ALEA JACTA EST
O primeiro teste a Miguel Albuquerque perante os deputados, numa sessão 'a doer', correu dentro de uma normalidade democrática elogiada por várias bancadas. Houve promessas de cooperação durante a sessão inicial do debate sobre o programa de governo. Mas, pelo 'bulir dos beiços', percebeu-se que também há partidos indisponíveis para embarcar na 'cosmética' da nova vaga.
Às 11.35, Tranquada Gomes concluiu que a primeira parte do debate do programa de governo estava resolvida e propôs um intervalo de 15 minutos para aproveitar o tempo e recomeçar logo a seguir com a intervenção de Sérgio Marques, inicialmente prevista para as 3 horas.
Isto quer dizer que o primeiro teste a Miguel Albuquerque diante dos deputados, numa sessão a doer, correra sem impasses nem incidentes daqueles que costumam atrasar os trabalhos.
O programa de governo já era conhecido, uma vez que disponibilizado 'on line' para os interessados. Assim, mais do que debater matérias que serão escalpelizadas na discussão sectorial, a sessão de abertura foi uma prova para o novo relacionamento entre o governo e as oposições.
Pelo que nos pareceu, os populares, que pretendem mostrar-se uma oposição com aspirações de alternativa, irão 'malhar em ferro frio'. O líder parlamentar do PSD, Jaime Filipe Ramos, aproveitou os 'complexos' de José Manuel Rodrigues quanto à necessidade de mostrar diferenças em relação à maioria, para, ironicamente, incitar o líder PP a não ter vergonha das ideias coincidentes com as do PSD. Ricardo Vieira tentou desfazer a 'colagem', elogiando a postura democrática de Albuquerque, mas acusando o presidente do governo de ter perdido a ousadia de outrora: Miguel entrou como um leão na liderança do PSD e agora comparece no parlamento como um cordeiro, disse Vieira.
Miguel Albuquerque riu-se com vontade, elogiou o jeito especial de Ricardo Vieira para as figuras de estilo, mas garantiu que continua inabalável nos projectos anunciados durante as campanhas eleitorais que fez.
Da mesma bancada dos populares, Lopes da Fonseca invocou o fetiche do antigo presidente do governo relativamente à revisão constitucional, contrapondo com o fetiche do próprio Albuquerque, o da reforma do sistema político. Em resposta, o novo chefe do GR esclareceu que não tem fetiche nenhum nem usa chicote - provocando hilaridade no parlamento.
Carlos Costa, deputado JPP, também enveredou pelas imagens e pela oratória para definir o programa de governo de Albuquerque, comparando esse documento à técnica do gotejamento de Pollock, de atirar e respingar a tinta contra a tela. O chefe do governo lembrou que o melhor quadro de Jackson Pollock está em Veneza, manifestou apreço pela técnica do gotejamento e, provado que estava o seu conhecimento da matéria, deu as respostas pedidas pelo deputado.
Na sua vez de falar, José Manuel Coelho, que preferiu usar a tribuna, elogiou a oratória de Carlos Costa, mas avisou que aquele discurso apenas será lembrado daqui a 50 anos, quando algum estudante da universidade pegar nos diários da Assembleia na execução de uma tese qualquer.
Se Carlos Costa indiciara o tipo de oposição que o seu partido tenciona fazer, mais centrado no conteúdo das matérias do que nas formas, o deputado do PTP, embora distante do intervencionismo de outras alturas, ao nível de àpartes, deu a entender que não deixará o seu registo habitual de fazer oposição que se veja. Para começar, acusou o novo secretário da Agricultura de fazer um programa bem feito... sem sequer falar no gravíssimo problema da água de rega. Ora, sem agricultura, há debandada. Nesta altura, não há quem consiga um emprego nas zonas rurais, denunciou Coelho. E mais: para quem, fora do Funchal, não tiver emprego do governo, o caminho é a emigração.
Dionísio Andrade, parlamentar do PND, também se demarcou da 'cosmética' desta nova maioria. Deixou claro que continuará a denunciar a protecção aos lobbies, como o Grupo Sousa, indicando directamente Miguel de Sousa, presente na sala, como um membro do sistema regional de lobbies.
Como ataque dos mais brandos, Dionísio acusou Albuquerque de, quando presidente da CMF, ter destruído o Funchal, com recurso à suspensão de várias alíneas do PDM. Mas o deputado da Nova Democracia não se esqueceu de uma observação actual, igualmente pertinente: Albuquerque mandou arranjar paredes e pôr quadros nas Angústias, mas ainda não falou em tratar de saber, a fim de apurar responsabilizações, em que estado é que o seu antecessor deixou as contas da Região.
Roberto Almada e Rodrigo Trancoso também não deixaram dúvidas quanto à dureza da oposição que preparam para esta legislatura. O líder do Bloco de Esquerda enveredou por um ataque deliberado a Miguel Albuquerque, perguntando-lhe quem é que recebia a famosa avença do BES.
O mote estava dado: o executivo terá de contar com um BE tão acutilante como o partido sempre foi no passado.
Por sua vez, Edgar Silva, da CDU, não facilitou. Resultado de aturada pesquisa, o deputado confrontou Albuquerque com princípios que ele, actual presidente do governo, defendeu nos seus tempo de edil funchalense. Uma peça bem montada que obrigou Albuquerque a rebuscar justificações sobre episódios delicados respeitantes aos tempos evocados.
Em teoria, o novo governo contará com a participação e a colaboração do PP e do PS, e supostamente do JPP, na discussão de questões de interesse geral para os madeirenses. No caso dos socialistas, Carlos Pereira apresentou-se esta manhã com a postura de responsável por um partido de alternativa de poder e não de protesto. Em última análise, Albuquerque agradeceu a oferta de diálogo por parte de Carlos Pereira e convidou-o para um trabalho conjunto por exemplo em matéria fiscal.
A primeira sessão dedicada ao programa de governo deixou estas indicações quanto ao ambiente que marcará os quatro anos de nova política. Da parte do PSD, Jaime Filipe Ramos e Albuquerque estão empenhadíssimo no diálogo, cada qual no seu patamar. Mas vozes como as dos social-democratas Carlos Rodrigues e Sara Madruga também foram explícitas: a intenção é privilegiar o bom relacionamento com as bancadas da oposição. Mas se, da parte desta, houver má vontade, então ouvirão as respostas adequadas.
Em termos eminentemente políticos e práticos para a Madeira conseguir resolver problemas bicudos que chegam do passado, vem-nos à mente a teoria de Ricardo Vieira de que Miguel Albuquerque se transformou de leão em cordeiro. Achamos que essa imagem tem um quê de fundamento. Não no respeitante à estratégia para o seu relacionamento com as oposições. Neste capítulo, mostrou esta manhã ter um especial jeito para responder com à-vontade às acusações todas, e sem alimentar o conflito. Referimo-nos ao plano das conversas com Lisboa. Se Albuquerque achar que conseguirá, com palavras doces, fazer Passos Coelho assumir obrigações que o Estado tem para com a Madeira, nada feito. Os assuntos institucionais não devem ser tratados aos berros, como outrora, é verdade. Mas também não acreditamos em justiça feita de Lisboa para cá voluntariamente. Sem gente deste lado disposta a tratar dos problemas olhos nos olhos. É um aspecto muito importante para o futuro de Albuquerque e da Região.
2 comentários:
Mais do que o programa de governo, que é uma mão cheia de intenções, e de poucas realizações,intriga-me a notícia de abertura do telejornal de ontem.
Clode Sousa será comissário das comemorações dos 600 anos da descoberta da Madeira, e essa comissão irá gerir um orçamento de 35 milhões de euros.
A notícia aparece vinda de onde, baseada em que resolução governamental, em que decisão de reunião de governo ?
É que 35 milhões é muito dinheiro !
Não seria o procedimento mais correcto o governo definir o que pretende fazer quanto a essa comemoração, e então essa comissão trabalhar e orçamentar ?
A ser verdade a notícia de ontem, são 35 milhões para a comissão gastar. Fica o valor definido e Clode Sousa gasta como quer.
Faz lembrar tempos recentes e práticas anteriores.
O Luís Calisto poderia tirar a limpo esta questão com a sua amiga Lília Bernardes. Era um favor que fazia aos contribuintes.
Oxalá os camaradas do BE-M tivessem a mesma estaleca "noutros" parlamentos onde convivem concubinados na desastrada governação do Funchal.
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