incompreensível ataque ao consulado espanhol, onde
ignorantes personagens, inimigos da cultura e da educação e do civismo, atiravam janela fora quadros, mobílias, obras de arte." Na opinião de
Adolfo Brazão, "independentemente da causa, foi absolutamente
bárbaro".
Não será bem assim. Que a violência é condenável, de
acordo. Só que há sempre um contexto a considerar. Também assistimos ao vivo
à jornada de vandalismo, na sede do consulado espanhol. O Marítimo jogava esse
fim-de-semana nos arredores da capital, por coincidência. Também deambulávamos pela
Avenida da Liberdade, com dois ou três colegas de equipa, quando nos deparámos
com a cena. Ficámos umas duas horas à frente da Rua do Salitre, onde se
situavam a chancelaria e o consulado de Espanha. Curiosos a ver o cenário que Adolfo descreve correctamente.
Que conjuntura provocou tal
acção destruidora? Nada menos do que o fuzilamento em Espanha de 5 activistas
anti-franquistas. O ditador Franco agonizava, prejudicado pelos ventos
democráticos que chegavam de Portugal. Então, valiam todas as atrocidades para o caudilho espanhol continuar agarrado à cadeira do poder. Mesmo fuzilar revolucionários, a pretexto de eles terem assassinado polícias e cometido crimes afins.
Como se sabe, pouco depois a ditadura em
Espanha também caía.
É por isto que o "independentemente
da causa" é muito relativo.
Adolfo Brazão - que, note-se, na sua intervenção não regateou elogios à
aurora libertadora nacional -, recordou os seus medos vividos dentro do PREC lisboeta. Tinha de recolher-se, evitar circular, com receio de ser
considerado anti-revolucionário.
O receio cá na Madeira não era de ser
anti-revolucionário. Era de ser acusado de simpatizante de Abril.
Vamos tentar acabar a manhã de reportagem no célebre Land
Rover azul da RDP, que revimos bem nítido hoje, assediado pela multidão, na esquina do Golden.
Viatura parada. Na divisão de trás, tudo pronto para o
representante dos progressistas do Largo da Restauração - um futuro jornalista da rádio e da TV - gravar o protesto contra as actividades descaradas da FLAMA, comunicado que
seria devidamente entregue ao ministro da República.
Em meio da gravação, interrompem da Rua dos Netos.
"Alô móvel 2, Central chama. Regressem imediatamente, porque nada disso
vai para o ar."
O magote que acompanhava o activista da gravação não pôde deixar de ouvir a mensagem áudio.
"Estão a ver? Estes também são da FLAMA!"
Conseguimos arrancar do local ilesos. Mas sem condições para explicar aos progressistas que de certeza os chefes da Rua
dos Netos se referiam às declarações da FLAMA, na Estrada Conde Carvalhal.
O presidente não discursou
Com o passar dos anos, as formas de apoiar ou condenar
Abril perderam o radicalismo de outrora. Hoje, na sessão comemorativa, cristãos-novos da Revolução expressaram-se livremente aos média. Em matéria de estilo e comportamento, a situação regional mudou. Mas a verdade é que os barões do Laranjal,
talvez porque passaram décadas obrigados a mostrar ao chefe uma postura de troglodita em matéria democrática, nunca tiveram o menor jeito para lidar com cravos. É tudo muito
artificial. Ainda hoje, o presidente da Assembleia Legislativa, postura que não
nos lembramos de ter visto em nenhum dos seus antecessores, dirigiu uma sessão
comemorativa sem fazer ele próprio o seu discurso.
Os deputados representam o seu partido e os eleitores
- e por eles usaram da palavra. E quem deve representar a instituição
parlamento?
Para todos os efeitos, o Parlamento-instituição não disse o que pensa do 25 de Abril nem se explicou sobre a
serôdia adesão da casa da autonomia e da democracia ao Dia da Liberdade.
Persistem pegajosos resquícios da noite negra que sucedeu à negra noite do salazarismo. Complexos, receios.
Como dizia numa pastelaria da Elias Garcia, já depois das comemorações no parlamento, o antigo alferes Freitas, que marchou de Santarém com Salgueiro Maia, naquele tempo a gente tinha-os no sítio.
5 comentários:
O povo é quem mais ordena!
Para o Cafofo existe dois tipos de democracia , aquela que ele revindica quando são os outros a mandar e aquela que ele exerce quando manda. faz lembrar o Salazar que no fundo no fundo tambem se considerava democrata
A TV o que não esquece nunca é de colocar o patrocinador a comentar... Há que não esquecer a ajudinha de outrora...
Caro Luís Calisto,
Daria um óptimo trabalho de (alguma,pouca) investigação, verificar onde andam os jovens flamistas e comunas nos dias de hoje. Penso que alguns andam aos abraços nas mesmas agremiações. O passado, fica na coerência dos ...erros de juventude !
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